quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Análise do Tipo de Texto, do Género, das Sequências Textuais e dos Mecanismos de Coesão e Coerência em “A Busca de um Sonho” de Andes Chivangue”

A abordagem do texto ancorada no tipo de texto, no género, nas sequências e nos mecanismos de coesão e coerência, enquadra-se na Linguística Textual, um campo de saber que, dentre tantos aspectos, se preocupa com a explicação de diferentes modos de composição e sequencialização textual. No caso concreto desta pesquisa, o nosso objectivo geral é de reflectir a respeito dos tipos de textos, de géneros, de sequências textuais e dos mecanismos de coesão e coerência em “A Busca de um Sonho” de Andes Chivangue. De forma específica, a pesquisa visa (1) descrever os conceitos de tipo textual, género e sequência textual na óptica de Adam (2001) cit. em Silva (2012), Maingueneau (2004) & Travaglia (2018); (2) caracterizar os mecanismos de coesão e coerência textual na perspectiva de Adam (1986) e Mauai (2021); (3) analisar o tipo de texto, género, sequência textual e os mecanismos de coesão e coerência textual no produto verbal seleccionado e, por fim, (4) descrever a forma como estes elementos constitutivos se relacionam para formar uma unidade de sentido: o texto.

Para a materialização dos objectivos preconizados nesta pesquisa, ancoramo-nos nas abordagens de Adam (1986); Maingueneau (2004); Silva (2012); Lopes & Carapinha (2013); Lima (2017); Travaglia (2018) e Mauai (2021).

Do ponto de vista estrutural, a pesquisa compreende: as considerações iniciais nas quais fazemos a antevisão dos conteúdos abordados ao longo do trabalho, bem como a linha de abordagem adoptada; o referencial teórico que descreve os conceitos-chave da pesquisa, a saber: texto, textualidade, género, formação sóciodiscursiva, tipologia textual, sequência textual e mecanismos de coesão e dimensões da coerência; a análise do produto verbal seleccionado com base na perspectiva teórica adoptada e, finalmente, as considerações finais que apresentam, de forma sucinta, as ilações decorrentes da pesquisa feita.

Para a condução desta pesquisa, recorreu-se à pesquisa bibliográfica, que consistiu em fazer um embasamento teórico que sustentasse a nossas ilações a respeito do produto verbal seleccionado. Outrossim, no que concerne a este produto verbal, cabe referir que procedemos uma pesquisa fundamentalmente documental.

Bases Conceptuais

Reflectir sobre um texto, nos dias de hoje, invoca a necessidade de o pesquisador se situar relativamente à perspectiva que pretende abordar no seu estudo. Esta constatação emerge do facto de o texto, ou outros aspectos a ele relacionados, situar-se num “campo de partilha” de saberes, perspectivas e fundamentos teóricos.

É por esta via que, nesta etapa de consecução do nosso objectivo, ponderamos a necessidade de buscar bases teórico-práticas que sustentem toda e qualquer abordagem a ser feita sobre o produto verbal por nós seleccionado. Cientes de que os produtos verbais estão ancorados a um tipo de texto e a um género que, por sua vez, pode ancorar diversas sequências textuais, Cf. Adam (2001) cit. em Silva (2012), compete-nos fazer uma abordagem teórica prévia a respeito desses conceitos, antes de analisar a sua ocorrência em “A Busca de um Sonho”.

Outro aspecto relevante a ser tratado é relativo às propriedades da textualidade. Dito de outro modo, importa discorrer sobre elementos que permitem aos falantes de uma língua atribuir a designação de texto a um produto verbal. É nesta abordagem que nos iremos situar relativamente à abordagem dos mecanismos de coesão e coerência.

Texto, Género, Sequências Textuais e Formação Sociodiscursiva

Tal como referimos acima, o texto pode ser assumido em diversas perspectivas. Dentre as existentes, destacamos a da Semiótica Discursiva, da Análise do Discurso e da Linguística Textual.

