quarta-feira, 6 de julho de 2022

O Amor Fati na canção “Mamana Wanga” de Avelino Mondlane – uma breve análise filosófica!

 

A expressão latina “#Amor_Fati” que significa “amor ao destino” foi um dos objectos de reflexão dos grandes filósofos como Frederich Nietszche, Epictetus, Marcus Aurélio e Albert Camus.

Ignorando algumas nuances, pode assumir-se uma convergência de pensamentos desses filósofos na concepção do “Amor Fati” como aceitação do homem ao seu destino, mesmo sendo feito de tragédias, contrariedades e boaventurança.


Segundo Nietszche, tal aceitação do destino ou da vida, sem jamais desejar que ela fosse diferente do que necessariamente ela é, somente um espírito altamente evoluído é capaz de propor-se.

Sendo assim, Amor Fati, em termos hegelianos, pressupõe que o indíviduo chegue à libertadora consciência de que o que é é o que deveria ser, e o que deveria ser é o que é. Isto é, tudo acontece de maneira necessária na vida, seja o mal ou o bem. E aceitar essa condição lógica sem indignação, mas sim com entusiasmo, equivale a nutrir o Amor Fati.

A tal entendimento de “Amor Fati”, pode chegar-se por meio da filosofia ou por meio da arte, como atesta a canção do saudoso artista moçambicano Avelino Mondlane com título “Mamana Wanga” cuja letra e respectiva tradução passo a transcrever:

 

Mamana wangoo, loku ni drila, ni drila ha weni (2x)

- Minha mãe, quando choro, choro por ti!-

 

A tixaniso ta missava nita tiyisa kamani? (2x)

- O sofrimento do mundo a quem vou responsabilizar?-

 

Nambi ungo drila mwananga, nfanelo yaku iku hanha la misaveni (2x)

-Ainda que chores, meu filho, a tua obrigação é viveres aqui no mundo-

 

Kufana nimu nwana nimu nwanhana a anhyaka la misaveni (2x)

- À semelhança de um e outro que vivem aqui no mundo –

 

Uma breve letra, mas existencialmente profunda. Agora, passemos a uma análise para entendermos de que maneira a tocante canção expressa a ideia do Amor Fati.

Temos no primeiro verso um filho em lamúrias perante a mãe, tal como nos é típico invocarmos a figura de mãe em momentos de tristeza e desespero. No segundo verso, o filho pergunta à mãe "a quem podemos responsabilizar pelas dores deste mundo?" tal pergunta denúncia uma angústia e esperança simultâneas, pois subentende-se que caso seja encontrado o eventual responsável pelos males do mundo possa ser julgado e condenado e com isso o sofrimento do mundo cessar.

Entretanto, a mãe não lhe tem resposta para sua inquietante pergunta. Apenas, se limita em fazer-lhe entender que não há outro meio conveniente, senão viver a vida e as suas dores tal como outros seres humanos o fazem. Em outras palavras, a mãe encoraja o filho a ter de aceitar o destino e as suas vicissitudes, trazendo o fundamento de que não é somente ele quem sofre no mundo, havendo tantas pessoas na mesma condição.

A sua mãe poderia ter-lhe feito companhia no seu choro, poderia ter-lhe sugerido uma assistência psicológica, talvez, religiosa ou mesmo recomendado o suicídio - uma forma que tem sido usada por gente deprimida para pôr termo ao sofrimento da vida. Porém, ela simplesmente optou por dar-lhe doses de realismo cru e nu de que a vida tem de ser vivida a todo o custo, mesmo tendo dores e adversidades.

Numa apóstrofe, como que fizesse uma oração, o artista pede a si mesmo que tenha respeito e amor nas relações interpessoais, de modo a influenciar a sua sorte na vida.

Desta forma, o conselho do artista moçambicano  Avelino Mondlane é deveras um espelho de Amor Fati. É o reflexo duma mentalidade transcendental que definitivamente apreendeu o espírito fenoménico que governa o mundo desde os princípios sob a dicotomia do bem e o mal.

Desde o início da vida no mundo, o mal e o bem sempre estiveram co-presentes, diferendo apenas de intensidade. Ora, um criando condições para que o outro se notabilizasse, como se os dois fossem ligados por um fio de necessidade.

Projectar, portanto, um mundo de seres humanos desprovido do mal ou do bem é insustentavelmente utópico. A vida é, foi e será sempre assim. Aceitar este facto lógico e decidir viver  a vida na mesma com entusiasmo de quem se sente mais vivo num jogo onde há dor e prazer e o fim é sempre a morte, isso não deve ser olhado como simplesmente um acto de suportar a vida, mas uma acto de amá-la, tal como prescreve o Amor Fati. A canção "mamana wanga" deste humilde cantor afigura-se veementemente um apelo estóico à humanidade para encarar a vida com as suas dores e contrariedades e, mesmo assim, dar-lhe um abraço.

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Referência discográfica:

Artista: Avelino Mondlane

Canção: Mamana wanga

Álbum: Uniukwele

Edição: J & B recordings, 2002

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