Não nos é nova também a
questão dos debates acesos sobre a criação de um Padrão Moçambicano, a
oficialização do PM, pois é esta variante que, de forma mais simples e
conseguida, espelha a nossa cultura, naquilo que chamaríamos o Português marrabentado pois uma língua existente num certo espaço e sempre usada por certos homens é
condicionada pela estruturalidade do meio onde se insere e, mais do que isso,
entre os valores desta estruturalidade e o meio que é a realidade, serve de
mediadora, é por via disto, como refere como refere FIRMINO (1987:12), que, as línguas apresentam estruturas que
representam o modo como as sociedades concebem e categorizam o mundo em cuja
função das estruturas se realiza na linguagem.
Na nossa cultura e visão do mundo como moçambicanos, tudo
o que passa a noite, dorme, ou seja, pernoitar e dormir, para nós não há
diferença, daí que se aceitem construções do tipo:
·
Matewu
a yetlelile ndleleni. [ Mateus
dormiu no caminho] PM & PE.
·
Vonani txurhi linga yetlela handle. [Vejam
o pilão que dormiu fora] PM vs PE [ ...almofariz que pernoitou...].
Portanto, a partir destes exemplos, podemos inferir que o PM, está mais ligado à nossa forma de pensar e conceber o mundo, o que é
secundado ferrenhamente por Sapir-Worf, ao defenderem a língua como condicionate da visão do mundo.
Cada língua apresenta suas peculiaridades, os enunciados
de um falante bilingue terão a tendência de manifestar transferências
linguísticas motivadas pela transposição dos elementos de uma das línguas do
conhecimento do referido falante, isto mostra-nos claramente que, as línguas
bantu não são tão culpadas, como muitos tendem a crucificá-las, pela actuação
errónea dos falantes moçambicanos, mas um fenómeno natural a qualquer falante
bilingue,
sem a mera necessidade de culpabilizarmos a nenhuma língua, pois, na esteira de
Firmino (ibd: 13), o uso de L2 não é mero
decalque da L1, é necessária uma categorização das estruturas linguísticas para
que o falante bilingue possa distrinçar as semelhanças e dissemelhanças entre
as línguas. Trata-se de um processo deficilmente realizável com perfeição,
pois existem domínios em que tal é praticamente impossível, o caso da
pronúncia. Para estes casos, a realidade moçambicana é um exemplo conseguido,
pois se podem notar estas perturbações não previstas no padrão em uso.
Os falantes do Emákhuwa tendem a ensurdecer as oclusivas bilabial e linguodental /b/ e /d/,
como referem Mateus, Freitas & Falé (2005: 83), realizando-as como /p/ e
/t/, isto porque na referida língua, estas oclusivas não existem, se bem que
ocorram em sons próximos a /p/ e /t/, oclusivas surdas.
Ex: Fui tepositar
o tinheiro no panco PPT. PM vs Fui depositar o dinheiro no banco BPD.
PE
Na zona sul do país há tendência de ensurdecer a oclusiva
velar /g/ quando precedida de uma sílaba em que
ocorra a oclusiva linguodental /d/.
Ex: Códico. [g]
e Nádeca. [g].
Ainda nesta região do país, os falantes não diferenciam a
pronúncia da vogal /e/ quando ocorre como tónica realizando-se como média
anterior [e] em palavras com acentuação gráfica com recurso a circunflexo.
Ex: Independência
[ε], Consequência [ε], sequência [ε], Consciência [ε], Crescência[ε]
no PM e [e] segundo a norma padrão, PM.
Nas aulas de português, os professores, de forma natural
e com segurança, pronunciam:
Lê [ε]
o texto da pág. 14. PM vs [e]. PE.
Você
[ε], saia já!.
Curiosamente, os mesmos professores, ao se referirem ao
nome Português, não cometem mesmos erros, neste caso pronunciam correctamente a
média anterior [e].
Para quem seja atento, diariamente ouvimos os artistas da
afinação nos semi-colectivos de passageiros a cidade de Xai-Xai entoando a
melodiosa canção: Chongoene Siyaya
Poiombo Chibôótu....!Chibôóto...!, ou por outra Mapôótu....! Mapôótu...!
O que observa é a tendência de substituição da vogal /u/
por /o/ pois, este permite a maior elevação da voz, comparativamente ao /u/, o
que lhe pode facilitar o alcance de passageiros que estaja, distantes, para
além de este discurso e pronúncia rimarem com o perfil desta actividade.
Em Moçambique, a distinção entre tu e você é
frequentemente neutralizada, e têm sido usadas duas formas alternadamente, ou você toma o lugar de tu. Uma consequência da neutralização da
diferença entre você e tu é a frequente confusão nos
correspondentes padrões de concordância gramatical, geralmente com o você a tomar as formas de concordância
que correspondem a tu.
a)
Você! Quem és você para gritar assim como se fosse um gorila! (um professor primário na EPC de Maguiguane,
Manjacaze).