Os estudos da Semiótica Discursiva assumem “o texto como tudo aquilo que é passível de produzir sentido. Dessa forma, o design de um prédio, na arquitetura, pode ser lido como um texto” (Lima, 2017, p. 13).

A assunção do texto nesta perspectiva remete-nos a signos que estão além dos objectivos desta pesquisa, se considerarmos que o tipo de texto, o género, as sequências textuais, os mecanismos de coesão e coerência textual implicam uma conectividade sequencial numa unidade linguística, que não pode ser encontrada num objecto semiótico como o design de um prédio. Portanto, esta base conceptual faz com que a perspectiva da Semiótica Discursiva não seja consentânea com o nosso propósito.

De acordo com a autora (op. cit.), na Análise do Discurso de linha francesa, conhecida como AD, o texto exerce a função de interacção entre os seres humanos, sendo responsável por criar o sentido, por meio das formações discursivas a ele subjacentes, (p. 13). O que se observa nesta perspectiva é que ela assume os interactantes como foco de abordagem, o que no contexto desta pesquisa poderá ser, sorrateiramente, invocado no domínio da coerência pragmática e da abordagem relativa ao tipo de discurso.

Por seu turno, a Linguística Textual assume o conceito de texto como um evento comunicativo, com a ocorrência de operações linguísticas, sociais e cognitivas, (Lima, 2017, p. 13).

É nesta última abordagem que o trabalho se insere ao assumir o texto como

fragmento verbal intencionalmente produzido por um sujeito ancorado num tempo e num espaço específicos, e dirigido a uma instância de alteridade que de raiz desempenha um papel decisivamente interventor na sua génese e configuração, um texto/discurso não se define pela sua extensão, mas antes pela sua unidade semântica e relevância pragmática. (Lopes e Carapinha, 2013, p. 14)

Ao assumir o texto neste viés, qualquer abordagem em LT deverá assumir que o mesmo não surge numa circunstância independente da relação emissor, receptor, canal, código, mensagem e contexto, se quisermos recordar o esquema de comunicação de Roman Jackobson. Assim, a nossa abordagem sobre “A Busca de um Sonho” (produto verbal em que a nossa análise se baseia) tem que ver com “a explicação dos diferentes modos de composição e sequencialização textual”, (Silva, 2012, p. 121). De acordo com este autor,

os investigadores que se situam nesta área procuram descrever de que maneiras os locutores distribuem e interligam um conjunto de frases enunciadas para lhes conferir coesão e coerência, fazendo com que, dessa forma, o produto final (o texto) seja reconhecido como um todo de significado.

Neste contexto, se assumirmos que o texto é o produto verbal (material e/ou final) que surge da interacção entre locutores imbuídos em contextos diversos, cabe referir que este emana o género. Em outras palavras, o texto só poderá surgir na esfera de um dado género. Este, por sua vez, poderá surgir na esfera de uma Formação Sociodiscursiva. Esta assunção inferencial surge das abordagens de Maingueneau (2004), Silva (2012) e Travaglia (2018).

Travaglia (2018) refere que

os gêneros são a natureza das categorias de texto que efetivamente existem e circulam nas sociedades e culturas, pois os tipos, os subtipos e as espécies compõem os gêneros e só aparecem neles. O número de gêneros é sempre muito grande e alguns estudiosos dizem mesmo que são inumeráveis. (p. 135)

Por seu turno, Maingueneau (2004)

os géneros designam dispositivos de comunicação que só podem aparecer quando certas condições sócio-históricas estão presentes. O género do relatório de estágio, por exemplo, supõe a existência de empresas e de estudantes que buscam experiência profissional, de professores para aplicar e avaliar as tarefas escritas e, acima de tudo, de todo um sistema de ensino aberto ao mundo do trabalho. (p. 61)

Desta forma, recuperamos a nossa colocação segundo a qual o texto surge do Género e este de uma Formação Sóciodiscursiva. Se atentarmos ao endosso que Maingueneau (2004) faz através do contexto em que surge um relatório de estágio, podemos, igualmente, encontrar sustento para a visão de Silva (2012), segundo a qual o conceito de Formação Sociodiscursiva designa

um conjunto de locutores integrados numa mesma área socioprofissional, na qual a produção de textos é simultaneamente uma atividade com relevância sociocultural (na comunidade em que a formação discursiva está inserida) e uma propriedade que os identifica e os distingue de outras comunidades discursivas (Silva, 2012, p. 55).

