sexta-feira, 9 de junho de 2023

Epopeia: características, estrutura externa e interna

 

O que é epopeia?

A termo epopeia provem da palavra grega “epopoiía” que também deriva de “épos” também pertencente ao grego e significa “versos” e, portanto, “o gênero épico é a narrativa em versos que apresenta um episódio heroico da história de um povo. A epopeia nasceu no Ocidente com Homero, poeta grego que viveu entre os séculos IX e VIII a.C. e escreveu dois poemas que constituíram os primeiros modelos épicos: a Ilíada e a Odisséia.” Cavalcanti (2012, p. 235)

Para Figueiredo & Belo (1999, p. 111) “a epopeia é uma narração, em estilo grandioso, das façanhas heroicas de um povo, caracterizadas por uma acção una e simultaneamente variada, em que intervêm seres sobrenaturais.”

A estas definições adicionaríamos a de Lopes (2007) segundo a qual a epopeia “a epopeia assenta as suas raízes nas mais vetustas manifestações literárias da antiguidade. Directamente relacionada com valores e referências culturais hoje desaparecidos, a epopeia releva de um tempo dominado pelo mito, pelo lendário de projecção nacional e por uma concepção orgânica do Universo.”

Portanto, esta última definição mostra-se mais abrangente no sentido em que destaca a questão de este tipo de texto ser um poema heroico narrativo extenso, uma colecção de feitos, de factos históricos de um ou de vários indivíduos reais, lendários ou mitológicos.

Assim, diriamos que a epopéia eterniza lendas seculares e tradições ancestrais, preservadas ao longo dos tempos pela tradição oral ou escrita. Portanto, embora tenha fundamentos históricos, a epopeia não representa os acontecimentos com fidelidade, geralmente reveste os acontecimentos relatados com conceitos morais e actos exemplares que funcionam como modelos de comportamento.                                                   

Assim concordaríamos com Hegel (1993, pp. 572-3) apud Cavalcanti (2012, p. 235), quando afirma que:

a epopeia, quando narra alguma coisa, tem por objecto uma acção que, por todas as circunstâncias que a acompanham e as condições nas quais se realiza, apresenta inumeráveis ramificações pelas quais contacta com o mundo total de uma nação ou de uma época. É, portanto, o conjunto da concepção do mundo e da vida de uma nação que apresentado sob forma objectiva de acontecimentos reais, constitui o conteúdo e determina a forma do épico propriamente dito. Desta totalidade, fazem parte, por um lado, a consciência religiosa de todas as verdades profundas do espírito humano e, por outro lado, a vida concreta, a vida política e doméstica, e até as necessidades que a vida exterior comporta e os meios de satisfazer.

 

Hegel (1993, p. 573) apud Cavalcanti (2012, p. 235) aponta ainda outros elementos constitutivos do género, que são:

Þ    Anulação do poeta como consequência do carácter objectivo da epopeia;

Þ    A situação mais conveniente à épica é o conflito de guerra;

Þ    A visão da epopeia é totalizante do nacional;

Þ    A poesia épica consiste em representar o desenvolvimento da acção;

Þ    A natureza épica não pode ser abstracta;

Þ    O acontecimento épico só pode se concentrar em um indivíduo, etc.

Assim, aliado a estas proposições, procurando distinguir a epopeia do romance, Bachtin (1979, pp. 454-455) apud Lopes (2007) acrescenta outros elementos dentre os quais podemos destacar os seguintes:

Þ    O mundo épico está separado do presente, isto é, do tempo do cantor (do autor e do seu auditório), por uma distância épica absoluta.

Falar em “ passado absoluto” é falar num passado desligado do presente, decorrido num tempo decerto extenso, mas destituído de relatividade e mesmo do sentido evolutivo e erosivo sobre as figuras que o vivem” (Bachtin, 1966, pp. 139-140 apud Lopes, 2007), por isso o tempo da epopeia é diverso do tempo do romance, “aquele carece da capacidade de reenvio para o presente histórico do receptor, capacidade que no romance tem que ver com as suas potencialidades críticas, bem distintas da genérica tendência para a exemplaridade que na epopeia observa.” (Lopes, 2007)

Þ    O estatuto do narrador da epopeia tem que ver com os traços de configuração descritos e também com a primitiva situação de comunicação narrativa que caracterizava o relato épico: enunciando um discurso oral, o poeta dirigia-se a um auditório fisicamente presente, evidenciando-se de forma táctica, por meio desta co-presença, a sua alteridade e distância em relação aos eventos e personagens de que fala. Para além disso, o narrador da epopeia pronuncia-se num estilo solene (o “som alto e sublimado” de “tuba canora e belicosa” de que fala Camões na inovação dos Lusíadas”), estilo não raro plasmado num metro ajustado a essa solenidade (p. ex., o decassílabo heroico). Mas aquilo que fundamentalmente particulariza o estatuto do narrador da epopeia é a posição de transcendência por ele adoptada;

Þ    Também pela sua estrutura externa a epopeia deixa transparecer uma composição calculada e intencionalmente delineada. Traduz-se essa composição na sucessão de três partes distintas: proposição, a invocação e a narração; destas, a ultima que efectivamente, como o termo indica, preenche os requisitos da narratividade, devendo as restantes ser encaradas como marcos de vinculação ao cânone de epopeia;

É no decurso da narração que se manifestam os componentes da estrutura interna da epopeia, insinuando-se a partir deles os vectores temático-ideológicos que nela se representam; desses componentes merecem destaque especial a acção e a personagem. Assim, a primeira privilegia comportamentos em sintonia com o maravilhoso e com a entoação heroica predominantes na epopeia (eventos bélicos, confrontações com elementos atmosféricos, proezas sobre-humanas, etc.);

Portanto, é com o suporte destas dominantes estruturais do seu tratamento estilístico que a epopeia desenrola os grandes temas, ideias e valores que, tendo se manifestado com especial insistência na Antiguidade e no Renascimento, entraram em crise com advento da sociedade burguesa e do seu emblemático género narrativo: o romance. A afirmação de empreendimentos excepcionais, a competição dos deuses com os homens, a representação do destino colectivo de comunidades de alcance nacional, deixam de fazer sentido quando entra em cena a personagem individualizada, trivial e muitas vezes problemática que no romance burguês e no realismo crítico se nos apresenta.

Estrutura externa

Como se trata de um poema longo, a epopeia é dividida em várias partes denominadas cantos (que geralmente são 10). Os cantos são organizados de modo a cumprir funções preestabelecidas. Estes são constituídos por um número variável de estâncias/estrofes de oito versos (oitavas), tendo cada verso 10 sílabas métricas formando assim versos decassílabos e que geralmente contêm sílabas tónicas nas posições 6 e 10, respectivamente, o que lhes confere a qualidade de decassílabos heroicos, apresentado o seguinte esquema rimático:  a-b-a-b-a-b-c-c, sendo rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos.

Estrutura interna

Como o dissemos acima, na estrutura da epopeia, os cantos são organizados de modo a cumprir funções preestabelecidas, entre as quais:
Proposição: o poeta define o tema e o herói de seu poema;
Invocação: o poeta pede a musa (divindade inspiradora da poesia) que lhe inspire, para desenvolver com mestria o tema de seu poema;

Dedicatória: o poeta dedica a obra a uma personagem ilustre;

Narração: o poeta narra as aventuras de seu herói;

Conclusão/epílogo: o poeta encerra sua narrativa, após relatar os feitos gloriosos que marcaram a trajectória de seu herói.

Sem comentários:

Enviar um comentário