sábado, 6 de abril de 2024

“na escrita lavo-me de tudo: é nela que a minha alma encontra paz”

É daqueles brôs que a literatura me deu. Há um par de anos, eu passava a vida fazendo graça com a sua rotina profissional e pessoal. Dizia-lhe: “é o gajo que vive em Chókwè, e dorme em Guijá”. Fazia esta graça partindo do pressuposto de que a gente vive onde trabalha. Hoje passo exactamente pela mesma situação, entre Chongoene e Xai-Xai. A vida é assim; prega-nos algumas partidas. Lembro-me, até, de um provérbio tsonga que se refere a isto: “não te rias do rastejar da cobra, porque as outras que estão nos ninhos te estão a ver.”

Mas, prontos, não foi por isso que eu parei de fazer graça com a circunstância profissional e pessoal do homem. Fi-lo quando percebi que tem uma relação intrínseca com o distrito de Guijá, que, se calhar, não se encontre em alguns nativos daquela topografia gazense.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

"É possível viver de poesia. O importante é que as pessoas descubram as oportunidades que a literatura tem."

É Alex Barga. A leitura deu-lhe este nome. Antes deste, já era Alex Nhabanga. A sua vida resume-se na literatura. Vive e respira poesia. Acredita que a poesia seja a língua dos poetas.
É, em síntese, um gajo de papos. Bons papos. Estivemos, há dias, a ter uma cavaqueira telefónica sobre isto e aquilo. E, claro, surgiram bons papos. A malta de livros tem disso. Por sermos ilhéus nestas coisas de gostar de ler e fazer ler, acabamos criando uma espécie de “coitadismo” que nos une. É estupendo!

quarta-feira, 20 de março de 2024

“a escrita ajuda-me a entender melhor a mim mesmo e ao mundo ao meu redor”

É um Big Brother. Olheiro dos seus. Cada conversa é uma aprendizagem. Tive uma delas no primeiro contacto: “nunca ignore chamadas telefónicas de contactos estranhos”. Sim, isso mesmo. Não foi daqueles sermões que damos no auge de uma mania de autoridade moral que nos acomete, mas de um contexto próprio. Uma ocorrência. Uma feliz coincidência de nomes. Vamos, então, ao brevíssimo recorte desta aula dada em 2020.

segunda-feira, 18 de março de 2024

“através da literatura, tornei-me em alguém que outras pessoas desejam ser”

Quis o destino que a Amélia Margarida Matavele passasse a ser Pré-Destinada. Porque ninguém pode contra o destino, assim ficou: Pré-Destinada. Tem com a escrita uma relação de altruísmo. Não é sobre si, mas sobre agregar valor nos outros.

Despertara esta componente entre os anos 2012/2013. “Comecei a notar que o que escrevia não me pertencia: era propriedade dos outros. Entendi, desta forma, que ao publicar os textos que escrevia, incentivava outras pessoas a lerem ou a se interessarem pelo mesmo ofício.”

sábado, 16 de março de 2024

“Teria enveredado para o mundo da prostituição ou das drogas. Mas encontrei, na escrita, um porto seguro”

Noutra latitude. Noutra galáxia. Noutra era, a Hera era a representação da poesia feita por mulheres neste pedaço do Índico. Hera de Jesus é o seu nome. Tem um verso suave e puro, que só se consegue nos primeiros anos de escrita, antes das leituras de teoremas e manuais. Estas coisas dão, ao verso, um ar tecnicista que talvez interesse aos críticos. Talvez a escrita não seja feita dessas coisas. Sim, talvez.

quinta-feira, 14 de março de 2024

“a poesia tem-me dado oportunidade de viajar pelo país inteiro”

Tínhamos uma pita em comum: a Elsa. Nunca tivemos problemas com isso. Julgo, até, que se estivesse viva, a Elsa não se iria importar. Numa dessas cavaqueiras, partilhamos esse gosto pela música da Elsa Mangue, de tal forma que acabou se tornando nossa pita. Só recentemente é que a tomei só para mim, dei-lhe uma cabeçada ao fazer menção a esse amor por ela no meu mais recente livro. Ele a perdeu.

Projecto Ciclo de conversas "Ganhos do Percurso"

Passei a apreciar a arte pelo conceito. Em outra conversa chamaríamos de plano de texto ou design. É interessante pensar na arte a partir deste ângulo. Todo o engenho investido para a sua construção ganha sentido pleno. Foi o que aconteceu com a música intitulada "ganhos do percurso" de MCK, com a participação de Valete e Loromance.

quarta-feira, 13 de março de 2024

“Escrever permite drenar, no papel, as frustrações do indivíduo e transformá-las em objecto de arte”

É Orlando Jorge Mussaengana. Locutor, Jornalista, Advogado e Escritor. Para conversar com ele, é preciso situar muito bem o norte: se é em busca do Jornalista/Locutor, do Advogado ou do Escritor. Há outro alter-ego que a carreira profissional inseriu em si. O do gestor público.

Desta vez, a conversa foi ao encontro do Escritor. Nesta qualidade, adopta o pseudónimo de Rey Mataka VII. Para si, a escrita deixou de ser um hobby para se tornar numa actividade mais consciente, a ponto de pensar em publicar um livro, a partir da altura em que começou a interagir directamente com outros escritores. Cá entre nós, é uma consciência tardia, se considerarmos que escreve poesia e prosa desde 1992. Vês, já lá vão 32 anos. Sim, isso mesmo: 32. Durante muito tempo escrevia de si para si. Não partilhava. De alguns anos para cá, passou a participar de lançamentos de livros, saraus culturais em Maputo e em Gaza.

