"o amor é uma corrida
imparável entre dois
(ou mais) o primeiro
a chegar perde."
Leio este poema de Gonzalo Fragui e o excesso de realidade nele contido faz-me degustar o desencantamento do amor como se a sacralização de Valentim tivesse sido daqueles deslizes em que a humanidade canoniza pseudo-intelectos e realizações. É, sim, inegável a fugacidade dos nossos amores e desamores. Sobre isso bem escreveu Zigmunt Bauman no seu "Mundo Líquido". Ainda assim, pelo amor que de Deus nos sobra, podemos fazer de contas que São Valentim não lutara por uma causa perdida. Status social. Equilíbrio financeiro. Credos religiosos, políticos e de outra índole. Distâncias e aproximações. Tudo isto reduz o que devia ser simplesmente o amor num convênio em que a revisão por pares é de praxe.
Parece consensual que o nosso tecido social espraia-se (e sempre o deve fazer) na representação do que se apregoa como um status quo social, tudo em busca de um aceno de um ente superior invisível numa plateia que sequer existe mas em nós subsiste. Nesta busca de acenos e likes, perdem-se os egos e o que retroalimentamos ao universo não é senão uma ressonância do que a sociedade nos dá. E que sociedade? A mesma que nos impregna credos como se um centímetro após a morte, nos tivesse garantida a continuidade de tais cargas fugazes. E, porque há poucos Romeus e Julietas para tantas imposições, desfaz-se todo o labor que fizera Valentim conhecer o interior da clausura e tomar a porção da eternidade.
Se na sua peleja, Valentim celebrou o amor através casamentos quando estes eram interditos em prol dos interesses da conjuntura, parece que hoje celebramos os interesses da conjuntura através dos casamentos. Quanto ao amor? Mandamo-lo às favas em papel timbrado. Como não? Há buchos por encher. Status por manter. Exigências por cumprir. Acenos ou likes por granjear.
Preservados os credos e estabelecida a vida a dois, vem-nos, de soslaio e em sussurros, um Fragui para desdizer as lutas de Valentim e sugerir-nos que nesse mar não se mergulha. Apenas um pé basta.
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