Em linhas gerais, a abordagem do texto no âmbito da LT surge ancorada a estes conceitos que, embora não vinculem uma relação hierárquica, permitem uma abordagem holística e aprofundada de produtos verbais que circulam em diversas esferas, mesmo as que ainda mereceram a atenção da comunidade académica. Por outro lado, conforme refere Maingueneau (2004) estas colocações norteiam a classificação dos géneros de discurso em função da área de actividade em que os mesmos estão inseridos. Deste modo, surge, por exemplo: o discurso científico, o discurso religioso, o discurso político, o discurso jornalístico, etc. De uma forma ou de outra, conforme acresce Travaglia (2018), os textos emergem e se enquadram em diferentes contextos de comunicação em que as acções socialmente impostas são tipificadas e, por via disso, os textos são, igualmente, sujeitos à mesma tipificação. É neste contexto em que surgem os conceitos de Tipos e Sequências Textuais.

Tipologia e Sequência Textual

Os conceitos de Tipologia e Sequência Textual surgem embasados em concepções da unidade semiótica que o texto vincula. Em síntese, o conceito de Tipologia surge de uma perspectiva em que se assume o texto como unidade homogénea que é determinada por uma intenção comunicativa, um contexto comunicacional e o papel socioprofissional. Nesta base de ideias, surgiram as abordagens de Werlich, do Dicionário Terminológico cit. em Silva (2012) e de Travaglia (2018).

Segundo Silva (2012), “a diferença entre tipologia em tipos de texto e tipologias em sequências textuais resulta do facto de a tipologia em textos se aplicar necessariamente a textos completos, enquanto a tipologia em sequências textuais é aplicável quer a textos completos” (p. 114). Nesta ordem de ideias, as sequências textuais configuram uma abordagem heterogénea do texto, reenviando as percepções para um sentido em que qualquer produto verbal é assumido como sendo permeado de diversas formas de enunciação.

Conforme foi referido nas considerações iniciais, no domínio dos tipos de texto, a presente pesquisa orienta-se pela abordagem do Dicionário Terminológico cit. em Silva (2012) e, no que às sequências textuais diz respeito, a mesma baseia-se em Adam (1992 e 2005) cit. em Silva (2012). 

De acordo com o autor (op. cit, p. 116-117), a classificação textual que é proposta no Dicionário Terminológico prevê os seguintes tipos:

Textos conversacionais: qualquer diálogo entre duas ou mais pessoas constitui um texto conversacional;

Textos narrativos: os textos que se inserem neste tipo incluem eventos protagonizados por uma entidade (ou mais do que uma) e que se dão num dado período de tempo;

Textos descritivos: exemplos de textos deste tipo são aqueles em se esboça o retrato físico de uma pessoa;

Textos expositivos: decorrem dos processos cognitivos de análise e síntese de representações conceptuais; neste tipo integram-se, por exemplo, textos de natureza didática;

Textos argumentativos: centram-se nos processos cognitivos de avaliação e de tomada de posição do locutor;

Textos instrucionais ou diretivos: relacionam-se com a antevisão de comportamentos futuros, e a estruturação textual traduz-se numa planificação que inclui a ordenação cronológica de eventos;

Textos preditivos: incluem géneros de textos como horóscopo e a profecia, em cujos exemplares são previstos comportamentos ou acontecimentos futuros relativamente ao momento em que os textos são produzidos;

Textos literários: são associados a uma semântica fundada na representação de mundos imaginários, com a utilização estética, retórica e não raro lúdica dos recursos da linguagem verbal, e com uma pragmática específica;

Tal como referimos acima, Adam (2001) cit. em Silva (2012) “considera que a mera ideia de se conceber classificações em tipos de textos configura um erro epistemológico e metodológico”, (p. 119). Assim sendo,

através desta constatação – a de que textos se caracterizam geralmente pela heterogeneidade composicional quanto aos tipos de segmentos textuais que incluem – Adam propôs uma tipologia que incidisse não sobre a totalidade de extensão, mas [grifo nosso], especialmente, em termos de complexidade composicional: as sequências textuais.

