quinta-feira, 27 de abril de 2023

Ágora: um exercício de cidadania e de contemplação

“nunca a justiça foi tão ínvia e a verdade uma porção de pó”

Escrevi um texto há dias. Uma provocação de bom gosto para quem se expõe ao contraditório para repensar as suas crenças, atitudes e escolhas. “Os nossos poetas vivem lacrados em torres de marfim” era o título da provocação cujo interesse não era outra coisa, senão um convite ao debate sobre o nosso labor enquanto poetas/escritores deste tempo e desta parte do Índico.

Em “Ágora” de Samuel Pimenta encontrei a materialidade da minha utopia no exercício da escrita: uma construção imagética primorosa e um efeito de sentido que nos deleita e desassossega. Ler este trabalho e não olhar para o horizonte e questionar-se sobre o sentido da vida, do mundo, dos nossos credos ou a ausência deles é um exercício impossível.

“Ágora”, termo pelo qual Samuel Pimenta intitulou este conjunto de poemas, é uma referência à “praça das antigas cidades gregas, na qual se fazia o mercado e onde se reuniam, muitas vezes, as assembleias do povo.” A leitura deste conjunto de textos reenvia-nos para a certeza de que o título não foi resultado de um acaso ou do interesse no efeito fónico da palavra, mas daquilo que ela significa.

sábado, 22 de abril de 2023

Caminhos da interdiscursividade: a influência do rap na produção literária de Nelson Lineu

“eu tenho raízes criadas pelo rap por ver a sociedade com os seus problemas e querer abordar isso, mas sempre numa perspectiva daquilo que a literatura exige”

Tenho cá uma vaga impressão de já termos privado algum diálogo face-a-face, há uma dúzia de anos. Se tal tiver acontecido, a maior possibilidade aponta para os tempos em que o Movimento Literário Kupaluxa e a Associação Cultural Xitende encontravam na poesia uma forma de criar alguma irmandade na Casa Provincial de Cultura, em Gaza. É mesmo uma impressão, mas esses são outros quinhentos que em nada servem para nortear o curso desta nossa conversa.

Falando em curso, já lá houve algum curso numa conversa entre poetas que têm uma vivência com o rap? Nunca. Os poetas não fazem cursos. Mas a faculdade inteira. (risos) “Tasaver”: são heranças do rap.

Nem com ele, nem com os demais participantes destas conversas partilhei as minhas vivências com o rap (ou a ausência delas). Não era o objectivo destas coisas. Havendo possibilidade, vejo-me sentado algures com ele e outros numa mesa redonda. Um dia, não muito distante, realizamos a façanha.

Caminhos da interdiscursividade: a influência do rap na produção literária de Matilde Chabana

“Olhando para o Azagaia, consigo encontrar a voz inacabada de José Craveirinha.”

Livros. O que me dão além de rostos, mentes, visões, experiências, mundos e viagens cada vez que interajo com pessoas com quem partilho o amor pela arte de escrever?

É daquelas perguntas que os jornalistas/apresentadores de televisão não fazem nos seus talkshows. É curioso. Quem sabe, a partir daqui, se abra um expediente para uma interpelação nesse sentido.

“Sabes, a Matilde Chabana acaba de sair. Estávamos aqui num papo e achamos que se pudessem encontrar, mas ela teve de sair às pressas porque está para orientar um evento”. Disse-me um amigo, num desses sábados em sua casa. É sempre assim neste universo, este conhece aquele que conhece o outro e aos poucos constitui-se uma família de viajantes no mundo do verbo.

Não passou muito tempo, lá vinha outro: “estamos a pensar a fazer uma apresentação do livro da Matilde em Xai-Xai, e tu terás a dupla função de representar a Editora Kulera e apresentar o livro ao público leitor”. Não respondi, porque resposta melhor não haveria senão arregaçar as mangas. Sim, estive em vantagem: antes do “bom dia, como está” eu já tinha mais informação sobre a minha interlocutora através do seu livro. “O Perfume do Pecado” é o título e saiu pela Kulera em 2021. Fiz considerações sobre ele que em nada roçam o rap. A despeito do seu labor profissional e militância pela palavra dita e escrita que será tema de conversa noutro dia, ocorreu-me interagir com ela sobre esta matéria para melhor conviver com uma pulga que, na altura, se instalou por detrás da orelha.