Esta frase é exemplificativa das discordâncias que
caracterizam as construções com recurso a formas de tratamento tu e você.
Uma novidade é que, no tratamento formal, recorre-se ao
tratamento nominal como se pode notar na seguinte frase:
a)
Papá,
o papá gosta de maçaroca?
Em instituições, usam-se mais nomes como chefe, chefia,
patrão, etc.
Outro aspecto digno de registo é relativo aos nomes
atribuídos ao órgão tutelar das autarquias, que se tem designado de Conselhos Municipais [s], ora, segundo o
Dicionário de LP:
Con[c]elho –
n. m. Divisão Administrativa, subdivisão do distrito ~ Munícipio; Dicionário
Verbo Língua Portuguesa 2006.
Con[s]elho –
n. m. Acto ou efeito de aconselhar, de dar opinião, parecer, sugestão.
Grupo de pessoas que funcionam como instituição ou órgão
colectivo, de decisão ou de consulta em matéria política, administrativa
(pública ou privada). Podemos encontrar Conselho Científico, Administrativo, do
Estado, de Ministros, de Segurança etc.. Dicionário Verbo Língua Portuguesa
2006.
Ocorrem construções passivas estranhas no PM, como
podemos verificar nos exemplos seguintes:
Eu
fui dado um rebuçado. PM vs
Foi-me dado um rebuçado. PE
Supõe-se que um sujeito que na activa correspondente desempenha
a função de Objecto Indirecto e não de Objecto directo, [deram-me um rebuçado].
Constatam-se ainda construções em que o conector
[enquanto] é usado erroneamente como concessivo.
a)
O
João foi perguntado a que partido
pertencia. PM vs Foi-lhe perguntado a que partido pertencia/ foi perguntado
sobre a que partido pertenciam.
Peres & Móia (1995: 228) referem que quando o argumento que representa o conteúdo ou tema da pergunta é
introduzido pela preposição sobre, são
possíveis as passivas em que o argumento correpondente ao destinatárioé
realizado como sujeito.
b)
A mamã me
bateu enquanto não tenho culpa. PM
vs A mamã bateu-se embora/ ainda que
não tivesse culpa.
Para além do uso impróprio da conjunção temporal/
contrastiva, encontram-se ainda patentes anomalias que se prendem com a
colocação indevida do pronome clítico[4]
[me], que devia ocorrer na posição pós-verbal, ocorre na posição enclítica, o clítico, na frase declarativa positiva,
BERGSTRON & REIS (1999:82).
Em algumas construções, o sentido é captado a nível
pragmático, sendo que, o falante infere que não deva interpretar os dizeres de
forma literal.
Ex: Eu tenho cabeça. PM. Querendo dizer: estou com dores
de cabeça. PE
Ex: Eu como muito.
Muito-muito quando é carne.
Sabe-se que: na
língua portuguesa não é possivel a reduplicação do advérbio muito, mas nas LB
isto é um dado adquirido, Firminio (ibdem).
Em palavras cuja última vogal é /z/ realizando-se em [ʃ],
quando ocorrem no plural, não de verifica o acréscimo do sufixo “es”, tomamos
como exemplo:
“(...) há
jornalistas capaz (es) de dizer que
Lucky Dube morreu de malária...”, Ziqo in Fala a verdade.
“Estamos muito feliz por este casamento”, um casal na
conservatória dos registos e notariado de Manjacaze.
Para além destas irregularidades, tem-se verificado em
alguns falantes, a criação de uma variação/ flexão em número e género do
advérbio “muito”em que deparamos com construções do tipo:
Ex:1, uma rapariga, ao tentar alogiar-se diz: eu sei de que sou muita bonita. Mas também pode-se dar o caso de: estamos muitos zangado.
Ora, na primeira frase, para além da variação desviante
do advérbio muito, ocorre um fenómeno
de dequeísmo que, na prescrição de
Mateus et all (2003: ) é o fenómeno de
ocorrência frequente da preposição [de]
antecedendo a completiva finita, quando as propriedades do núcleo lexical que a
selecciona, não a justificam.
Podemos ainda deparar com os problemas de transitivização dos verbos prepositivos de deslocação:
a) * O Sr. professor entregou [SN o chefe da turma] as
convocatórias dos nossos colegas. [= (SP ao chefe da turma)]
b) * As nossas amigas trouxeram [SN a minha
colega] presentes. [=(SP à minha colega)].
