Há qualquer coisa que me intriga nos professores. Parece ser a classe de profissionais que mais se envolve em actividades de transformação da nossa sociedade na dimensão política e social, sobretudo. Não saberia dizer se tais acções são positivas, patrióticas, pertinazes, inglórias ou fraudulentas. O facto é que são acções vistas por todos nós. Ou mais, de uma forma ou de outra, impactam nas nossas vidas, incluindo em dimensões das quais eles próprios se queixam. Cabe, a título de exemplo, mencionar a qualidade de ensino; as dificuldades de leitura e escrita; a iliteracia digital; acções fraudulentas dentro e fora do contexto escolar.
É exactamente neste quesito que o título deste texto encontra chão fértil para ganhar vida e gerar frutos.
O facto é que nestes
tempos de escassez de profissionais apaixonados por aquilo que fazem e
comprometidos com o juramento que fizeram para com o estado (nosso bem maior),
temos de aprender a incentivar os outros a usarem as suas energias para coisas
positivas. Uma delas é a difusão da nossa produção literária a partir da
primeira década deste milénio até a dos dias de hoje. Ainda temos um desafio,
que, a cada ano, atinge proporções alarmantes.
Até pode ser tarefa
de todos os professores, sobretudo os das ciências humanas. Mas podemos
reservar este exercício aos das ciências de linguagem, mais especificamente os
da disciplina de português.
Lembro-me
perfeitamente da forma como desenvolvi o gosto pela leitura e, mais tarde, pela
escrita. As memórias são de exemplos domésticos, mas as maiores referências são
de sessões de interpretação de texto com aquela velha questão: "de que
fala o texto?" Sobre o mérito ou demérito desta questão, conversaremos
noutros dia. Pelo menos, desse exercício, valeu-me a possibilidade de consumir
um dado texto até à exaustão, durante semanas, tanto que, até hoje, alguns
deles habitam o meu imaginário. Era
interessante.
Em 2023, através de
uma série de entrevistas que fiz a 14 escritores que começaram a publicar a
partir da primeira década deste milénio, percebi que todos eles partilham
comigo esta relação com os livros através do contexto escolar, muitos deles
pela já conhecida deficiente circulação do livro em Moçambique. Embora não
fosse o meu interesse naquele atrevimento, deu para perceber que os seus
professores de português fizeram uma revolução diante das dificuldades que
existiam: se não havia condições para a circulação do livro nas condições
desejáveis, eles fizeram os textos circularem.
Devo aclarar, porém,
que não me refiro à circulação do livro escolar, porque esse chegava em boa
parte das escolas no início do ano lectivo. Refiro-me, sim, ao livro produzido
pelas editoras já tradicionais no nosso meio e pelas independentes, que a cada
dia surgem. O que é bastante positivo.
Há, nisso, um mérito
a dar ao então Ministério da Educação, através do Instituto Nacional para o
Desenvolvimento da Educação (INDE). A selecção de textos que era feita nos
permitia ter acesso a uma amostra de textos da literatura moçambicana e não só.
Em um semestre era possível guardar boas referências de textos para ler em
tempos de lazer, recitar em datas comemorativas, ou mais engraçado ainda:
recitar para uma musa qualquer. Bons tempos aqueles!
Ademais, não nos eram
estranhos os nomes de escritores, tanto que quando passamos para o ensino
superior, com bibliotecas mais apetrechadas e um acrescido nível de acesso aos
textos integrais desses escritores, a convivência foi plena. Havia sinais de se
ter garantido a cadeia de valor do livro.
Noto, hoje, que temos
desafios nesta vertente. Portanto, se os professores têm tanta energia para
diversas actividades de cariz sócio-politico, julgo que possamos usar esta
energia para o bem do nosso sistema literário.
Primeiro:
começaríamos pelos técnicos do INDE. Mesmo que não sejam professores em
exercício, poderiam fazer um esforço de ler o que se escreve de 2000 até esta
parte, de forma a encontrarem uma amostra significativa para incluir nos
manuais que circulam pelas escolas. Não vá isso significar a retirada de textos
de autores já consagrados. Não é isso que estou a dizer. O exercício seria de
incluir novas peças nesse xadrez. Temos bons prosadores e poetas que andam por
aí empoeirados pelas prateleiras quando deviam habitar o imaginário dos nossos
alunos nas escolas.
Segundo: os nossos
professores de Português podem, a seu modo e circunstância, introduzir textos
de novos autores em suas aulas, sem perigar o que vem plasmado nos programas de
ensino dessas disciplinas, do ponto de vista de tratamento da gramática do e no
texto. A partir desta medida individual por parte de cada professor,
deixaríamos de alimentar os nossos alunos com os mesmos "elefantes
brancos" que há décadas habitam os nossos manuais. Com isso, haveria
alguma sensatez naquelas perguntas colocadas nos exames: "de quem é o
livro X ou Z", num contexto em que as alternativas estão pejadas de
ilustres desconhecidos, pelo menos no imaginário dos alunos. Para bem dizer,
aquelas perguntas, na dimensão em que são colocadas, são pegadinhas de muito mau
gosto.
Em síntese, além do
alvoroço de festivais e feiras que nos é útil até certo ponto, estas
iniciativas poderiam prestar um serviço muito melhor ao nosso
"sistema". Claramente, isso não garantiria uma fila de gente para
comprar o livro no dia do lançamento, mas faria com que o escritor ganhasse
potenciais leitores: existe melhor ganho para um escritor além de ser lido? De
que adianta ganhar prémios e não ser lido? De que nos vale vender muitos
livros, sem sermos lidos, no verdadeiro sentido? Uma coisa é alguém ler o texto
e endereçar uma mensagem ao escritor a dizer que gostou disto e daquilo, com
palmadinhas nas costas à mistura. Outra, bem diferente, é ser lido e ter a
possibilidade de mudar visões de mundo, ainda que seja na dimensão estética da
coisa. De que nos valem tantas viagens que nos fazem ter aquelas reacções da
pequenada: "hoje peguei um escritor", quando, no dia seguinte, a
mesma pequenada é remetida a ler os mesmos textos que circulam há já 3
gerações?
São muitas perguntas
para uma só resposta: usar a nossa energia para prestar um serviço muito melhor
às próximas gerações.
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