Quanto às sequências textuais, o autor postula 5 tipos, a saber:

a)               Sequências narrativas;

b)              Sequências descritivas;

c)               Sequências argumentativas;

d)              Sequências explicativas (ou expositivas);

e)               Sequências dialogais.

Vinculado na perpectiva de Adam, Silva (2012) acresce que os textos podem ser (1) unissequenciais: quando apresentam um único tipo de sequência textual; (2) plurissequenciais: podendo apresentar sequências do mesmo tipo ou sequências diferentes.

Em circunstâncias em que o texto apresenta sequências diferentes, a sequência dominante é definida em função (1) da sequência que abre e encerra o texto; (2) da sequência mais extensa; (3) da sequência através da qual o texto pode ser resumido.

Mecanismos de Coesão e Coerência Textual

A abordagem sobre o texto no domínio do tipo de discurso, da natureza do género, do tipo de sequências textuais que nele se inscrevem, completa-se se tivermos em conta que existem determinados parâmetros que norteiam a designação de texto numa determinada formação sóciodiscursiva.

É neste contexto que surge a necessidade de discorrer sobre os parâmetros da textualidade na perspectiva de Lopes & Carapinha (2013, pp. 14-22). De acordo com as autoras, para que um produto verbal seja considerado texto, é preciso que se parta dos seguintes pressupostos:

Intencionalidade: prende-se com o facto de qualquer texto é o resultado de uma intenção cognitivamente configurada e verbalmente expressa por um locutor;

Aceitabilidade: refere a atitude do interlocutor, disponível para aceitar um produto verbal que lhe é dirigido, encetando os esforços necessários para o interpretar e avaliando-o como uma entidade significativa;

Situacionalidade: refere o grau de adequação de um texto ao seu contexto de uso. Para que um texto se torne relevante numa determinada situação, é necessário que estejam salvaguardadas diversas condições, nomeadamente, os papéis internacionais (discursivo-sociais) dos interlocutores, o tema, o modo de comunicação, etc.

Intertextualidade: designa a relação de proximidade de ordem retórico-estilística e de ordem semântica que um texto mantém com outros textos;

Informatividade: parte do pressuposto de que qualquer texto é portador de um conjunto maior ou menor de informações;

Coesão: diz respeito à tessitura semântica que um conjunto de mecanismos formais permitem construir;

Coerência diz respeito ao mundo recriado no texto, à sua “verosimilhança semântico-referencial”.

Nesta ordem de ideias e para o contexto desta pesquisa, situamos a nossa abordagem nos fundamentos de Haliday e Hasan (1976) e Mauai (2021).

Na ópica de Haliday e Hasan (1976), as dimensões da coesão são as seguintes:

1.     Coesão Gramatical

1.1.Coesão gramatical por referência exofórica: quando um elemento linguístico em um texto faz referência a algo fora do próprio texto, muitas vezes dependendo do contexto ou do conhecimento compartilhado entre o emissor e o receptor da mensagem;

1.2.Coesão gramatical por referência endofórica (anáfora e catáfora): quando um elemento linguístico em um texto faz referência a algo já mencionado (anáfora) ou que será mencionado posteriormente no mesmo texto (catáfora);

1.3.Coesão gramatical por substituição: uso de elementos linguísticos para substituir outros elementos do texto. Ex: “a ideia” = “esta”;

1.4.Coesão gramatical por elipse: omissão de um termo que já foi mencionado anteriormente e que pode ser recuperado no contexto;

1.5.Coesão gramatical por conjunção: uso de conjunções e locuções para estabelecer relações lógicas entre as partes do texto.

