sábado, 27 de janeiro de 2024

Crítica Literária _ Para quê? Por quê? Para quem?


…a gente até tenta, mas está difícil, Senhor Professor.

Escrever sobre livros e seus autores é uma tarefa inglória, como bem pontuou o Professor Nataniel Ngomane numa entrevista concedida a Cláudio Fortuna, publicada na Revista Angolana de Sociologia, em Abril de 2011, ao problematizar esta função nos seguintes termos: “quanto é que ganha um crítico por escrever um texto de crítica? Deixa de fazer as suas coisas, escreve um texto crítico… e não recebe nada por isso. Não será, este, um grande problema? Porque as restantes profissões são pagas para fazerem o que estão a fazer. Quem é que paga a crítica? Quem respeita a crítica? Quem dá valor à crítica? As pessoas pedem sempre para fazer um prefácio, uma apresentação dos seus livros. Quanto se ganha por isso? Imaginam quanto se despende para fazer isso?”

De facto, no quadro de “profissionais” que intervêm na cadeia de valor do livro, o crítico literário é o único que não recebe pelo que faz. Aliás, recebe, sim: pedras. Dos próprios autores; dos editores; dos convivas a quem o autor paga as sopas. São ossos do ofício: dir-se-á.

Tenho notado, com muito agrado, a emergência de vozes (pouquíssimas) que se dedicam a este exercício em vários canais de mídia, sobretudo a electrónica. Curiosamente, não são vozes oriundas das nossas “academias” de Jornalismo como se poderia esperar. São graduados de cursos de letras (filosofia, ensino de línguas, literatura moçambicana, linguística, sociologia e afins) que, tendo paixão pela literatura, alimentam as páginas dos jornais, blogs e revistas com um ar da sua graça, ainda que seja de forma irregular.

Este esforço para com a coisa literária é muito benéfico e positivo: movimenta o “sistema”, ainda que tal seja inglório para as suas receitas. Haveria justiça divina se assim fosse. É bíblico: “comerás do fruto do teu trabalho, serás feliz e próspero” (Salmos, 128: 2).

Ainda bem que, neste caso e cá na terra, a prosperidade é um valor relativo.

Esta militância que certamente será registada nos anais da história, remete-me a uma conversa tida com o Professor Francisco Noa, aquando da sexta edição do Festival Internacional de Poesia, organizado pela Associação Cultural Xitende, na cidade de Xai-Xai. Num painel reservado à reflexão sobre a crítica literária em Moçambique, Noa recordou-se de um episódio que tivera com Jeremias Langa. Este último pretendia conduzir uma pesquisa em torno do mesmo tópico e apontava para a ausência de critica literária no nosso meio. Note-se, então, que este não é um lugar-comum dos últimos cinco anos. É coisa dita há já algum tempo.

Noa referiu que sugeriu uma outra forma de observar o fenómeno, destacando que temos, sim, falta de crítica literária jornalística. A crítica literária (académica) está firme e a cada dia surgem ensaios, artigos científicos, monografias, dissertações e outros géneros académicos que têm como base de reflexão a literatura feita em Moçambique.

Lembro-me, também, de o mesmo ter dito que há uma tendência de se incorporar, nos jornais, alguma crítica, contudo esta ainda é de foro académico. José dos Remédios é, neste quesito, uma figura de destaque por não só ser das poucas vozes que se evidenciam no contexto do Jornalismo Cultural, como, também, cede espaço para que outras vozes se possam fazer ouvir. Pessoalmente, sou-lhe grato. Está para breve o dia em que lhe irei pagar um descafeinado.

Mesmo assim, nem tudo são rosas. De acordo com Noa, a crescente onda de jovens que se querem firmar neste exercício é, ainda, devedora de uma critica literária académica que melhor serve aos propósitos académicos que os efectivamente jornalísticos. É uma escrita pejada de citações, desde Todorov às Mendonças cá da terra.

Conforme referi no início deste texto, são vozes herdeiras de bases teórico-conceptuais dos Estudos Literários, da Filosofia, sobretudo, e de algumas bases da Linguística Textual. Mal nisso não há, contudo, se uma das premissas do exercício da crítica no contexto jornalístico é a informatividade, estará o nosso leitor preparado para tamanho linguajar tecnicista e, quiçá, opulento? Se neste exercício, furtamo-nos da necessidade de situar o leitor relativamente ao estágio e âmbito das abordagens sobre o tópico em causa, estaríamos a ser suficientemente honestos? Ou, se calhar e sem perceber, estejamos a enfrentar o dilema descrito por Schopenhauer no seu “a arte de escrever”?

Para este filósofo alemão, “quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar”, (p. 60).

Leio, com alguma regularidade, os nossos textos a respeito dos livros dos nossos confrades escritores ou da cena literária no seu todo e o que me ocorre é mesmo isto: a gente até tenta, mas está difícil, senhor Professor.


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