…a gente até tenta, mas está difícil, Senhor Professor.
Escrever sobre livros e seus autores é uma tarefa inglória, como bem pontuou o Professor Nataniel Ngomane numa entrevista concedida a Cláudio Fortuna, publicada na Revista Angolana de Sociologia, em Abril de 2011, ao problematizar esta função nos seguintes termos: “quanto é que ganha um crítico por escrever um texto de crítica? Deixa de fazer as suas coisas, escreve um texto crítico… e não recebe nada por isso. Não será, este, um grande problema? Porque as restantes profissões são pagas para fazerem o que estão a fazer. Quem é que paga a crítica? Quem respeita a crítica? Quem dá valor à crítica? As pessoas pedem sempre para fazer um prefácio, uma apresentação dos seus livros. Quanto se ganha por isso? Imaginam quanto se despende para fazer isso?”
De facto, no quadro de “profissionais” que
intervêm na cadeia de valor do livro, o crítico literário é o único que não
recebe pelo que faz. Aliás, recebe, sim: pedras. Dos próprios autores; dos
editores; dos convivas a quem o autor paga as sopas. São ossos do ofício:
dir-se-á.
Tenho notado, com muito agrado, a
emergência de vozes (pouquíssimas) que se dedicam a este exercício em vários
canais de mídia, sobretudo a electrónica. Curiosamente, não são vozes oriundas
das nossas “academias” de Jornalismo como se poderia esperar. São graduados de
cursos de letras (filosofia, ensino de línguas, literatura moçambicana, linguística,
sociologia e afins) que, tendo paixão pela literatura, alimentam as páginas dos
jornais, blogs e revistas com um ar da sua graça, ainda que seja de forma
irregular.
Este esforço para com a coisa literária é
muito benéfico e positivo: movimenta o “sistema”, ainda que tal seja inglório
para as suas receitas. Haveria justiça divina se assim fosse. É bíblico:
“comerás do fruto do teu trabalho, serás feliz e próspero” (Salmos, 128: 2).
Ainda bem que, neste caso e cá na terra, a
prosperidade é um valor relativo.
Esta militância que certamente será
registada nos anais da história, remete-me a uma conversa tida com o Professor
Francisco Noa, aquando da sexta edição do Festival Internacional de Poesia,
organizado pela Associação Cultural Xitende, na cidade de Xai-Xai. Num painel
reservado à reflexão sobre a crítica literária em Moçambique, Noa recordou-se
de um episódio que tivera com Jeremias Langa. Este último pretendia conduzir
uma pesquisa em torno do mesmo tópico e apontava para a ausência de critica
literária no nosso meio. Note-se, então, que este não é um lugar-comum dos
últimos cinco anos. É coisa dita há já algum tempo.
Noa referiu que sugeriu uma outra forma de
observar o fenómeno, destacando que temos, sim, falta de crítica literária
jornalística. A crítica literária (académica) está firme e a cada dia surgem
ensaios, artigos científicos, monografias, dissertações e outros géneros
académicos que têm como base de reflexão a literatura feita em Moçambique.
Lembro-me, também, de o mesmo ter dito que
há uma tendência de se incorporar, nos jornais, alguma crítica, contudo esta
ainda é de foro académico. José dos Remédios é, neste quesito, uma figura de
destaque por não só ser das poucas vozes que se evidenciam no contexto do
Jornalismo Cultural, como, também, cede espaço para que outras vozes se possam
fazer ouvir. Pessoalmente, sou-lhe grato. Está para breve o dia em que lhe irei
pagar um descafeinado.
Mesmo assim, nem tudo são rosas. De acordo
com Noa, a crescente onda de jovens que se querem firmar neste exercício é,
ainda, devedora de uma critica literária académica que melhor serve aos
propósitos académicos que os efectivamente jornalísticos. É uma escrita pejada
de citações, desde Todorov às Mendonças cá da terra.
Conforme referi no início deste texto, são
vozes herdeiras de bases teórico-conceptuais dos Estudos Literários, da
Filosofia, sobretudo, e de algumas bases da Linguística Textual. Mal nisso não
há, contudo, se uma das premissas do exercício da crítica no contexto
jornalístico é a informatividade, estará o nosso leitor preparado para tamanho
linguajar tecnicista e, quiçá, opulento? Se neste exercício, furtamo-nos da
necessidade de situar o leitor relativamente ao estágio e âmbito das abordagens
sobre o tópico em causa, estaríamos a ser suficientemente honestos? Ou, se
calhar e sem perceber, estejamos a enfrentar o dilema descrito por Schopenhauer
no seu “a arte de escrever”?
Para este filósofo alemão, “quem lê muito
e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde
gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto
cavalgar, acabasse desaprendendo a andar”, (p. 60).
Leio, com alguma regularidade, os nossos textos a respeito dos livros dos nossos confrades escritores ou da cena literária no seu todo e o que me ocorre é mesmo isto: a gente até tenta, mas está difícil, senhor Professor.
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