Como se
vê, ocorrem construções de duplo objecto, que
não são mais do que efeitos sintácticos dessa modificação lexical, de estrutura
argumental dos verbos, Faria et all (1996: 314), sendo que, ocorre a
transitivização do verbo passando a seleccionar dois SN’s [ V SN SN], em vez de
um SN OD e um SP.
Causas
das transformações
Estas transformações não
se explicam somente através da influência das línguas africanas, Firmino
(ibd: 21), mas existem outras causas como passamos a mencionar:
a)
Quando
um falante vive num meio onde um determinado desvio ocorre com muita
frequência, corre o risco de produzir frases desviantes;
b)
Os
desvios que, aparentemente não se podem imputar à influência das linguas em
coexistência com o português resultam do deficiente domínio do funcionamento
das estruturas do português;
c)
Alguns
destes desvios podem surgir da própria complexidade do sistema linguístico,
pois, em qualquer língua, existem sempre estruturas cuja realização apresenta
dificuldades.
Que
fazer destas alterações/ transformações!?
O Português falado em Moçambique está a sofrer sérias
tranformações em diferentes campos, porém, devemos tomar um pouco de precaução,
sob o risco de nativizarmos uma língua cada vez mais distante de uma
homogeneidade (sabe-se que não existe homogeneidade pura) pois, já o mesmo
emergente PM regista diferentes variações, a nível interno, devido à
diversidade das línguas com as quais coexiste, que mesmo sendo do mesmo grupo,
e apresentando caracteristicas comuns, as influências que trazem ao PE são
diversos e imensuráveis.
Compreender essa transformação
do Português significa admitir que o Português falado em Moçambique se venha a
transformar na sua estrutura, no seu léxico, na sua pronúncia, no seu ritmo, na
sua musicalidade, à medida que se afeiçoar ao que será a expressão da nossa
‘moçambicanidade, Gonçalves (2005: 7).
Esta problemática (a de
criação do PM) é que suporta as tentativas de criação de uma “independência”
linguística através da nativização do PM, como aconteceu no Brasil, pois,
trata-se de um país que constitui um exemplo de superação. Entretanto, o Brasil
teve esta iniciativa logo após a independência, pois, o movimento
independentista brasileiro fez com que muitos intelectuais defendessem que a
autonomia política brasileira tinha que ser acompanhada por uma brasileirização
do português, porque só assim se caminharia para a criação de uma nação
original.
Façamos
uma comparação com o contexto moçambicano, veremos que só a partir dos anos 1989 é que aparecem as makhosazanas da Cátedra de língua (Gonçalves, Mendes, Siopa, etc,) juntamente com os seus
afilhados (Chimbutane, Firmino, Machungo, etc) a trazerem reflexões sobre a
criação deste PM, mas forçados pela situação de total abandono à regra. Mas
nunca é tarde, e na perspectiva de Bila (2012: 9):
A nossa missão é desmascarar
todas as armadilhas intelectuais, discursivas e humanitárias dos
Neo-colonialistas. Exige-se, hoje, dos jovens, mais conhecimento e domínio
científico-tecnológico; mais conhecimento sobre a História; mais conhecimento
sobre a economia e, sobretudo, mais conhecimento de si mesmo, das suas raízes,
das suas capacidades, das suas potencialidades, do valor da cultura de seu povo
e do trabalho para vencermos esta batalha que não é fácil.
Perante este fenómeno, devemos sim nativizar o Português,
aceitando as transformações, mas prestemos atenção para o facto de algumas
alterações serem controláveis, e com accionamento de mecanismos próprios serem
ultrapassadas, pois, nem tudo o que se traz ao português constitui riqueza, de
certa forma retira a pureza linguística, e a componente regente da comunicação.
Dimensões do Processo de Nativização do Português
O processo de nativização do português compreende duas dimensões: uma sócio-simbólica, com a emergência de novas atitudes e ideologias sociais face ao uso da língua; outra linguística, com o desenvolvimento de novas formas de uso da língua, Firmino (2000: 11).
O processo de nativização do português compreende duas dimensões: uma sócio-simbólica, com a emergência de novas atitudes e ideologias sociais face ao uso da língua; outra linguística, com o desenvolvimento de novas formas de uso da língua, Firmino (2000: 11).
Sócio-simbólica
À medida que a ideologia oficial promove o português como língua oficial e língua de unidade nacional, a consciência da importância dos valores sócio-simbólicos ligados a esta língua é mais consolidada. Por esta razão, o português poderá ser actualmente um dos símbolos que é amplamente reconhecido pelos moçambicanos para marcar a unidade nacional e através do qual a ideia de nação é imaginada e vivida, especificamente entre os moçambicanos em geral, não se restringindo às elites, ou zonas urbanizadas.