2.     Coesão Lexical

2.1.Coesão lexical por reiteração: repetição de elementos linguísticos (palavras, frases ou conceitos) ao longo de um texto com o objectivo de enfatizar, reforçar ou manter a coesão.

2.2.Coesão lexical por substituição: uso de elementos linguísticos (sinónimos, hiperónimos/ hipónimos, holónimos/merónimos para substituir outros mencionados anteriormente no texto;

Relativamente às Dimensões da coerência, Mauai (2021) refere que podemos identificar quatro dimensões, a saber:

1.     Coerência referencial: quando a referência a entidades, objectos ou conceitos é feita de maneira precisa e compreensível através de expressões anafóricas ou catafóricas, estabelecendo uma conexão lógica entre as partes do texto;

2.     Coerência semântica: designa a relação de significado entre diferentes partes do texto. Ela envolve a maneira como palavras, expressões ou estruturas linguísticas em um texto se relacionam semanticamente, contribuindo para a compreensão global do significado;

3.     Coerência genérica: designa a consistência e clareza na selecção da estrutura, linguagem e propósito adequados ao género escolhido;

4.     Coerência pragmática: refere-se à consistência e eficácia na comunicação, levando em consideração o contexto, as intenções do emissor e as inferências feitas pelo receptor. Envolve o uso apropriado da linguagem de acordo com as normas sociais e as espectativas comunicativas para atingir os objectivos comunicativos de forma eficaz.

Análise do Tipo de Texto, do Género e das Sequências Textuais em “A Busca de um Sonho” de Andes Chivangue

De forma sucinta, o nosso propósito nesta abordagem do texto “A Busca de um Sonho” situa-se nos moldes resumidos na tabela abaixo.

Parâmetros

Classificação

Tipo de Discurso

Literário

Género Discursivo

Conto

 

 

 

 

 

Tipo de Sequência Textual Actualizado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Plurissenquencial

1ª Narrativa

2ª Dialogal

3ª Narrativa

4ª Descritiva

5ª Narrativa

6ª Dialogal

7ª Narrativa

8ª Dialogal

9ª Narrativa

10ª Dialogal

 

Tipo de Discurso e Género Discursivo

Recuperando a proposição de Maingueneau (2004) segundo a qual o género imana dispositivos de comunicação que aparecem em determinadas condições sócio-históricas que, em si, configuram contextos socioprofissionais, a classificação de “A Busca de um Sonho” como conto assenta no facto de ser um texto que foi produzido por uma entidade “no desenvolvimento de uma actividade socioprofissional específica: a literatura.” (Silva, 2012, p. 119)

Neste sentido, conforme acresce o autor (op. cit.), “o critério que subjaz à definição desta classe é, por isso, de natureza socioprofissional, no que se distingue dos tipos textuais inicialmente propostos por Werlich.”

Por este motivo, o autor advoga que os textos literários devam ser integrados numa classificação em tipos de discurso (o discurso literário) e não numa tipologia em tipos de textos. É este o argumento que sustenta a nossa classificação de “A Busca de um Sonho” como sendo um texto do discurso literário, corroborando, igualmente, com Silva (2015, p. 33).

Tipo de Sequência Textual Actualizado

Conforme atesta a tabela acima, o tipo de Sequência Textual actualizado em “A Busca de um Sonho” é do tipo plurissequencial, porque encontramos três das cinco sequências abordadas por Adam (2001). Estas co-ocorrem e se intercalam no desenrolar do texto.

Na sua estrutura profunda, é um texto literário (narrativo) do género conto. No entanto, o mesmo é composto por sequências textuais maioritariamente dialogais e narrativas, havendo, o registo de uma sequência descritiva que, tradicionalmente, caracteriza o conto, à semelhança das primeiras.

