quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

A linha e o Cego

 … às garras da Charrua.

A verdade é louca e mitológica. Não há semideuses. Apenas o nada. É preciso a candeia na clínica. Por isso, deixem ao menos na porta o bálsamo, mas não hospitalizem as idades na sintaxe e os semblantes na ciência do absurdo no antes do agora dos sítios dos quais queremos traspassar o algodão para o miolo do horizonte, e nessa linha há infiltração do soluço na fontanela da casa.

[Da irreverência do amor] para enxugar as nódoas dos olhos de Énia Lipanga

Quando o caso a ser julgado é o amor, os amantes podem queixar-se de tudo perante o tribunal da vida, menos da falta de avisos. Entretanto, porque os avisos estão sempre na tendência de rejeitar os acontecimentos vindouros, enquanto o desejo tem esta tendência de apelar à experimentação do inédito, este último vence amiúde o conflito entre a carne e a razão.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Close up: para limar possíveis vícios de uma leitura apressada

É comum que a emoção se evidencie em momentos em que o equilíbrio da razão é mais recomendado. Um desses momentos é a leitura crítica de um livro ou de um fenómeno  literário, em geral. Quando Sigmund Freud no seu estudo da psicanálise sentenciou: "o que João diz de Pedro diz mais de João que de Pedro”,

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

entre a metáfora do self e uma escrita híbrida, surge um Jeconias Mocumbe que se quer igual a si mesmo

Escrever é um acto solitário (excêntrico, talvez): todos sabemos. O autor na sua poltrona de criação artística cria imagens, sentidos, visões e faz uma desconstrução da palavra para exorcizar fantasmas individuais que podem ou não ser do seu tempo e meio.

Jeconias Mucumbe toma este apanágio da arte de escrever e o interioriza como quem deu ouvidos aos apelos de Nicanor Parra no seu poema "cartas do poeta que dorme numa cadeira"[1] em que é possível ler:

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

…e agora, o que se dirá aos contadores de estórias?


“a literatura, tal como a concebemos,

distingue-se pelo investimento na linguagem

e não pelo conteúdo por mais nobre que o julguemos”

Lembro-me desta frase em epígrafe como se me tivesse sido dita ontem quando, afinal, remonta o ano de 2004. Li-a numa recensão publicada na Revista Proler, em que o seu autor dissecava sobre o livro Niketche cuja autora adicionou recentemente ao título de primeira romancista moçambicana, o de primeira mulher africana a ganhar o prémio Camões. É obra.

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Sobre o regresso dos bobos da corte

Fazer arte é sem dúvidas um exercício incomparável. Recorrendo a um exagero que se tem usado muito na escrita, fazer arte é brincar de ser Deus ainda que isso dure um sopro. A despeito do gosto da realização, tenho notado um gozo peculiar na apresentação que o artista faz do seu próprio labor. Talvez seja este último gosto que veda a leitura da instrumentalização que se evidencia no horizonte do “agora vamos a um momento cultural com…”.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Poetas e rappers: representantes do povo ou cultores de uma “revolução caviar”?

É comum encontrar, no movimento hip-hop e na poesia, artistas que sempre procuram provar que a semente da intervenção não caíra em solo infértil. Disto resulta uma música/poesia de cunho interventivo e questionador de um status quo implantado por uma classe média-alta para, de algum modo, oprimir e explorar a classe baixa (o dito povo). Daí a recorrente atribuição do título de representantes dos oprimidos aos poetas ou rappers (senão músicos na sua generalidade) que produzem manifestações artísticas com estas características.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Um convite à leitura de Neighbours da Lília Momplé

Ler o decurso de uma longa noite de Maio, nas páginas de Neighbours de Lília Momplé e perceber, nas entrelinhas, o momento, o facto, o detalhe ténue que se traduz num aparentemente mesquinho móbil duma guinada na vida de um ser, é um renovado prazer.

Numa linguagem pouco rebuscada, acessível a um maior número de leitores, aliada ao jeito materno de conduzir o enredo, Lília Momplé escreve Neighbours como quem apanha os retalhos da história não para recontá-la mas para reconstituir um universo que está além do que ela (a história), enquanto ciência, se compromete a trazer.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Por que ler é nice?

São várias as vezes em que se diz que os jovens não leem e, por via disto, são feitos apelos para que estes desenvolvam a cultura de leitura. Esta cultura que se pretende incutir na juventude prende-se com o exercício voluntário da leitura não só de conteúdos relacionados com a sua área de formação, mas com outros assuntos da chamada “cultura geral”. O que não se aborda nesses apelos são os possíveis benefícios que podem advir desse exercício. Desta feita, importa-nos responder à questão com que intitulamos este texto.

domingo, 20 de junho de 2021

“se não foste tu, foi o teu pai ou teu avô”



(aos Napoleões de George Orwell)

I

…pelos acertos do tempo.

