“Acho que a literatura e, sobretudo, a prosa, minha disciplina de trabalho na literatura, é também feita observando o ritmo. A vida só faz sentido porque existe ritmo.”
Diz ter uma relação íntima com o ritmo e sente que a poesia é uma sombra
que de si não desgruda mesmo na escuridão. Poético e profundo, não é? A escrita
tem este efeito em nós: passamos a vida em exercícios catárticos que dispensam
as idas aos psicólogos. A escrita é o nosso consultório. Basta ler a sua frase
curta e comedida para perceber que há sinceridade nas suas palavras. Vês: nem
sempre “o poeta é um fingidor”. Tem, também, episódios de franqueza. Embora
sejam raros, este é um deles.
Voltando à intimidade que priva com o ritmo, fico aqui pensando: qual deve ser a cadência da sua vida? Não é ao acaso que me surge a dúvida. Mélio Tinga tem com a escrita um envolvimento múltiplo que não me cabe descrever, basta pensar no número de vezes em que o seu nome aparece na ficha técnica dos livros editados nos últimos 10 anos. Entre o design, a coordenação editorial e a escrita há uma alma que não sossega porque deve dançar o groove, o funk, o pandza e outros ritmos ditados por essas actividades que alimentam a (nossa) literatura. Só este entusiasmo tripartido seria suficiente para uma conversa de dias e noites, mas não foi desta vez. Acabaríamos por abordar uma questão adormecida sobre a possibilidade de transferir estas coisas escritas neste canal para um periódico com perfil, linha editorial e génese peculiares. Mas há quem diga por aí que boas intenções não morrem, adormecem. E, nesse processo (o da dormência), amadurecem. Deve ser por isso que estamos nesta conversa tela a tela conversando sobre possíveis intercessões entre o rap e a sua escrita.