A Influência do Rap na Produção Literária Moçambicana Pós-2000: diagnóstico de [possíveis] interfaces discursivas[1]

1.      Considerações iniciais

A partir da segunda década do século XXI, regista-se, no mercado livresco moçambicano, a publicação de várias obras de autores moçambicanos jovens, muitos deles estreantes embora já tivessem publicado textos em antologias e periódicos nacionais e estrangeiros.

Tal geração de escritores, nascida entre os anos 80 e 90, publica os seus primeiros livros neste período caracterizado por uma massificação de editoras independentes, de associações e festivais literários, de periódicos electrónicos (sites, blogs, vlogs, revistas, fanzines, etc.) que, estando à margem dos canais “oficiais”, marcam a pauta literária deste tempo tal como acentua a Professora Fátima Mendonça em texto publicado no jornal O País, dia 05 de Setembro de 2017, nos seguintes termos:

São uma geração das novas tecnologias, aberta a um mundo em que as fronteiras se tornam porosas, que conscientemente aproveita as vantagens dos caminhos abertos pela Internet, no Facebook, nos blogs em todo esse aparato tecnológico que integra soluções culturais para o nosso presente e que no caso de países como Moçambique em que existe uma hipertrofia dos grandes centros urbanos, permite colmatar as assimetrias existentes.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Tasaver: feliz foi Camões, que tinha um olho para uma só musa

…esta coisa da militância multipartida pela leitura e escrita literária não é de hoje no contexto moçambicano. Não é preciso que haja uma pesquisa exaustiva para perceber isso. Basta ler a biografia de um autor para perceber que além da sua entrega como poeta, cronista, contista, romancista ou outro “ista”, o mesmo desenvolvia actividades adjacentes ao livro/escrita: Jornalismo, Edição, Revisão, Crítica Literária, etc. Ninguém teve uma só musa. Tinham todos de se repartir entre escrever e criar condições para que o livro chegasse ao leitor.

Vale, no entanto, ressaltar que, nestes tempos pós-2000, há uma entrega muito mais ousada e contra-hegemónica. Com a “morte” das páginas culturais nos jornais (repito, culturais, não musicais nem de entretenimento), a internet, na sua constante busca pela afirmação enquanto quinto poder, dá ferramentas digitais para que os jovens, independentemente de onde estiverem, contribuam sobremaneira para movimentar o sistema literário. É mesmo isso: movimentar, gerar debates, informar, criar alaridos, coisas assim. Quer queiramos, quer não: a coisa funciona, até certo ponto.

domingo, 28 de janeiro de 2024

António Carneiro Gonçalves: um paradigma de se ser escritor para a escrita e para o mundo

Recebi, há dias, uma chamada de Lino Mukurruza. Entre uma cavaqueira e outra, veio o desafio: “estamos a organizar um colóquio de letras e, desta vez, homenageamos António Carneiro Gonçalves. Gostaríamos que fosse um dos oradores acerca d’A Escrita de Anton”. Daí para frente a conversa tornou-se numa partilha de memórias de textos que compuseram o imaginário de muitos moçambicanos nascidos entre a década 80 e a primeira metade da década 90 do século passado.

Quem, desta geração, não se recorda dos textos “A Gruta de Cantaia; Malidza; e A Mulher do Escritor”? São textos que compõem manuais de Língua Portuguesa que eram usados para o ensino naquela época e ficaram na memória: eram dias e mais dias de leitura e interpretação textual. Este último (A Mulher do Escritor) encantou-me imensamente. Sempre li este texto encarnando o personagem em causa e sonhava com esta coisa de tentar ser escritor. Talvez num dia desses, bem distante, me torne num.

sábado, 27 de janeiro de 2024

As Calças do Noivo

…há vários tipos de cabide: metálicos, plásticos, madeirados e outros feitos de metal, mas com cobertura plástica. Uns, no fundo, são os outros, salvo a consistência e o facto dos de plástico serem mais escorregadios.

Cá entre nós, ninguém pensa nestas coisas. É muita trigonometria, morfemas, pontos de fuga e tantas equações quadráticas desta vida que na prática não nos servem objectivamente.

“Se eu soubesse. Se eu soubesse”. Repetira pela noite adentro como se tal se tratasse de um terço.

Sancho Winani fora sempre um estudante dedicado. É na escola que o farol acendia para que a vida fizesse sentido debaixo dos olhos do Senhor. Estudar, trabalhar, casar e constituir família. Não é essa a sina? De todas, a que mais foi amaldiçoada fora a escola. Com o trabalho já se tinha resolvido. Com o casamento e a família já havia sinais de um rumo: afinal, ia apresentar-se na família da namorada.

Crítica Literária _ Para quê? Por quê? Para quem?


…a gente até tenta, mas está difícil, Senhor Professor.

Escrever sobre livros e seus autores é uma tarefa inglória, como bem pontuou o Professor Nataniel Ngomane numa entrevista concedida a Cláudio Fortuna, publicada na Revista Angolana de Sociologia, em Abril de 2011, ao problematizar esta função nos seguintes termos: “quanto é que ganha um crítico por escrever um texto de crítica? Deixa de fazer as suas coisas, escreve um texto crítico… e não recebe nada por isso. Não será, este, um grande problema? Porque as restantes profissões são pagas para fazerem o que estão a fazer. Quem é que paga a crítica? Quem respeita a crítica? Quem dá valor à crítica? As pessoas pedem sempre para fazer um prefácio, uma apresentação dos seus livros. Quanto se ganha por isso? Imaginam quanto se despende para fazer isso?”