Para
a materialização dos objectivos preconizados nesta pesquisa, ancoramo-nos nas
abordagens de Adam (1986); Maingueneau (2004); Silva (2012); Lopes &
Carapinha (2013); Lima (2017); Travaglia (2018) e Mauai (2021).
Do
ponto de vista estrutural, a pesquisa compreende: as considerações iniciais nas
quais fazemos a antevisão dos conteúdos abordados ao longo do trabalho, bem
como a linha de abordagem adoptada; o referencial teórico que descreve os
conceitos-chave da pesquisa, a saber: texto, textualidade, género, formação
sóciodiscursiva, tipologia textual, sequência textual e mecanismos de coesão e
dimensões da coerência; a análise do produto verbal seleccionado com base na
perspectiva teórica adoptada e, finalmente, as considerações finais que
apresentam, de forma sucinta, as ilações decorrentes da pesquisa feita.
Para
a condução desta pesquisa, recorreu-se à pesquisa bibliográfica, que consistiu
em fazer um embasamento teórico que sustentasse a nossas ilações a respeito do
produto verbal seleccionado. Outrossim, no que concerne a este produto verbal,
cabe referir que procedemos uma pesquisa fundamentalmente documental.
Bases Conceptuais
Reflectir sobre um texto,
nos dias de hoje, invoca a necessidade de o pesquisador se situar relativamente
à perspectiva que pretende abordar no seu estudo. Esta constatação emerge do
facto de o texto, ou outros aspectos a ele relacionados, situar-se num “campo
de partilha” de saberes, perspectivas e fundamentos teóricos.
É por esta via que, nesta
etapa de consecução do nosso objectivo, ponderamos a necessidade de buscar
bases teórico-práticas que sustentem toda e qualquer abordagem a ser feita
sobre o produto verbal por nós seleccionado. Cientes de que os produtos verbais
estão ancorados a um tipo de texto e a um género que, por sua vez, pode ancorar
diversas sequências textuais, Cf. Adam (2001) cit. em Silva
(2012), compete-nos fazer uma
abordagem teórica prévia a respeito desses conceitos, antes de analisar a sua
ocorrência em “A Busca de um Sonho”.
Outro aspecto relevante a
ser tratado é relativo às propriedades da textualidade. Dito de outro modo,
importa discorrer sobre elementos que permitem aos falantes de uma língua
atribuir a designação de texto a um produto verbal. É nesta abordagem que nos
iremos situar relativamente à abordagem dos mecanismos de coesão e coerência.
Texto, Género, Sequências
Textuais e Formação Sociodiscursiva
Tal como referimos acima,
o texto pode ser assumido em diversas perspectivas. Dentre as existentes,
destacamos a da Semiótica Discursiva, da Análise do Discurso e da Linguística
Textual.
Os estudos da Semiótica
Discursiva assumem “o texto como tudo aquilo que é passível de produzir sentido. Dessa
forma, o design de um prédio, na arquitetura, pode ser lido como um texto”
(Lima, 2017, p. 13).
A assunção do texto nesta perspectiva remete-nos a signos que
estão além dos objectivos desta pesquisa, se considerarmos que o tipo de texto,
o género, as sequências textuais, os mecanismos de coesão e coerência textual
implicam uma conectividade sequencial numa unidade linguística, que não pode
ser encontrada num objecto semiótico como o design
de um prédio. Portanto, esta base conceptual faz com que a perspectiva da
Semiótica Discursiva não seja consentânea com o nosso propósito.
De acordo com a autora (op. cit.), na Análise do Discurso de linha
francesa, conhecida como AD, o texto exerce a função de interacção entre os
seres humanos, sendo responsável por criar o sentido, por meio das formações
discursivas a ele subjacentes, (p. 13). O que se observa nesta perspectiva é
que ela assume os interactantes como foco de abordagem, o que no contexto desta
pesquisa poderá ser, sorrateiramente, invocado no domínio da coerência
pragmática e da abordagem relativa ao tipo de discurso.