Galvanizamo-nos. E demos

graças a tal ímpeto e bravura.

Que os ventos da redenção

ante os sinuosos trilhos

por que migramos. Fazem-se e

desfazem-se no nosso tacto,

teto e tez. Mas deles nem memória.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

door of no return


I

…assombra-me esta gravura

de Benim. Para exorcizar fantasmas. 

Que me sitiam a memória individual 

e comum. Porque além desta nuvem. 

Revela-se-me o mesmo azul. Que 

se decalca aos olhos da pedra 

submersa no mar.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

A literatura e a estranha imortalidade das obras

 

“Alguns livros são imerecidamente esquecidos, nenhum é imerecidamente lembrado”, Frederich Nietszche

“Catorze mil versos de sermões assim, quem poderia lê-los sem desmaiar de cansaço ou de sono? (…) nada faltou a Dante senão um bom gosto e discernimento na arte”, lê-se nas cartas virgilianas (1758)  escritas pelo douto jesuíta Saverio Bettinelli (apud ECCO:2007) sobre a Divina Comédia.

sexta-feira, 7 de maio de 2021

mundo blue: a distração e concentração da saudade inexorável


“Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem, se algum houve, as saudades”, Luís Vaz de Camões

Torna-se definitivamente inelutável aquela curiosidade, uma vez, expressa por Sebastião Alba que é “onde estava e como se sentia o autor quando escreveu isto?” em referência a alguma mensagem que a gente lê e bate-nos no âmago.

terça-feira, 4 de maio de 2021

Sobre os usos da língua - I

Tanto nesta como noutras plataformas dedicadas à difusão e discussão de saberes, estão esgotados os argumentos que revelam uma realização algo diferente da língua portuguesa em Moçambique.
É cada vez mais evidente que a realização discursiva desta língua no tecido social experimenta uma manifestação diferente da que se orienta na gramática do português europeu que é o padrão que se deve seguir. Outro aspecto que se pode realçar é o acesso massivo que se tem da variante brasileira

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Muedas

…é 1960. Estou em Mueda. Como então refaço: 
os pedaços da alma com que benzi a tua glande(?) 
os retalhos do sentimento com que te cobri(?) 
os estilhaços da voz com que te falava de amor, 
mesmo com bigode prostrado numa garrafa 
de scotch(?) 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

O desafio da emancipação da mulher numa sociedade falocêntrica

Dissertar sobre emancipação da mulher numa sociedade como a nossa tornou-se num campo de treinamento para aspirantes a intelectualidade, não só pela azáfama que gira em torno deste assunto mas também, e sobretudo, por se pensar que seja um assunto que, para o intelectual, está ao nível duma papa leve para um recém-nascido.

sexta-feira, 5 de março de 2021

A propósito das cores da literatura: se temos armas, travemos batalhas que sejam nossas!

Basta olhar para o nosso passado literário (escrito) para perceber que a literatura moçambicana teve sempre uma participação nos problemas do seu tempo e meio.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Das idades das vontades à perenidade das farpas

Esguio-me aqui na retina da memória como se este saudosismo me pudesse apartar dos estrondos com que esta gente nova roça o tímpano. Belisca a iris. E faz cócegas na opinião que se deve formar sobre ela. 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Façamos de contas que São Valentim não lutara por uma causa perdida

"o amor é uma corrida 
imparável entre dois
(ou mais) o primeiro 
a chegar perde."

Leio este poema de Gonzalo Fragui e o excesso de realidade nele contido faz-me degustar o desencantamento do amor como se a sacralização de Valentim tivesse sido daqueles deslizes em que a humanidade canoniza pseudo-intelectos e realizações.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O camaleão de Samsanga

...vi Salatiel Matchazi cantando e dançando “vadhla voxe” de Jeremias Ngoenha e engoli pela goela adentro todo encantamento do mundo que ainda degustava na boca. Aquele saltitar e vigor para marchar pela “causa comum” era duma incredulidade espantosa não pela vontade com que o fazia porque a hipocrisia caia-lhe tão bem quanto a túnica que trazia para cobrir o rechonchudo abdômen.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Chamada para a Revista RectasLetras

A coordenação editorial da revista RectasLetras convida os críticos literários, professores e estudantes de letras, jornalistas, escritores, editores e demais interessados à submissão de recensões e/ou críticas literárias, prefácios e textos de apresentação de obras literárias publicadas em 2020 no mercado literário moçambicano para o primeiro número desta revista que tenciona ser uma referência no mercado livresco em Moçambique.

É momento de pormos "likes" na convenção de Berna (?)

O ano é 2021. Depois das felicitações que auguram um ano próspero, chegam-nos, a partir das duas margens do Atlântico, pombos-correios e a correspondência que nos trazem não nos surpreende mas desola-nos e convida-nos a reavivar Mikhail Backtin, Júlia Kristeva e os tratadistas do famigerado Convênio de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas adoptado em 1886.