Em primeiro lugar, encontramos uma sequência narrativa no seguinte enunciado:

Fazia algum tempo que o rapaz alimentava aquele sonho: conhecer a América. Este desejo veio-lhe à cabeça quando, na catequese, o padre Malheiros falou do Pastor Martin Luther King e sua Fé. Quando contou ao pai, este riu-se a gozá-lo.

Em segundo lugar encontramos uma sequência dialogal em:

Se algum dia quiseres ser um grande viajante, estuda, meu filho. Doutra forma não arredarás o pé desta terra.

Seguidamente, após uma sequência narrativa (curta) encontramos uma sequência descritiva num contexto em que após uma narração do que se estava a passar com o menino que é o mote do texto. A mesma aparece para fazer uma caracterização física e psicológica, dando informações que o leitor não poderia buscar nas outras sequências textuais.

Protegido pela sombra de uma acácia, sentado na lama seca, a chapinhar os pés na água enquanto espreita o anzol de quando em vez, visualizava o pastor King a pregar o evangelho entre prédios e carros. Ao longe, numa outra sombra, dois velhos barbeiros queimavam o tempo falando das inúmeras missas que realizaram a pedir sorte e protecção aos espíritos, mas sem resultado.

Diante deste quadro físico-psicológico que se nos apresenta, surge, no domínio do mesmo texto, uma sequência narrativa para retomar o fim máximo deste tipo de sequência que é o de retratar eventos ocorridos num tempo relativamente anterior ao evento enunciativo.

O rapaz não ouvia nada do que do outro lado se dizia. Divagava, pensando na melhor forma de conhecer a terra do pastor King. Ficou sentado naquele lugar durante muito tempo e o primeiro isco ainda não tinha sido tentado pelos peixes. Puxou bruscamente a cana, recolheu as latinhas com minhocas, levantou-se e seguiu em direcção à sombra dos velhos.

Logo a seguir a este registo, regista-se uma sequência dialogal, iniciando uma permuta de sequências, entre dialogais e narrativas, conforme podemos observar abaixo:

- Pescaste alguma coisa, miúdo?

Perguntou o dos óculos com fundo de garrafa.

- Não, avó, não consegui nada.

- Vês, até os rios nos negam o que comer.

Sequência narrativa

Numa manhã, a caminho da pesca, ouviu o apito do comboio que chegava. Largou a correr para a estação e quedou-se a ver os pass

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ageiros descerem para urinar ou comprar coisas. Já no momento da partida, lágrimas insinuaram-se nos seus olhos.

Sequência dialogal

- Voltaste, meu neto. És mesmo tu? E eu que duvidei da tua palavra...

Sequência narrativa

O rapaz, de tanta estupefacção, não conseguiu dizer nada. Mas, estranhamente, no fundo do seu peito, ardia-lhe a certeza de que aquela velha o levaria à América dos seus sonhos. Sorriu para ela e disse:

Sequência dialogal

- Sim avó, voltei.

Cabe, contudo, referir que na transição entre as sequências dialogal-narrativa-dialogal, o texto apresenta-nos um diálogo inicial que é interrompido por uma narração que esclarece o âmbito em que o diálogo se inscreve. Após essa contextualização, o texto se encerra com a continuação do diálogo ora iniciado.

Em linhas gerais, num contexto em que, no texto, ocorrem três sequências diferentes, o facto de a sequência narrativa ser a que a partir da qual o mesmo pode ser resumido na sua generalidade, permite-nos defini-la como sendo a dominante em todo universo textual.

Análise dos mecanismos de coesão em “A Busca de um Sonho”

Coesão gramatical

a)     Referência exofórica

Considerando que este mecanismo de coesão se materializa através da referência a algo fora do próprio texto, podemos notar a sua ocorrência logo no primeiro parágrafo:

Fazia algum tempo que o rapaz alimentava aquele sonho: conhecer a América. Este desejo veio-lhe à cabeça quando, na catequese, o padre Malheiros falou do Pastor Martin Luther King e sua Fé.