Por seu turno, a Linguística Textual assume o conceito de texto como
um evento comunicativo, com a ocorrência de operações linguísticas, sociais e
cognitivas, (Lima, 2017, p. 13).
É nesta última abordagem
que o trabalho se insere ao assumir o texto como
fragmento verbal
intencionalmente produzido por um sujeito ancorado num tempo e num espaço
específicos, e dirigido a uma instância de alteridade que de raiz desempenha um
papel decisivamente interventor na sua génese e configuração, um texto/discurso
não se define pela sua extensão, mas antes pela sua unidade semântica e
relevância pragmática. (Lopes e Carapinha, 2013,
p. 14)
Ao
assumir o texto neste viés, qualquer abordagem em LT deverá assumir que o mesmo
não surge numa circunstância independente da relação emissor, receptor, canal,
código, mensagem e contexto, se quisermos recordar o esquema de comunicação de
Roman Jackobson. Assim, a nossa abordagem sobre “A Busca de um Sonho” (produto
verbal em que a nossa análise se baseia) tem que ver com “a explicação dos
diferentes modos de composição e sequencialização textual”, (Silva, 2012, p.
121). De acordo com este autor,
os investigadores que se situam nesta área
procuram descrever de que maneiras os locutores distribuem e interligam um
conjunto de frases enunciadas para lhes conferir coesão e coerência, fazendo
com que, dessa forma, o produto final (o texto) seja reconhecido como um todo
de significado.
Neste
contexto, se assumirmos que o texto é o produto verbal (material e/ou final)
que surge da interacção entre locutores imbuídos em contextos diversos, cabe
referir que este emana o género. Em outras palavras, o texto só poderá surgir
na esfera de um dado género. Este, por sua vez, poderá surgir na esfera de uma Formação
Sociodiscursiva. Esta assunção inferencial surge das abordagens de Maingueneau
(2004), Silva (2012) e Travaglia (2018).
Travaglia
(2018) refere que
os gêneros são a natureza das categorias
de texto que efetivamente existem e circulam nas sociedades e culturas, pois os
tipos, os subtipos e as espécies compõem os gêneros e só aparecem neles. O
número de gêneros é sempre muito grande e alguns estudiosos dizem mesmo que são
inumeráveis. (p. 135)
Por
seu turno, Maingueneau (2004)
os géneros designam dispositivos de
comunicação que só podem aparecer quando certas condições sócio-históricas
estão presentes. O género do relatório de estágio, por exemplo, supõe a
existência de empresas e de estudantes que buscam experiência profissional, de
professores para aplicar e avaliar as tarefas escritas e, acima de tudo, de
todo um sistema de ensino aberto ao mundo do trabalho. (p. 61)
Desta
forma, recuperamos a nossa colocação segundo a qual o texto surge do Género e
este de uma Formação Sóciodiscursiva. Se atentarmos ao endosso que Maingueneau
(2004) faz através do contexto em que surge um relatório de estágio, podemos,
igualmente, encontrar sustento para a visão de Silva (2012), segundo a qual o
conceito de Formação Sociodiscursiva designa
um conjunto de locutores integrados numa
mesma área socioprofissional, na qual a produção de textos é simultaneamente
uma atividade com relevância sociocultural (na comunidade em que a formação
discursiva está inserida) e uma propriedade que os identifica e os distingue de
outras comunidades discursivas (Silva, 2012, p. 55).
Em
linhas gerais, a abordagem do texto no âmbito da LT surge ancorada a estes
conceitos que, embora não vinculem uma relação hierárquica, permitem uma
abordagem holística e aprofundada de produtos verbais que circulam em diversas
esferas, mesmo as que ainda mereceram a atenção da comunidade académica. Por
outro lado, conforme refere Maingueneau (2004) estas colocações norteiam a
classificação dos géneros de discurso em função da área de actividade em que os
mesmos estão inseridos. Deste modo, surge, por exemplo: o discurso científico, o
discurso religioso, o discurso político, o discurso jornalístico, etc. De uma
forma ou de outra, conforme acresce Travaglia (2018), os textos emergem e se
enquadram em diferentes contextos de comunicação em que as acções socialmente
impostas são tipificadas e, por via disso, os textos são, igualmente, sujeitos
à mesma tipificação. É neste contexto em que surgem os conceitos de Tipos e
Sequências Textuais.
