Dissertar sobre emancipação da mulher numa sociedade como a nossa tornou-se num campo de treinamento para aspirantes a intelectualidade, não só pela azáfama que gira em torno deste assunto mas também, e sobretudo, por se pensar que seja um assunto que, para o intelectual, está ao nível duma papa leve para um recém-nascido. Não sei se é por distracção que os meus companheiros circunstanciais de trincheira enveredam nesta matéria ou por mero atrevimento, tal como eu, mas a verdade tem que ser dita: é um desafio enorme falar da emancipação da mulher numa sociedade que é falocêntrica até aos gorgomilos e foi sendo edificada cultural, social e politicamente sob esse prisma opressor.
O Falocentrimo não é uma invenção da nossa sociedade nem dos nossos tempos, provavelmente o termo seja mais próximo dos nossos dias, mas a prática não é recente tal como a vergonha que alguns de nós sentimos por saber que houve e há gente cujo raciocínio se deixa levar por esta crença.
Este conceito denota a crença que se centra no falo (órgão reprodutor masculino), especialmente enquanto símbolo da superioridade masculina, BELO (2010). Essa ideia surge em prol da crença que as sociedades antigas tinham, segundo a qual o falo é o símbolo da fecundidade masculina. Nesse sentido, e segundo esta crença, apenas o macho poderia engendrar um outro ser, pois apenas ele possuía os atributos ontológicos necessários para a concepção.
Longe de mim fazer um rastreio rigoroso em volta deste assunto, que aliás não é uma tarefa ao meu nível. Ora, consta-me que esta matéria já ocupou páginas de autores de referência obrigatória na Psicologia, na Psicanálise, na Filosofia, na Sociologia, na Literatura e outras áreas, dentre os quais cita-se: Sigmund Freud, Jacques Lacan, Jacques Derrida e Pierre Bourdieu.
Segundo ARÁN (2003: 399), na teoria falocentrista de Freud o masculino é conduzido inevitavelmente a uma dinâmica na qual o homem permanece como a norma e a mulher como o desvio.
Nas mais variadas formas de organização social, tal paradigma tendeu a predominar. Em sociedades assim estruturadas, a divisão de tarefas tende a reservar para o homem as tarefas mais nobres, exactamente pelo facto de tomá-lo como o modelo normativo ante o qual a mulher só pode ser considerada, então, como o desvio, o errático. Sendo o macho o representante da perfeição, cabe a ele dominar a fêmea, e a ela compreender e, fundamentalmente, desejar tal subordinação, devendo entender-se como incompleta e faltosa quando desprovida de um homem que lhe dê abrigo (Bourdieu, 1998) apud (op. cit)
O que significa que singularizar o dilema da mulher revela alguma desatenção se considerarmos o facto de que além de ela estar sujeita à opressão, recai nela a humilhação por não ter um homem que a possa oprimir, ou seja, não basta ser apenas oprimida mas também desejar e lutar por tal opressão como se fosse uma meta corporativa.
Numa sociedade que se ergue nestas condições, a individualidade de cada sujeito e suas aptidões pessoais não devem ser levadas em consideração no momento da delegação dessas tarefas a homens ou a mulheres, pois sob a égide do falocentrismo naturaliza-se a divisão sexual e orienta-se os géneros a funções nitidamente demarcadas e necessariamente contrárias, tal como afirma (Bourdieu, 1998).
É deste modo que no contexto africano, particularmente moçambicano, a sociedade estrutura-se ideológica e discursivamente em função desse pressuposto falocêntrico, fazendo com que as interacções sociais cristalizem cada vez mais as oposições características da dominação masculina e circunscrevendo ao homem a função de dominação e à mulher a condição de dominada.
De um modo ou de outro, esta crença rege a si mesma e estrutura a sociedade com base em três premissas básicas: (1) As funções convenientes às mulheres devem estar circunscritas aos prolongamentos da esfera doméstica; (2) Uma mulher não pode ter autoridade sobre homens; (3) Ao homem cabe o monopólio da manutenção de todo o maquinário e dos objectos técnicos.
Ora, é verdade que em função desta divisão social, as mulheres possam tomar responsabilidades proeminentes, contudo, é também verdade que o poder de decisão do ponto de vista económico e político é sempre reservado aos homens, embora a evolução das sociedades procure reverter esta imposição sócio-cultural falocêntrica.
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