No excerto acima, ocorrem várias expressões linguísticas que desencadeiam a referência exofórica. Para efeitos de análise, destacamos os referentes “catequese” e “Pastor Martin Luther King” por configurarem um conhecimento, quiçá, partilhado entre o autor do texto e o leitor. Este exercício de busca da memória enciclopédica ocorre fora do universo textual.

b)    Referência endofórica (anáfora e catáfora)

Contrariamente ao primeiro mecanismo de coesão, a referência endofórica inscreve-se dentro do mesmo universo textual. Assim, ao retomar termos já referidos (anáfora), ou, através de expressões linguísticas, antecipar algo que ainda está por ser dito (catáfora), desencadeia-se uma continuidade lógico-semântica necessária para a compreensão do texto.

Este mecanismo é observado no excerto abaixo, em que o termo anafórico “este desejo” retoma um dado já referido que é “conhecer américa”. No mesmo excerto, encontramos o termo anafórico “lhe”, pronome clítico que ocorre com o verbo “vir”, retomando o termo “rapaz”.

Fazia algum tempo que o rapaz alimentava aquele sonho: conhecer a América. Este desejo veio-lhe à cabeça.

No que concerne à catáfora, podemos notar a sua ocorrência no excerto acima, entre as expressões linguísticas “sonho” “conhecer América”, em que o segundo é antecipado pelo primeiro. Podemos, igualmente, registar a ocorrência deste mecanismo no excerto abaixo, entre as expressões linguísticas destacadas, em que a expressão “este” antecipa a oração “sonham com que não podem”.

Metem-lhes sujidade na cabeça e o resultado é este. Sonham com o que não podem.

 

c)     Substituição

Este mecanismo ocorre através do uso de elementos linguísticos para substituir os que tiverem sido mencionados no texto, conforme podemos notar pela substituição da expressão linguística “rapaz” pelo pronome clítico “o” que ocorre no verbo “julgar” conjugado na terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo.

O fiscal, vendo o rapaz em pranto, julgou-o fazer parte dos viajantes.

d)    Elipse

No excerto abaixo, percebe-se que houve omissão de um termo linguístico anteriormente mencionado. De modo a evitar a repetição da expressão linguística “a velha”, o articulista optou pela supressão do sujeito, podendo-se, portanto, recuperar o sentido do enunciado através do contexto em que o mesmo se insere.

A velha apalpou-o incrédula. […] Tocou na mão do moço desatando a chorar de felicidade.

 

e)     Conjunção

Este mecanismo ocorre por meio de conjunções e locuções, que estabelecem relações lógicas. Estas relações podem ser de adição, oposição, explicação, causa-efeito, etc. No caso do excerto abaixo, notamos que ocorre uma conjunção adversativa que gera uma relação de oposição entre dois enunciados.

O rapaz, de tanta estupefacção, não conseguiu dizer nada. Mas, estranhamente, no fundo do seu peito, ardia-lhe a certeza de que aquela velha o levaria à América dos seus sonhos.

Coesão lexical

a)     Substituição

A coesão lexical por substituição pode ocorrer através do uso de elementos linguísticos (sinónimos, hiperónimos/hipónimos, holónimos/merónimos) para substituir outros mencionados anteriormente no texto. No caso do excerto abaixo, a coesão lexical ocorre por meio de sinonímia. A substituição do substantivo comum “rapaz” por outra expressão da mesma classe e igual valor semântico “garroto” revela a ocorrência deste mecanismo de coesão em “A Busca de um Sonho”.

Cansado de pensar, o rapaz decidiu ir ter com o padre.

O garroto saiu desolado, jurando nunca mais ir à Igreja.

b)    Reiteração

Ao contrário da substituição, a reiteração prende-se com a repetição de elementos linguísticos ao longo do mesmo enunciado. Assim, através da repetição da expressão linguística “comboio” no excerto abaixo, desencadeia-se uma continuidade sequencial.