É isto e mais alguma coisa que norteiam estas conversas: pulgas e outras coisas por detrás da orelha, que me fazem querer perceber mais e descortinar o “será” que nos sitia cada vez que lemos um livro ou intentamos uma conversa num desses corredores da palavra.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Caminhos da interdiscursividade: a influência do rap na produção literária de Otildo Justino Guido

“já senti como se estivesse, de uma ou de outra forma, em diálogo com a música. Este diálogo não é só discursivo, material mas também rítmico. Uma espécie de escrever ao ritmo de alguma música, sentir a respiração dos instrumentais e poder escrever”

Gosta de Zaida Chongo. Nunca entendi, mas tenho suspeitas. Só uma é partilhável neste espaço: a metáfora com que construía as suas músicas. Autênticas pirâmides egípcias: firmes e perenes. Outras suspeitas, já partilhei com ele próprio. Quem quiser saber, pode me convidar para um talk show num café, bar ou lounge desta cidade com muitas acácias sem que seja de acácias como a outra que dista a duzentos e pouco quilómetros.

Desse gosto e de outros, evidentemente, bebeu a imagem. Tem com ela uma relação religiosa no seu labor enquanto escritor. Querendo, pode estabelecer uma escola sobre isso. Entre a vontade e o preparo, garantia a façanha.

Sim. Conheço-o já lá vai quase uma década. Mas se os anos fossem contados pelos litros de líquidos misturados com lúpulo, estaríamos a uns tantos…quase 50, para ser mais humilde. Qual é a fórmula para tecer a camaradagem? Arte? Sangue? Tempo? Latitudes? Quotidiano? Gostos? Desgostos? Não sei. O certo é que já foram várias as vivências, tanto quanto o são os litros.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Caminhos da interdiscursividade: a influência do rap na produção literária de Daúde Amade

“embora tivesse sempre como fonte de inspiração o exercício de leitura no seu todo, nalguns momentos eu me sentia arrastado, ainda que de forma involuntária, a visitar algumas ideias de um rapper”

Uma das coisas que será dita nos próximos tempos é a ausência, nos periódicos da praça, de críticos literários com entusiasmo para este ofício. Há dias falava-se desta necessidade e eu pensei cá para mim: quem, das pessoas que conheço, cairia tão bem nesse papel? Daúde Amade foi um dos primeiros nomes. Outra coisa que será dita em tais tempos, é que apesar desse vazio, os jovens de hoje encontraram outros canais para fazer valer a sua voz, do ponto de vista de crítica literária. Alguém já prestou a devida atenção para os blogues, revistas e outros meios digitais que pululam neste país e dizem coisas interessantes, cada um a seu modo, jeito e génio? Pronto. Falamos disso noutro dia.

Nunca privamos uma conversa “mano a mano”, mas as tecnologias operam estes feitos de as pessoas interagirem de forma tão cordial sem que se tenham visto uma única vez sequer. Mas estas coisas de crítica, ensaios, recensões ou qualquer coisa que valha ficam para outros quinhentos. Hoje o papo é rap. Só rap. Depois desta conversa, poderão surgir outras possibilidades de explorar a relação que a sua escrita tem com o rap, muito além do que ele próprio diz ao longo desta conversa.

Caminhos da interdiscursividade: a influência do rap na produção literária de Fernando Absalão Chaúque

escutar rap contribui muito para a minha produção literária, porque, tal como já referi, aprendo muito com o trabalho que os rappers têm com a palavra e no sentido de perceber o ângulo em que posso abordar um certo assunto num texto

Batemos maningue papo na sua última estadia em Xai-Xai a propósito do lançamento do seu mais recente livro em co-autoria com Otildo Guido (outro bro cuja conversa irei partilhar em breve) “Barca Oblonga” (2022). Num desses papos que tivemos num desses bares da cidade, partilhei este intento de me aventurar em conversas tais com os meus sobre as suspeitas que tenho sobre a sua relação com o rap. Essa foi sempre a primeira premissa. Esta coisa de o rap influenciar na escrita é ainda uma hipótese que estou disposto a falsear: assim reza a ética na pesquisa. As coisas devem fluir numa certa direcção, mas sem imposições. Foi neste mesmo desiderato que seguiu a conversa. Desta vez não foi no bar. Além da vista embaciada, a língua aos arrastos, declarações efusivas de fraternidade…os bares têm outros efeitos. Por isso fizemos assim, tal como nos lê: tela a tela. Podíamos ter conversado sobre a sua escrita, o seu livro “Âncora no Ventre do Tempo” (2021) ou sobre o seu labor no blog “tenacidade das palavras” como forma de degustar este amor que nutrimos pela blogosfera. Mas fica para breve.