Tipologia e Sequência
Textual
Os
conceitos de Tipologia e Sequência Textual surgem embasados em concepções da
unidade semiótica que o texto vincula. Em síntese, o conceito de Tipologia
surge de uma perspectiva em que se assume o texto como unidade homogénea que é
determinada por uma intenção comunicativa, um contexto comunicacional e o papel
socioprofissional. Nesta base de ideias, surgiram as abordagens de Werlich, do
Dicionário Terminológico cit. em Silva (2012) e de Travaglia (2018).
Segundo
Silva (2012), “a diferença entre tipologia em tipos de texto e tipologias em
sequências textuais resulta do facto de a tipologia em textos se aplicar
necessariamente a textos completos, enquanto a tipologia em sequências textuais
é aplicável quer a textos completos” (p. 114). Nesta ordem de ideias, as
sequências textuais configuram uma abordagem heterogénea do texto, reenviando
as percepções para um sentido em que qualquer produto verbal é assumido como
sendo permeado de diversas formas de enunciação.
Conforme
foi referido nas considerações iniciais, no domínio dos tipos de texto, a
presente pesquisa orienta-se pela abordagem do Dicionário Terminológico cit. em
Silva (2012) e, no que às sequências textuais diz respeito, a mesma baseia-se
em Adam (1992 e 2005) cit. em Silva (2012).
De
acordo com o autor (op. cit, p. 116-117), a classificação textual que é
proposta no Dicionário Terminológico prevê os seguintes tipos:
Textos conversacionais:
qualquer diálogo entre duas ou mais pessoas constitui um texto conversacional;
Textos narrativos:
os textos que se inserem neste tipo incluem eventos protagonizados por uma
entidade (ou mais do que uma) e que se dão num dado período de tempo;
Textos descritivos:
exemplos de textos deste tipo são aqueles em se esboça o retrato físico de uma
pessoa;
Textos expositivos: decorrem
dos processos cognitivos de análise e síntese de representações conceptuais;
neste tipo integram-se, por exemplo, textos de natureza didática;
Textos argumentativos:
centram-se nos processos cognitivos de avaliação e de tomada de posição do
locutor;
Textos instrucionais ou
diretivos: relacionam-se com a antevisão de
comportamentos futuros, e a estruturação textual traduz-se numa planificação
que inclui a ordenação cronológica de eventos;
Textos preditivos:
incluem géneros de textos como horóscopo e a profecia, em cujos exemplares são
previstos comportamentos ou acontecimentos futuros relativamente ao momento em
que os textos são produzidos;
Textos literários:
são associados a uma semântica fundada na representação de mundos imaginários,
com a utilização estética, retórica e não raro lúdica dos recursos da linguagem
verbal, e com uma pragmática específica;
Tal
como referimos acima, Adam (2001) cit. em Silva (2012) “considera que a mera
ideia de se conceber classificações em tipos de textos configura um erro
epistemológico e metodológico”, (p. 119). Assim sendo,
através desta constatação – a de que
textos se caracterizam geralmente pela heterogeneidade composicional quanto aos
tipos de segmentos textuais que incluem – Adam propôs uma tipologia que
incidisse não sobre a totalidade de extensão, mas [grifo nosso], especialmente, em termos de complexidade
composicional: as sequências textuais.
Quanto às sequências textuais, o
autor postula 5 tipos, a saber:
a)
Sequências narrativas;
b)
Sequências descritivas;
c)
Sequências
argumentativas;
d)
Sequências explicativas
(ou expositivas);
e)
Sequências dialogais.