Numa manhã, a caminho da pesca, ouviu o apito do comboio que chegava. Largou a correr para a estação e quedou-se a ver os pass

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ageiros descerem para urinar ou comprar coisas. Já no momento da partida, lágrimas insinuaram-se nos seus olhos. O comboio arrancava na sua característica lentidão.

Análise das dimensões da coerência em “A Busca de um Sonho

a)     Coerência referencial

Este domínio da coerência é estabelecido através de expressões anafóricas ou catafóricas que, além de garantir a coesão textual, contribuem para a manutenção do sentido na esfera textual. Podemos notar este aspecto no excerto abaixo através dos termos destacados em que encontramos o sintagma nominal “o rapaz” ser retomado por pronomes clíticos que ocorrem nos verbos “arrastar e fazer”. No mesmo excerto, encontramos o substantivo “comboio”, a ser retomado pelo pronome demostrativo “este”.

O rapaz ainda tentou explicar o equívoco mas o fiscal arrastou-o pelo braço e fê-lo subir para o comboio. Este encontrava-se cheio de mineiros que voltavam ao labor nas minas da África do Sul.

b)    Coerência semântica

A compreensão global de um texto é garantida através do encadeamento dos elementos linguísticos que o constituem. Assim, no produto verbal em análise, este encadeamento revela-se através das sequências textuais nele presentes que se intercalam e geram uma unidade de sentido homogénea.

A partir do momento em que se revela o sonho do menino até à circunstância furtuita em que embarca num comboio e encontra uma idosa que, na sua óptica, poderia responder ao seu anseio, notamos que o articulista gera um efeito de continuidade de sentido em todo o texto.

c)     Coerência genérica

Tradicionalmente, o conto é um género que se baseia em factos reais ou fictícios para representar fenómenos de uma forma lúdica e reflectiva, com uma acção e um só enredo, com delimitação estática de tempo, espaço e personagens.

Nesta ordem de ideias, julgamos que haja coerência genérica em “A Busca de um Sonho” na medida em que o desenrolar das sequências textuais anteriormente analisadas, revela este encadeamento entre o género em que o texto se insere e o próprio plano de texto possível de identificar na sua micro e macro-estrutura.

d)    Coerência pragmática

Nesta dimensão da coerência, considera-se a consistência e eficácia na comunicação, levando em consideração o contexto, as intenções do emissor e as inferências feitas pelo receptor. Assim, considerando as ilações feitas do ponto de vista da coerência genérica, podemos inferir que, do ponto de vista pragmático, o texto é coerente.

Considerações Finais

O texto é, por excelência, um espaço de convergência teórica de vários campos de estudo. Dir-se-ia, com alguma certeza, que se trata de um ponto de chegada de várias perspectivas teóricas e, também, de partida de outras. É este raciocínio basilar que torna o campo da Linguística Textual importante para a compreensão do textual do ponto de vista composicional e semântico-pragmático.

Desta forma, ao analisarmos um produto verbal concreto e dele extrairmos aspectos relativos ao tipo de texto, ao género, às sequências textuais e aos mecanismos de coesão e coerência textual, contribuímos para a materialização de perspectivas desenvolvidas em contextos teórico-reflexivos.

Relativamente ao texto que serve de base de análise na presente pesquisa, importa referir que “A Busca de um Sonho” apresenta uma sequência textual plurissequencial homogénea ancorada no discurso literário. Esta ilação permite-nos concluir que os géneros emergem e se consagram em formações sóciodiscursivas específicas, mas a abordagem reflexiva possível de fazer a seu respeito apresenta o mesmo denominador comum: a textualidade.

Ainda a este respeito, cabe-nos referir que a sua escolha não foi aleatória, mas cingida no facto de a mesma fazer parte da literatura moçambicana contemporânea. Portanto, fazer uma abordagem crítica destes textos ancorada na Linguística Textual vincula a possibilidade de destacar os contributos valiosos que este campo de estudos pode facultar aos estudos literários (Cf. Silva, 2015). É, por isso, que procuramos instigar esta dimensão transdisciplinar a respeito do texto.



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