À medida que a ideologia oficial promove o português como língua oficial e língua de unidade nacional, a consciência da importância dos valores sócio-simbólicos ligados a esta língua é mais consolidada. Por esta razão, o português poderá ser actualmente um dos símbolos que é amplamente reconhecido pelos moçambicanos para marcar a unidade nacional e através do qual a ideia de nação é imaginada e vivida, especificamente entre os moçambicanos em geral, não se restringindo às elites, ou zonas urbanizadas.
Mudança
linguística
Do mesmo
modo que o português no Moçambique independente está a adquirir novas funções
sociais, está também a desenvolver características estruturais e retóricas
típicas. O desenvolvimento dessas características é, contudo, uma continuação
de um processo que começou antes da independência. o uso do português
alargou-se e os sinais da sua moçambicanização expandiram-se. Porém, os mecanismos que haviam contribuído para a aprendizagem
e reforço do padrão linguístico se alteraram, dando origem à proliferação de
novas formas linguísticas.
Aceitar
esta variante, não implica necessariamente ficar-se passivo a todas as
irregularidades cometidas na língua, em nome da representação da nossa cultura,
ou seja, que não sirva de trincheira ou refúgio para os erros crassos e
gritantes que se verificam, correlação a palavras que, mesmo no contexto
moçambicano são distintas, porque estaríamos a desmoronar um império ainda em
construção/ inacabado. É nesta perspectiva que apresentamos algumas dicotomias
que possam dividir pensamentos:
Questões
retóricas:
ü
Será
criação de um Português Moçambicano, ou fuga com seringa no rabo!? Porque,
qualquer construção errônea detectada nos falantes moçambicanos, é um suporte
da suposta construção dum PM, será que a variação linguística ocorre a partir
de selecção e aprovação de irregularidades ou desvios à norma padrão.
ü
Como
o professor poderá lidar com este dilema, se os programas e livros didácticos
vêm em PE, e traduzem regras do padrão, mas tendo de aceitar desvios?
ü
Qual
seria o papel da Universidade e dos académicos, enquanto forem os primeiros a
se conformar perante esta realidade, se estivermos recordados do papel das
academias: ..., a Universidade tem um
papel primordial no processo de desenvolvimento humano, porque ela prepara,
primordialmente, a geração de hoje para cuidar de uma geração ainda não
nascida, Lima (s/d). Se a Universidade não consegue solucionar este
problema quem o fará? A não que seja esta uma solução bem conseguida, [está
correcto no contexto moçambicano].
Que seria útil para a construção de um Português Moçambicano?
Depois de tantos exemplos e informações relativas a mudanças e até variações linguísticas da Língua Portuguesa em Moçambique, achamos que, os neologismos provindos das LB’s através dos empréstimos lexicais que vêm enriquecer a lexicologia do Português, na medida em que vão designar realidades ainda inexistentes na Língua Padrão, é que são exemplo inequívoco e conseguido da construção do PM, e como refere Schimdt-Riese (s/d), ocorreria a nativização através da reoperacionalização, que trata de modificações do sistema devidas às novas necessidades comunicativas, emergentes na comunidade, tratando-se de um processo monitorado tanto pelo falante tanto pelos gramáticos/ linguístas ou professores de língua.
Depois de tantos exemplos e informações relativas a mudanças e até variações linguísticas da Língua Portuguesa em Moçambique, achamos que, os neologismos provindos das LB’s através dos empréstimos lexicais que vêm enriquecer a lexicologia do Português, na medida em que vão designar realidades ainda inexistentes na Língua Padrão, é que são exemplo inequívoco e conseguido da construção do PM, e como refere Schimdt-Riese (s/d), ocorreria a nativização através da reoperacionalização, que trata de modificações do sistema devidas às novas necessidades comunicativas, emergentes na comunidade, tratando-se de um processo monitorado tanto pelo falante tanto pelos gramáticos/ linguístas ou professores de língua.
ü
A reoperacionalização
induz e provoca toda uma série de variações e mudanças que podemos considerar
relativas do ponto de vista sintáctico, mas que tocam profundamente as
estruturas da língua do ponto de vista pragmático e semântico.
ü
Ademais,
um argumento importante que defende a nativização do português tem mais a ver
com a incorporação de traços tais como elementos lexicais e modelos
comunicativos que invocam a nova economia
política em que são usados do que com a subversão
dos padrões gramaticais europeus.
ü
Agora,
relativamente a questões de variação fonético-fonológica, tem de se assegurar
que não tenha implicações na grafia, devendo o professor de língua assegurar
que os seus aprendentes prestem atenção à pronúncia, que pode não ser correcta,
conforme as particularidades de cada língua autóctene, mas a nível ortográfico
devem escrevê-las correctamente.
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