Vinculado na perpectiva de Adam,
Silva (2012) acresce que os textos podem ser (1) unissequenciais: quando
apresentam um único tipo de sequência textual; (2) plurissequenciais: podendo
apresentar sequências do mesmo tipo ou sequências diferentes.
Em circunstâncias em que o texto
apresenta sequências diferentes, a sequência dominante é definida em função (1)
da sequência que abre e encerra o texto; (2) da sequência mais extensa; (3) da
sequência através da qual o texto pode ser resumido.
Mecanismos de Coesão e
Coerência Textual
A abordagem sobre o texto
no domínio do tipo de discurso, da natureza do género, do tipo de sequências
textuais que nele se inscrevem, completa-se se tivermos em conta que existem
determinados parâmetros que norteiam a designação de texto numa determinada
formação sóciodiscursiva.
É neste contexto que
surge a necessidade de discorrer sobre os parâmetros da textualidade na
perspectiva de Lopes & Carapinha (2013, pp. 14-22). De acordo com as
autoras, para que um produto verbal seja considerado texto, é preciso que se
parta dos seguintes pressupostos:
Intencionalidade: prende-se com o facto de qualquer texto é o resultado de uma
intenção cognitivamente configurada e verbalmente expressa por um locutor;
Aceitabilidade: refere a atitude do interlocutor, disponível para aceitar um
produto verbal que lhe é dirigido, encetando os esforços necessários para o
interpretar e avaliando-o como uma entidade significativa;
Situacionalidade: refere o grau de adequação de um texto ao seu contexto de uso.
Para que um texto se torne relevante numa determinada situação, é necessário
que estejam salvaguardadas diversas condições, nomeadamente, os papéis
internacionais (discursivo-sociais) dos interlocutores, o tema, o modo de
comunicação, etc.
Intertextualidade: designa a
relação de proximidade de ordem retórico-estilística e de ordem semântica que
um texto mantém com outros textos;
Informatividade: parte do pressuposto de que qualquer texto é portador de um
conjunto maior ou menor de informações;
Coesão: diz respeito à tessitura semântica que um conjunto de mecanismos
formais permitem construir;
Coerência diz respeito ao mundo recriado no texto, à sua “verosimilhança
semântico-referencial”.
Nesta ordem de ideias e
para o contexto desta pesquisa, situamos a nossa abordagem nos fundamentos de Haliday
e Hasan (1976) e Mauai (2021).
Na ópica de Haliday e
Hasan (1976), as dimensões da coesão são as seguintes:
1.
Coesão
Gramatical
1.1.Coesão gramatical por
referência exofórica: quando um elemento
linguístico em um texto faz referência a algo fora do próprio texto, muitas
vezes dependendo do contexto ou do conhecimento compartilhado entre o emissor e
o receptor da mensagem;
1.2.Coesão gramatical por
referência endofórica (anáfora e catáfora):
quando um elemento linguístico em um texto faz referência a algo já mencionado
(anáfora) ou que será mencionado
posteriormente no mesmo texto (catáfora);
1.3.Coesão gramatical por
substituição: uso de elementos linguísticos para
substituir outros elementos do texto. Ex: “a
ideia” = “esta”;
1.4.Coesão gramatical por
elipse: omissão de um termo que já foi mencionado
anteriormente e que pode ser recuperado no contexto;
1.5.Coesão gramatical por
conjunção: uso de conjunções e locuções para
estabelecer relações lógicas entre as partes do texto.
2.
Coesão
Lexical
2.1.Coesão lexical por reiteração:
repetição de elementos linguísticos (palavras, frases ou conceitos) ao longo de
um texto com o objectivo de enfatizar, reforçar ou manter a coesão.
