A expressão latina “#Amor_Fati” que significa “amor ao destino” foi um dos objectos de reflexão dos grandes filósofos como Frederich Nietszche, Epictetus, Marcus Aurélio e Albert Camus.
Ignorando algumas nuances, pode assumir-se uma convergência
de pensamentos desses filósofos na concepção do “Amor Fati” como aceitação do
homem ao seu destino, mesmo sendo feito de tragédias, contrariedades e
boaventurança.
Segundo Nietszche, tal aceitação do destino ou da vida, sem
jamais desejar que ela fosse diferente do que necessariamente ela é, somente um
espírito altamente evoluído é capaz de propor-se.
Sendo assim, Amor Fati, em termos hegelianos, pressupõe que o
indíviduo chegue à libertadora consciência de que o que é é o que deveria ser,
e o que deveria ser é o que é. Isto é, tudo acontece de maneira necessária na
vida, seja o mal ou o bem. E aceitar essa condição lógica sem indignação, mas
sim com entusiasmo, equivale a nutrir o Amor Fati.
A tal entendimento de “Amor Fati”, pode chegar-se por meio da
filosofia ou por meio da arte, como atesta a canção do saudoso artista
moçambicano Avelino Mondlane com título “Mamana Wanga” cuja letra e respectiva
tradução passo a transcrever:
Mamana wangoo,
loku ni drila, ni drila ha weni (2x)
- Minha mãe, quando choro, choro por ti!-
A tixaniso ta missava nita tiyisa kamani? (2x)
- O sofrimento do mundo a quem vou responsabilizar?-
Nambi ungo drila mwananga, nfanelo yaku iku hanha la misaveni
(2x)
-Ainda que chores, meu filho, a tua obrigação é viveres aqui
no mundo-
Kufana nimu nwana nimu nwanhana a anhyaka la misaveni (2x)
- À semelhança de um e outro que vivem aqui no mundo –
Uma breve letra, mas existencialmente profunda. Agora,
passemos a uma análise para entendermos de que maneira a tocante canção
expressa a ideia do Amor Fati.
Temos no primeiro verso um filho em lamúrias perante a mãe,
tal como nos é típico invocarmos a figura de mãe em momentos de tristeza e
desespero. No segundo verso, o filho pergunta à mãe "a quem podemos
responsabilizar pelas dores deste mundo?" tal pergunta denúncia uma
angústia e esperança simultâneas, pois subentende-se que caso seja encontrado o
eventual responsável pelos males do mundo possa ser julgado e condenado e com
isso o sofrimento do mundo cessar.
Entretanto, a mãe não lhe tem resposta para sua inquietante
pergunta. Apenas, se limita em fazer-lhe entender que não há outro meio
conveniente, senão viver a vida e as suas dores tal como outros seres humanos o
fazem. Em outras palavras, a mãe encoraja o filho a ter de aceitar o destino e
as suas vicissitudes, trazendo o fundamento de que não é somente ele quem sofre
no mundo, havendo tantas pessoas na mesma condição.
A sua mãe poderia ter-lhe feito companhia no seu choro,
poderia ter-lhe sugerido uma assistência psicológica, talvez, religiosa ou
mesmo recomendado o suicídio - uma forma que tem sido usada por gente deprimida
para pôr termo ao sofrimento da vida. Porém, ela simplesmente optou por dar-lhe
doses de realismo cru e nu de que a vida tem de ser vivida a todo o custo,
mesmo tendo dores e adversidades.
Numa apóstrofe, como que fizesse uma oração, o artista pede a
si mesmo que tenha respeito e amor nas relações interpessoais, de modo a
influenciar a sua sorte na vida.
Desta forma, o conselho do artista moçambicano Avelino Mondlane é deveras um espelho de Amor
Fati. É o reflexo duma mentalidade transcendental que definitivamente apreendeu
o espírito fenoménico que governa o mundo desde os princípios sob a dicotomia
do bem e o mal.
Desde o início da vida no mundo, o mal e o bem sempre
estiveram co-presentes, diferendo apenas de intensidade. Ora, um criando
condições para que o outro se notabilizasse, como se os dois fossem ligados por
um fio de necessidade.
Projectar, portanto, um mundo de seres humanos desprovido do
mal ou do bem é insustentavelmente utópico. A vida é, foi e será sempre assim.
Aceitar este facto lógico e decidir viver
a vida na mesma com entusiasmo de quem se sente mais vivo num jogo onde
há dor e prazer e o fim é sempre a morte, isso não deve ser olhado como
simplesmente um acto de suportar a vida, mas uma acto de amá-la, tal como
prescreve o Amor Fati. A canção "mamana wanga" deste humilde cantor
afigura-se veementemente um apelo estóico à humanidade para encarar a vida com
as suas dores e contrariedades e, mesmo assim, dar-lhe um abraço.
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Referência
discográfica:
Artista: Avelino
Mondlane
Canção: Mamana wanga
Álbum: Uniukwele
Edição: J & B
recordings, 2002
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