"o título é uma parte privilegiada do texto, pois, devido à sua posição, é o primeiro elemento a ser processado."
Aguiar (2002), Títulos, para que os quero?
A coisa mais interessante que as redes sociais (digitais) trouxeram é a massificação do debate público sobre matérias de interesse comum. Um debate instantâneo, assíncrono mas muito produtivo quando bem tomado.
Como em todo bem há um mal, não é de ignorar o crescimento de "tudólogos" que pela idade ou pelos estudos em áreas específicas acreditam que possam dizer coisas categóricas sobre assuntos considerados triviais como política, religião, desporto e artes.
Feliz ou infelizmente, estes domínios têm um nível de trivialidade que só é aceitável até um certo ponto. Depois disso, surgem camadas que, pessoalmente, em matérias sobre as quais não me informo com regularidade, prefiro me abster. Quem dera se todos tivéssemos o mesmo zelo!
É domingo. Faço este intróito algo moralista para condizer com o próprio dia e no contexto de uma agitação que criei ao sugerir a alteração do título de um livro (de poesia) pelo grau de similaridade com um outro.
A questão da similaridade a que me refiro não se prende à simples retoma de um vocábulo. Afinal, as palavras não têm donos. Mas vai além disso: o que é curioso no caso aludido é a dimensão metafórica do "osso" que é invocada. Por um lado, temos "o osso da água", por outro temos "osso da alma". Praticamente trata-se da mesma matéria prima para a "arquitectura metafórica". Trocar ou não trocar? Reitero: é um debate entre o autor e o editor.
Nessa conversa entre ambos, algumas perguntas podem ser feitas:
1. Por que este título?
2. Há alguma relação entre o título e o que se pretende do livro?
3. Alguma relação dialógica com o(s) que o antecede(m)?
4. Trata-se de uma estratégia de mercado?
5. Está confortável com o debate que poderá surgir tendente à originalidade?
6. Se tal debate surgir, qual será o posicionamento do autor ou da editora?
Esta coisa de títulos não pode ser tomada de forma tão leviana a ponto de se dizer, com bastante infelicidade, que "tanto faz, não muda nada". Deixando questões editoriais e mercantis que seriam matéria para outras provocações, prefiro ater-me à dimensão textual da coisa.
O texto é objecto de reflexão em diversas disciplinas. Nessa diversidade, encontra-se consenso quando se assume o título do texto (ou do livro) como um "factor de contextualização" (Cf. Marcushi (1986), Menegassi & Chaves (2000), Dijki (1996) ou Aguiar (2002).
Estas alusões a autores neste espaço "não académico" não vêm a propósito de uma espécie de pedido de apadrinhamento na argumentação, qual menino que se socorre do irmão mais velho ou do progenitor diante de uma briga de rua, mas para dar pistas a quem se interesse por estas matérias para aprofundar e, quiçá, fazer uma pesquisa mais aprofundada. Seria, na verdade, um ganho para o nosso "sistema".
Ao se assumir que o título tem esta propriedade relativamente ao livro, chama-se atenção para as nossas escolhas. Tendo-o como factor de contextualização ou "o primeiro elemento a ser processado" significa que deva comunicar de alguma forma com o conteúdo da obra. Num livro de poesia, por exemplo, esta façanha pode ser um pouco mais desafiante que numa novela ou num romance pela variedade de temáticas que são abordadas. Poderá ser por isso que alguns autores adoptam o título de um dos poemas para denominar o livro. É uma estratégia equilibrada e pode ser fundamentada por argumentos afectivos, e sobre isso não há discussão.
Outra estratégia equilibrada é idealizar o título do livro diante de uma amostra reduzida de textos e, a partir daí, continuar a produzir o projecto do livro em consonância com a proposta estilística, temática ou ideológica.
Há, também, quem prefira encontrar um meio termo entre as partes do livro (caso haja) e gerar uma colocação metafórica que traduza o sentimento do autor ou o que julga que o leitor deva inferir.
Por este ou aquele caminho, encontra-se uma saída.
Atenção: não se está a dizer que para a concepção do título do livro aludido não se tenha feito esse exercício. São ilações que surgem através deste debate específico e que podem ser usadas por outras pessoas caso não interesse ao autor ou o seu editor fazer uma nova introspecção a respeito deste assunto.
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