2.2.Coesão lexical por substituição:
uso de elementos linguísticos (sinónimos, hiperónimos/ hipónimos,
holónimos/merónimos para substituir outros mencionados anteriormente no texto;
Relativamente às Dimensões da coerência, Mauai (2021) refere que
podemos identificar quatro dimensões, a saber:
1. Coerência referencial:
quando a referência a entidades, objectos ou conceitos é feita de maneira
precisa e compreensível através de expressões anafóricas ou catafóricas,
estabelecendo uma conexão lógica entre as partes do texto;
2. Coerência semântica:
designa a relação de significado entre diferentes partes do texto. Ela envolve
a maneira como palavras, expressões ou estruturas linguísticas em um texto se
relacionam semanticamente, contribuindo para a compreensão global do
significado;
3. Coerência genérica:
designa a consistência e clareza na selecção da estrutura, linguagem e propósito
adequados ao género escolhido;
4. Coerência pragmática:
refere-se à consistência e eficácia na comunicação, levando em consideração o
contexto, as intenções do emissor e as inferências feitas pelo receptor.
Envolve o uso apropriado da linguagem de acordo com as normas sociais e as
espectativas comunicativas para atingir os objectivos comunicativos de forma
eficaz.
Análise
do Tipo de Texto, do Género e das Sequências Textuais em “A Busca de um Sonho”
de Andes Chivangue
De
forma sucinta, o nosso propósito nesta abordagem do texto “A Busca de um Sonho”
situa-se nos moldes resumidos na tabela abaixo.
Parâmetros |
Classificação |
|
Tipo
de Discurso |
Literário |
|
Género
Discursivo |
Conto |
|
Tipo de Sequência Textual Actualizado
|
Plurissenquencial |
1ª
Narrativa |
2ª
Dialogal |
||
3ª
Narrativa |
||
4ª
Descritiva |
||
5ª
Narrativa |
||
6ª
Dialogal |
||
7ª
Narrativa |
||
8ª
Dialogal |
||
9ª
Narrativa |
||
10ª
Dialogal |
Tipo de Discurso e Género
Discursivo
Recuperando a proposição
de Maingueneau (2004) segundo a qual o género imana dispositivos de comunicação
que aparecem em determinadas condições sócio-históricas que, em si, configuram
contextos socioprofissionais, a classificação de “A Busca de um Sonho” como conto
assenta no facto de ser um texto que foi produzido por uma entidade “no
desenvolvimento de uma actividade socioprofissional específica: a literatura.”
(Silva, 2012, p. 119)
Por
este motivo, o autor advoga que os textos literários devam ser integrados numa
classificação em tipos de discurso (o discurso literário) e não numa tipologia
em tipos de textos. É este o argumento que sustenta a nossa classificação de “A
Busca de um Sonho” como sendo um texto do discurso literário, corroborando,
igualmente, com Silva (2015, p. 33).
Tipo de Sequência Textual
Actualizado
Conforme
atesta a tabela acima, o tipo de Sequência Textual actualizado em “A Busca de
um Sonho” é do tipo plurissequencial, porque encontramos três das cinco
sequências abordadas por Adam (2001). Estas co-ocorrem e se intercalam no
desenrolar do texto.
Na sua estrutura profunda, é um texto literário (narrativo) do
género conto. No entanto, o mesmo é composto por sequências textuais
maioritariamente dialogais e narrativas, havendo, o registo de uma sequência
descritiva que, tradicionalmente, caracteriza o conto, à semelhança das
primeiras.
Em
primeiro lugar, encontramos uma sequência
narrativa no seguinte enunciado:
Fazia algum tempo que o rapaz alimentava
aquele sonho: conhecer a América. Este desejo veio-lhe à cabeça quando, na
catequese, o padre Malheiros falou do Pastor Martin Luther King e sua Fé.
Quando contou ao pai, este riu-se a gozá-lo.
Em
segundo lugar encontramos uma sequência
dialogal em:
Se algum dia quiseres ser um grande
viajante, estuda, meu filho. Doutra forma não arredarás o pé desta terra.
