“(...) Halloween jogou o campeonato dele, enquanto os outros estavam numa liga, ele estava noutra em que só ele estava.”
Álvaro Taruma
A escrita é terra movediça. Caminhar sozinho, sem observar os outros pode ser bom. Mas pode, igualmente, ser fatal. Escolhe!
É curioso ter um texto com duas epígrafes, sobretudo quando estas são aparentemente antagónicas. A primeira surge no contexto de uma série de conversas que orientei em 2023 com cerca de 14 escritores. Um deles é Álvaro Taruma. Em certo momento da conversa, convidado a tecer considerações sobre um certo número de rappers que habitam o seu imaginário de referências, dentre várias, Taruma destaca a figura de Allen Holloween e refere que a sua admiração se prende ao facto de este ter conseguido firmar um estilo próprio do ponto de vista estilístico e composicional, num contexto em que muitos do seu tempo estavam orientados a uma certa forma de fazer Rap. É obra.
A segunda (epígrafe) não é tão oposta à primeira tanto quanto pode sugerir uma leitura apressada. Na verdade, são complementares. Uma coisa é andar sozinho pelo simples prazer de andar sozinho. Outra, bem diferente, e fazê-lo com consciência disso após uma observação minuciosa da trajetória dos outros. Este último caso coincide com a situação descrita sobre Halloween. Trata-se de um cálculo. Um objectivo propositado. Pensado. Repensado. Questionado. Assumido, após a avaliação de prós e contras.
Engana-se quem pense que seja um exercício fácil. Em geral, quando se faz parte de um grupo, uma comunidade (em outras circunstâncias, chamaríamos de formação sociodiscursiva) há sempre um modismo cultivado por quem fala mais alto. Define as rédeas. Faz crer que aquele é o caminho infalível. O resto são becos sem saída. Não levam a nenhum lado. É preciso ter muita maturidade não só artística, mas, também, pessoal (ou, se calhar, intelectual) para seguir firme no seu caminho.
Os modismos de época matam grandes génios muito antes deles terem consciência da sua genialidade. É tão pura a poesia dos primeiros anos de escrita e tão violenta a crítica para com essa pureza. Chega sempre um “iluminado” que diz “isso não dá, faça isto conforme X”. Não chega a usar a expressão, mas, no fim, a mensagem é a mesma: “isto é o que está a bater”.
Estes modismos não são males por si só. Significam o entendimento da maioria sobre o que vem a ser arte em certo tempo, para certo grupo, em certo lugar ou circunstância condicionada por vários factores, até de ordem (geo) política. É curioso como a arte suga tanta “sujeira ideológica” que não lhe é directamente inerente, mas não é surpreendente: a arte é vida, e onde há vida, há “sujeira ideológica”, porque mesmo a própria ausência de ideologia é, já, uma “sujeira ideológica”.
Resistir a isso, conforme disse acima, exige maturidade pessoal, intelectual e criativa, porque, geralmente, os modismos canonizam-se por certo tempo. Ganham forma através de patrocínios, apadrinhamento, abertura de holofotes e outro tipo de flores. É muito difícil resistir a isso. Mas é possível, desde que se tenha um compromisso próprio com que se quer fazer e uma constante busca de conhecimentos e de argumentos para se situar e seguir firme no seu trajecto. Com o tempo, as flores virão.
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