Tendo em vista uma melhor compreensão da intertextualidade
como fenómeno literário, nos é urgente relacioná-la a situações
vividas no nosso dia-a-dia. Vezes sem conta, ouvimo-nos fazendo alusão a algo
dito por alguém do nosso meio social, a discursos políticos, a factos
históricos, pensamentos filosóficos e até ditos populares. E, tal alusão é
normalmente revestida ou de intenções positivas ou de intenções negativas. O
que significa que essa alusão feita a tal facto ou manifestação visa,
essencialmente, “exibir” até que ponto estamos pró ou contra determinada
postura.
É
mais ou menos desta forma que a intertextualidade se manifesta entre as
diversas manifestações artísticas como: música, Pintura, Teatro, Cinema,
Literatura, etc. No entanto, ao abordarmos este conceito tencionamos
referirmo-nos a ele, no que concerne à sua natureza e às maneiras através das
quais se manifesta no seio da actividade artística em geral e da Literária em
particular.
Intertextualidade
(noção de texto)
Em
primeira fase, é fundamental ter em conta que texto é entendido como toda a
unidade de produção de linguagem situada, acabada e auto-suficiente do ponto de
vista de acção ou da comunicação: (Bronckart, 1999).
Abordamos
o conceito de texto porque a intertextualidade é um fenómeno constitutivo da
produção do sentido e pode-se dar entre textos expressos por diferentes
linguagens: (Siha, 2002).
A
intertextualidade se dá, pois, tanto na produção assim como na recepção da
grande rede cultural de que todos participam. É daí que temos situações em que,
filmes retomam filmes, quadros que dialogam com outros, romances que se
apropriam de formas musicais, tudo isso são textos em diálogo com outros
textos.
Desta
forma um texto é sempre oriundo de outros textos orais ou escritos. É onde se
nota a presença do intertexto.
O
intertexto só funciona quando o leitor é capaz de perceber a referência do
autor a outros textos. Este recurso assume papéis distintos conforme o contexto
no qual é inserido e, a ocorrência desse fenómeno, designa-se de
intertextualidade.
No
entanto, a pressuposta cultura geral relacionada ao uso deste mecanismo
literário deve, portanto, ser dividida entre autores e leitores.
Origem etimológica do
termo intertextualidade
Na
sua estrutura, a palavra intertextualidade apresenta “inter” que é de origem
latina referente a noção de relação (entre). Logo, a intertextualidade é a
propriedade de os textos se relacionarem.
Segundo
Aguiar e Silva (1990) intertextualidade é a interpretação semiótica de um texto
com outros.
Actualmente,
segundo Ana Lúcia Santana, intertextualidade é uma espécie de conversa entre
textos. Esta relação pode aparecer explicita ou implicitamente diante do leitor
nos mais diferentes géneros textuais.
A
intertextualidade apresenta-se explicitamente quando o autor informa o objecto
da sua citação. Num texto científico, por exemplo, o autor do texto citado é
indicado; já na forma implícita a indicação é oculta.
Entretanto,
em alguns casos podemos até chamar de imitação e não plágio.
Tipos de
intertextualidade
De
acordo coma natureza do intertexto, a intertextualidade pode ser: exoliterária
(quando o intertexto é constituído por textos não verbais ou não literários) ou
endoliterária (quando o intertexto é constituído por textos literários).
Embora
a intertextualidade endoliterária seja mais relevante em relação a
intertextualidade exoliterária, esta última, pode apresentar em muitos casos
uma importância de primeiro plano. Pois, algumas obras historiográficas
desempenham uma função valiosa na produção do texto épico, romances, etc.
Formas de intertextualidade
(são sete, mas apenas abordamos três)
Epígrafe:
Quando
um pequeno trecho de outra obra, ou mesmo um título é retomado, guardando com
ele alguma relação mais ou menos oculta. Entre as várias situações em que a
epígrafe ocorreu, podemos resgatar a do poema da autoria de Rui de Noronha que
é o resgate do título “ Surge et ambula” do poema do poeta português Antero de
Quental.
Paráfrase:
O
termo paráfrase é originário do grego para-phrasis (que significa:
repetição de uma sentença), constitui-se na recriação textual, tendo como
suporte um texto-fonte. Ao parafrasearmos um texto, estamos atribuindo-lhe um
novo “rosto” discursivo, embora mantendo a mesma ideia veiculada no texto
original.
Exemplo:
Minha
terra tem palmeiras
Onde
canta o sabiá,
As
aves que aqui gorjeiam
Não
gorjeiam como lá
(Gonçalves
Dias, “Canção do exílio”)
Paráfrase
Meus
olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha
boca procura a “Canção do exílio”?
Eu
tão esquecido minha terra…
Ai
terra que tem palmeiras
Onde
canta o sabiá!
(Carlos
Drumond de Andrade, “Europa, França e Bahia”)
Podemos
notar, no entanto, que Carlos Drumond de Andrade, pertence ao movimento
modernista brasileiro e baseou-se na citação de Gonçalves Dias,
apresentando-nos uma outra versão, porém com o mesmo discurso poético.
Paródia
A
paródia é também uma forma de recriação de um texto, contudo, reveste-se de um
carácter contestador voltado para a crítica, muitas vezes pejorativa.
Há
uma ruptura com as ideologias impostas. Ocorre um “choque” de interpretação, o
teor do texto original é retomado para transformar seu sentido.
Os
programas humorísticos fazem uso contínuo dessa arte, frequentemente os
discursos políticos são abordados de maneira cómica e contestadora, provocando
risos e também reflexões a respeito da demagogia praticada pela classe
dominante.
Exemplo
Oh!
Que saudades que tenho
Da
aurora da minha vida,
Da
minha infância querida
Que
os anos não trazem mais!
Que
amor, que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras
Á
sombra das bananeiras,
Debaixo
dos laranjais!
(Casimiro
de Abreu: “Meus oito anos”)
Paródia
Oh
que saudades que eu tenho
Da
aurora de minha vida
Das
horas
De
minha infância
Que
os anos não trazem mais
Naquele
quintal de terra!
Da
rua de Santo António
Debaixo
da bananeira
Sem
nenhuns laranjais
(Oswald
de Andrade: “Meus oito anos”)
Aqui
percebe-se que a intenção de Oswald de Andrade foi a de criticar o romantismo e
o sentimento nacionalista revelados pelas palavras de Casimiro de Abreu. Mesmo
porque o ideário modernista perfez-se por um repúdio aos moldes anteriormente
adoptados por outros artistas, principalmente aqueles que compuseram o
Romantismo e o Parnasianismo.
Nota final:
O
texto literário é um palimpsesto (Antigo material de escrita, usado, em razão
de sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes mediante raspagem do texto
anterior). O autor antigo escreveu uma “primeira” vez depois sua escritura foi
apagada por algum copista que recobriu a página com um novo texto, e assim por
diante. Textos primeiros inexistem tanto quanto as puras cópias; o apagar não é
nunca tão acabado que não deixe vestígios, a invenção, nunca tão nova que não
se apoie sobre o já escrito. (SCHNEIDER, 1990, p. 71).
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