Seguidamente,
após uma sequência narrativa (curta) encontramos uma sequência descritiva num
contexto em que após uma narração do que se estava a passar com o menino que é o
mote do texto. A mesma aparece para fazer uma caracterização física e
psicológica, dando informações que o leitor não poderia buscar nas outras
sequências textuais.
Protegido pela sombra de uma acácia,
sentado na lama seca, a chapinhar os pés na água enquanto espreita o anzol de
quando em vez, visualizava o pastor King a pregar o evangelho entre prédios e
carros. Ao longe, numa outra sombra, dois velhos barbeiros queimavam o tempo
falando das inúmeras missas que realizaram a pedir sorte e protecção aos
espíritos, mas sem resultado.
Diante
deste quadro físico-psicológico que se nos apresenta, surge, no domínio do
mesmo texto, uma sequência narrativa para retomar o fim máximo deste tipo de
sequência que é o de retratar eventos ocorridos num tempo relativamente
anterior ao evento enunciativo.
O rapaz não ouvia nada do que do outro
lado se dizia. Divagava, pensando na melhor forma de conhecer a terra do pastor
King. Ficou sentado naquele lugar durante muito tempo e o primeiro isco ainda
não tinha sido tentado pelos peixes. Puxou bruscamente a cana, recolheu as
latinhas com minhocas, levantou-se e seguiu em direcção à sombra dos velhos.
Logo
a seguir a este registo, regista-se uma sequência dialogal, iniciando uma
permuta de sequências, entre dialogais e narrativas, conforme podemos observar
abaixo:
- Pescaste alguma coisa, miúdo?
Perguntou o dos óculos com fundo de
garrafa.
- Não, avó, não consegui nada.
- Vês, até os rios nos negam o que comer.
Sequência
narrativa
Numa manhã, a caminho da pesca, ouviu o apito do comboio que chegava. Largou a correr para a estação e quedou-se a ver os pass
|
ageiros descerem para urinar ou
comprar coisas. Já no momento da partida, lágrimas insinuaram-se nos seus
olhos.
Sequência dialogal
- Voltaste, meu neto. És
mesmo tu? E eu que duvidei da tua palavra...
Sequência
narrativa
O rapaz, de tanta estupefacção, não
conseguiu dizer nada. Mas, estranhamente, no fundo do seu peito, ardia-lhe a
certeza de que aquela velha o levaria à América dos seus sonhos. Sorriu para
ela e disse:
Sequência dialogal
- Sim avó, voltei.
Cabe,
contudo, referir que na transição entre as sequências
dialogal-narrativa-dialogal, o texto apresenta-nos um diálogo inicial que é
interrompido por uma narração que esclarece o âmbito em que o diálogo se
inscreve. Após essa contextualização, o texto se encerra com a continuação do
diálogo ora iniciado.
Em
linhas gerais, num contexto em que, no texto, ocorrem três sequências
diferentes, o facto de a sequência narrativa ser a que a partir da qual o mesmo
pode ser resumido na sua generalidade, permite-nos defini-la como sendo a
dominante em todo universo textual.
Análise dos mecanismos de coesão em “A Busca de um Sonho”
Coesão gramatical
a) Referência exofórica
Considerando
que este mecanismo de coesão se materializa através da referência a algo fora
do próprio texto, podemos notar a sua ocorrência logo no primeiro parágrafo:
Fazia algum tempo que o rapaz
alimentava aquele sonho: conhecer a América. Este desejo veio-lhe à cabeça
quando, na catequese, o padre
Malheiros falou do Pastor Martin Luther
King e sua Fé.
No
excerto acima, ocorrem várias expressões linguísticas que desencadeiam a
referência exofórica. Para efeitos de análise, destacamos os referentes
“catequese” e “Pastor Martin Luther King” por configurarem um conhecimento,
quiçá, partilhado entre o autor do texto e o leitor. Este exercício de busca da
memória enciclopédica ocorre fora do universo textual.
b)
Referência endofórica (anáfora e catáfora)
Contrariamente ao
primeiro mecanismo de coesão, a referência endofórica inscreve-se dentro do
mesmo universo textual. Assim, ao retomar termos já referidos (anáfora), ou,
através de expressões linguísticas, antecipar algo que ainda está por ser dito
(catáfora), desencadeia-se uma continuidade lógico-semântica necessária para a
compreensão do texto.
