sábado, 22 de abril de 2023

Caminhos da interdiscursividade: a influência do rap na produção literária de Matilde Chabana

“Olhando para o Azagaia, consigo encontrar a voz inacabada de José Craveirinha.”

Livros. O que me dão além de rostos, mentes, visões, experiências, mundos e viagens cada vez que interajo com pessoas com quem partilho o amor pela arte de escrever?

É daquelas perguntas que os jornalistas/apresentadores de televisão não fazem nos seus talkshows. É curioso. Quem sabe, a partir daqui, se abra um expediente para uma interpelação nesse sentido.

“Sabes, a Matilde Chabana acaba de sair. Estávamos aqui num papo e achamos que se pudessem encontrar, mas ela teve de sair às pressas porque está para orientar um evento”. Disse-me um amigo, num desses sábados em sua casa. É sempre assim neste universo, este conhece aquele que conhece o outro e aos poucos constitui-se uma família de viajantes no mundo do verbo.

Não passou muito tempo, lá vinha outro: “estamos a pensar a fazer uma apresentação do livro da Matilde em Xai-Xai, e tu terás a dupla função de representar a Editora Kulera e apresentar o livro ao público leitor”. Não respondi, porque resposta melhor não haveria senão arregaçar as mangas. Sim, estive em vantagem: antes do “bom dia, como está” eu já tinha mais informação sobre a minha interlocutora através do seu livro. “O Perfume do Pecado” é o título e saiu pela Kulera em 2021. Fiz considerações sobre ele que em nada roçam o rap. A despeito do seu labor profissional e militância pela palavra dita e escrita que será tema de conversa noutro dia, ocorreu-me interagir com ela sobre esta matéria para melhor conviver com uma pulga que, na altura, se instalou por detrás da orelha.

É isto e mais alguma coisa que norteiam estas conversas: pulgas e outras coisas por detrás da orelha, que me fazem querer perceber mais e descortinar o “será” que nos sitia cada vez que lemos um livro ou intentamos uma conversa num desses corredores da palavra.

Q1.

Elísio Miambo: Quando e como começou a escutar rap?

Matilde Chabana: Não consigo voltar ao tempo e espaço concretos. Mas me lembro que era criança. Cresci escutando rap porque vivia cercada de homens: meus irmãos e primos com quem cresci. Lembro-me que escutavam frequentemente Wu-Tang-Clan, M.O.P, Pharoahe Monch, Busta Rhymes. Algumas vezes 50 Cent e Eminem.

Q2.

EM: Que rappers tem escutado?

MC: Dificilmente mudo de cor preferida. Eu ainda sou grande fã dos M.O.P. Ouvir “what the future holds” faz-me pensar nos meus irmãos que se perdem pelas ruas. Em simultâneo, creio que um dia sobrar-lhes-á um lustro para incendiar a consciência. “The Next Shit” de Pharoahe Monch e Busta Rhymes faz-me sentir a adrenalina que preciso para me animar (risos).

Meus irmãos influenciaram-me muito bem. A nível nacional fui muito bem corrompida pelos Magnésia (Já chegamos boy, meu bolso, vatabiwa) estes deviam ser um clã do rap até hoje. Aprecio muito o Azagaia, 3H, 2 Hustlers, Xitiku Ni Mbaula e tantos outros.

Q3.

EM: Faça um top 5 de rappers da sua preferência e justifique as suas escolhas.

MC: Fazer um top 5 é o mesmo que escolher as minhas músicas favoritas dentre as favoritas que mencionei acima, o que me é desafiador. Todos são bons ao estilo individual.

Q4.

EM: Já escreveu/gravou algum material neste género?

MC: Já escrevi, sim. Antes de escrever poemas, brincava de escrever letras com o meu irmão Martins, meu primo Vasco e amigos da Escola Secundária Eduardo Mondlane. Escrevíamos letras e desenhávamos num ambiente competitivo. Eu dizia que queria ser fornecedora de letras (risos).

Q5.

EM: Quando e como começou a escrever textos literários?

MC: Na adolescência, num contexto religioso. Como monitora de adolescentes e crianças, tinha a responsabilidade de organizar os conteúdos para os festivais infantis. Um deles eram os poemas temáticos. Ainda me recordo do meu primeiro texto intitulado “Juntos pela erradicação dos males contra a criança”: juntos unidos por um amanhecer da escuridão/juntos erguidos em prol da santidade/erguidos, apressados, estamos a caminho da felicidade/munidos e despedidos de rancor em busca da dignidade/.

É por aí…

Mas é de se notar que o gosto pela leitura veio pela voz do meu pai. Ele é um bom coleccionador de livros. Eu já destruí muitos livros dele, à revelia, fazendo fogo. (risos)

Q6.

EM: A escrita é, por excelência, um exercício de memória. Muitas vezes o escritor dialoga com as suas vivências. Tal pode ocorrer de forma consciente ou inconsciente. Já sentiu que, em algum momento, estivesse a dialogar com o universo rap na sua produção literária?

MC: Gostava imenso de ter este encontro com o rap em meus textos actuais. Mas ainda não o tive. Poucos textos meus, nada lapidados, já tiveram esta tendência.

Q7.

EM: Acha que o facto de escutar rap contribua para a sua produção literária? Se sim, de que forma?

MC: O rap é um estilo musical que me agrada bastante. Mas não o transporto em meus delírios textuais. Espero um dia fazê-lo.

Q8.

EM: Que paralelos pode traçar acerca do rap e da literatura produzida actualmente em Moçambique?

MC: O rap tem, honestamente, traços originais que dificilmente podem ser obstruídos: resistência e revolta. Dizem que há estilos de rap, mas, para mim, aquele que cresci ouvindo (o underground) continua sendo o melhor. Obviamente que nos vamos reinventando e adaptando às novas realidades. Olhando para o Azagaia, consigo encontrar a voz inacabada de José Craveirinha. Para dizer que temos legados vivos ou vivemos legados, embora não sinta este cruzamento com os escritores actuais. Mas é uma matéria por se investigar a fundo: ainda não tenho subsídios suficientes.

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