Oito horas e quarenta e três minutos marcava o relógio fixado na parede da sua sala bem ao lado do quadro "Tatuagens D'Alma de Naguib, quando a secretária, de entre outros expedientes, fez-lhe chegar um pedido de autorização para a realização de uma marcha em manifestação contra o alto custo de vida e a ineficaz distribuição de renda na vila municipal de Samsanga. «Belíssima iniciativa!» anuiu para o espanto da secretária que só deu entrada a tal pedido por mera cortesia profissional porque para ela «não autorizo» era o único deferimento possível de ter do mais respeitado e competente edil jamais visto naquelas latitudes, que Salatiel Matchazi dizia ser.
Eu que não sou de marchas, gravito na minha própria bolha e não ligo a mínima para lamúrias, fitei-me no soslaio de uma rua para vender água aos manifestantes como quem vende lenços no velório ou armas na guerra. Pelas palavras possíveis de ler nos banners dos manifestantes evidenciava-se «pão para toda gente»; «vocês são porque nós somos por isso dêem-nos pão»; «corrupção zero ou corruptos fora»; «chega! Assim não dá mais». Ler estas palavras ao som de «vadhla voxe» e «lafamba bixa», de Jeremias Ngoenha, que se fazia ecoar em coro, avivava uma réstia de esperança para repor a transparência e justiça governativas que Salatiel Matchazi e sua conclave haviam mandado às favas em prol dos seus apetites e credos.
Nos semblantes dos integrantes da manifestação rodopiava o suor com que regavam a sua penúria no dia-a-dia laboral e se promiscuia com as lágrimas drenadas por um coração já em quebranto porque a vida em Samsanga sabia mesmo a fel. Cá entre os meus botões ressignifiquei as palavras dos manifestantes e senti a legitimidade da dor e justeza daquela busca por um interlocutor no edifício do conselho autárquico de Samsanga. Eis, então, que a incredulidade ganha forma na figura de Salatiel Matchazi marchando com os populares e, pelo punho direito, segurando a extremidade de um banner em que era possível ler «cumpram as vossas promessas».
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