Este mecanismo é
observado no excerto abaixo, em que o termo anafórico “este desejo” retoma um
dado já referido que é “conhecer américa”. No mesmo excerto, encontramos o
termo anafórico “lhe”, pronome clítico que ocorre com o verbo “vir”, retomando
o termo “rapaz”.
Fazia algum tempo que o rapaz alimentava aquele
sonho: conhecer a América. Este desejo veio-lhe à cabeça.
No
que concerne à catáfora, podemos notar a sua ocorrência no excerto acima, entre
as expressões linguísticas “sonho” “conhecer América”, em que o segundo é
antecipado pelo primeiro. Podemos, igualmente, registar a ocorrência deste
mecanismo no excerto abaixo, entre as expressões linguísticas destacadas, em
que a expressão “este” antecipa a oração “sonham com que não podem”.
Metem-lhes sujidade na cabeça e o resultado é este. Sonham com o que não
podem.
c)
Substituição
Este mecanismo ocorre através do uso de elementos
linguísticos para substituir os que tiverem sido mencionados no texto, conforme
podemos notar pela substituição da expressão linguística “rapaz” pelo pronome
clítico “o” que ocorre no verbo “julgar” conjugado na terceira pessoa do
pretérito perfeito do indicativo.
O fiscal, vendo o
rapaz em pranto, julgou-o fazer
parte dos viajantes.
d)
Elipse
No
excerto abaixo, percebe-se que houve omissão de um termo linguístico
anteriormente mencionado. De modo a evitar a repetição da expressão linguística
“a velha”, o articulista optou pela supressão do sujeito, podendo-se, portanto,
recuperar o sentido do enunciado através do contexto em que o mesmo se insere.
A velha apalpou-o
incrédula. […] Tocou na mão do moço
desatando a chorar de felicidade.
e)
Conjunção
Este mecanismo ocorre por
meio de conjunções e locuções, que estabelecem relações lógicas. Estas relações
podem ser de adição, oposição, explicação, causa-efeito, etc. No caso do
excerto abaixo, notamos que ocorre uma conjunção adversativa que gera uma relação
de oposição entre dois enunciados.
O rapaz, de
tanta estupefacção, não conseguiu dizer nada. Mas, estranhamente, no fundo do seu peito, ardia-lhe a certeza de
que aquela velha o levaria à América dos seus sonhos.
Coesão lexical
a)
Substituição
A coesão lexical por substituição pode ocorrer através do
uso de elementos linguísticos (sinónimos, hiperónimos/hipónimos,
holónimos/merónimos) para substituir outros mencionados anteriormente no texto.
No caso do excerto abaixo, a coesão lexical ocorre por meio de sinonímia. A
substituição do substantivo comum “rapaz” por outra expressão da mesma classe e
igual valor semântico “garroto” revela a ocorrência deste mecanismo de coesão
em “A Busca de um Sonho”.
Cansado de pensar, o rapaz decidiu ir ter com o padre.
O garroto saiu
desolado, jurando nunca mais ir à Igreja.
b)
Reiteração
Ao contrário da substituição, a reiteração prende-se
com a repetição de elementos linguísticos ao longo do mesmo enunciado. Assim,
através da repetição da expressão linguística “comboio” no excerto abaixo,
desencadeia-se uma continuidade sequencial.
Numa manhã, a caminho da pesca, ouviu o apito do comboio que chegava. Largou a correr para a estação e quedou-se a ver os pass
|
ageiros
descerem para urinar ou comprar coisas. Já no momento da partida, lágrimas
insinuaram-se nos seus olhos. O comboio
arrancava na sua característica lentidão.
Análise das dimensões da coerência em
“A Busca de um Sonho”
a)
Coerência referencial
Este domínio da coerência
é estabelecido através de expressões anafóricas ou catafóricas que, além de
garantir a coesão textual, contribuem para a manutenção do sentido na esfera
textual. Podemos notar este aspecto no excerto abaixo através dos termos
destacados em que encontramos o sintagma nominal “o rapaz” ser retomado por
pronomes clíticos que ocorrem nos verbos “arrastar e fazer”. No mesmo excerto,
encontramos o substantivo “comboio”, a ser retomado pelo pronome demostrativo “este”.
O rapaz ainda tentou explicar o equívoco mas o
fiscal arrastou-o pelo braço e fê-lo subir para o comboio. Este
encontrava-se cheio de mineiros que voltavam ao labor nas minas da África do
Sul.
b)
Coerência semântica
A compreensão global de
um texto é garantida através do encadeamento dos elementos linguísticos que o
constituem. Assim, no produto verbal em análise, este encadeamento revela-se
através das sequências textuais nele presentes que se intercalam e geram uma
unidade de sentido homogénea.
A partir do momento em
que se revela o sonho do menino até à circunstância furtuita em que embarca num
comboio e encontra uma idosa que, na sua óptica, poderia responder ao seu
anseio, notamos que o articulista gera um efeito de continuidade de sentido em
todo o texto.
c)
Coerência genérica
Tradicionalmente, o conto
é um género que se baseia em factos reais ou fictícios para representar
fenómenos de uma forma lúdica e reflectiva, com uma acção e um só enredo, com
delimitação estática de tempo, espaço e personagens.
Nesta ordem de ideias,
julgamos que haja coerência genérica em “A Busca de um Sonho” na medida em que
o desenrolar das sequências textuais anteriormente analisadas, revela este
encadeamento entre o género em que o texto se insere e o próprio plano de texto
possível de identificar na sua micro e macro-estrutura.
d)
Coerência pragmática
Nesta dimensão da
coerência, considera-se a consistência e eficácia na comunicação, levando em
consideração o contexto, as intenções do emissor e as inferências feitas pelo
receptor. Assim, considerando as ilações feitas do ponto de vista da coerência
genérica, podemos inferir que, do ponto de vista pragmático, o texto é
coerente.
Considerações Finais
O texto é, por
excelência, um espaço de convergência teórica de vários campos de estudo.
Dir-se-ia, com alguma certeza, que se trata de um ponto de chegada de várias
perspectivas teóricas e, também, de partida de outras. É este raciocínio
basilar que torna o campo da Linguística Textual importante para a compreensão
do textual do ponto de vista composicional e semântico-pragmático.
Desta forma, ao
analisarmos um produto verbal concreto e dele extrairmos aspectos relativos ao
tipo de texto, ao género, às sequências textuais e aos mecanismos de coesão e
coerência textual, contribuímos para a materialização de perspectivas
desenvolvidas em contextos teórico-reflexivos.
Relativamente ao texto
que serve de base de análise na presente pesquisa, importa referir que “A Busca
de um Sonho” apresenta uma sequência textual plurissequencial homogénea
ancorada no discurso literário. Esta ilação permite-nos concluir que os géneros
emergem e se consagram em formações sóciodiscursivas específicas, mas a
abordagem reflexiva possível de fazer a seu respeito apresenta o mesmo
denominador comum: a textualidade.
Ainda a este respeito, cabe-nos
referir que a sua escolha não foi aleatória, mas cingida no facto de a mesma
fazer parte da literatura moçambicana contemporânea. Portanto, fazer uma
abordagem crítica destes textos ancorada na Linguística Textual vincula a
possibilidade de destacar os contributos valiosos que este campo de estudos
pode facultar aos estudos literários (Cf. Silva, 2015). É, por isso, que
procuramos instigar esta dimensão transdisciplinar a respeito do texto.
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