"Nunca tive de ouvir o hip-hop tuga para o fazer." Inicio a minha intervenção com esta frase de Sam The Kid, um rapper português que tem muito a dar aos poetas da minha terra e geração. Entre excessos de egotriping, há, nesta frase, uma verdade. Não é coisa que se possa buscar e aplicar ao contexto da escrita e dizer, com bastante infelicidade, que nunca se leu literatura para a fazer. Seria inglório, para não dizer pior.
Sei que há muitos casos de poetas/escritores que têm uma relação umbilical com o rap e um contacto mais tardio com a literatura. Embora eu seja defensor deste fundamento para subsidiar relações intertextuais entre a escrita desta geração com o rap, isso não quer dizer que assuma a ideia de alguém dizer que nunca leu os outros para escrever: não é uma declaração honesta.
A partir da tenra
idade, no primário ou antes disso, somos submetidos a contactos com diversos
géneros textuais e consciente ou incoscientente vamo-nos apropriando do feitio
desses tais géneros, ainda que seja na sua dimensão estrutural. Saber que o
texto poético tem verso, rima, estrofe, etc. (embora a nossa visão, hoje, seja
diferente) é suficiente para rever essa ideia de nunca se ter lido literatura
para a fazer. Bem ou mal, querendo ou não, há uma tradição comoposicinal e/ou
discursiva que retomamos nos nossos textos. Só esse facto, é revelador de um
contacto prévio com a literatura.
Deixando isso à
parte, uma verdade incontestável nisto tudo e que norteia o título deste texto
é que "não precisas de estudar literatura para fazeres literatura".
Se esta ideia tivesse
sido difundida em diversas instituições do ensino secundário, provavelmente não
tivéssemos tantos jovens com diplomas de cursos de letras, sobretudo do
primeiro ciclo do ensino superior. Há uma ideia que se desenvolve nos
corredores da secundária, segundo a qual se gostas de poesia e afins, tens de
fazer um curso de literatura moçambicana, linguistica, ensino de português ou
algo relacionado. Ledo engano!
Os planos
curriculares destes cursos, compreendem disciplinas relativas a estudos
linguísticos e outras concernentes aos estudos literários. Estas disciplinas
não estão vocacionadas a um trabalho oficinal de produção de textos na dimensão
criativa, mas a uma teorização que oferece ferramentas de análise de diversos
géneros do discurso literário e não só. Pode haver um e outro trabalho oficinal
surgido da criatividade e interesse de quem lecciona, mas, em síntese, o fim
máximo é dar ferramentas para um exercício de metalinguagem.
É exactamente com o
aguçar dessa sensibilidade que os bloqueios para a criatividade necessária no
domínio da produção surgem e assombram quem deseja escrever: é Roman Jacobson a
dizer "isto sim, isto não"; é Todorov a dizer "se fizer isto, a
consequência será aquela"; são as gramáticas a dizerem que "isto dá,
aquilo não dá", enfim.
Lembro-me, agora, da
frase "Ignorance is bliss." Não sei, ao certo, quem a terá produzido,
mas há suspeitas de ter sido Thomas Gray, um poeta inglês do século XVIII. É
antiga. Reenvia-nos à ideia de que em algumas circunstâncias é mais vantajoso
não ter conhecimento sobre algo. Surge disso, uma felicidade inocente, sem
preocupações de "isto dá, ou não dá".
Parecendo que não, é
dessa falta de preocupação que surgem os grandes génios porque através da sua
falta de compromisso com o já estabelecido, conseguem, de forma consciente ou
não, tomar o seu lugar como "game changers" do seu tempo.
Deve-se dizer,
contudo, que neste exercício não há garantias: através dessa inocência, é
possível produzir textos reles ou belos. Mas, igualmente, através da
consciência que se tem sobre o que se está a fazer, é possível produzir textos
reles ou belos. Neste último caso, isso só acontece quando se consegue ter a
capacidade de "separar" os momentos: o da metalinguagem e o da
produção literária propriamente dita. Parece uma controvérsia, mas não é. Em
muitos casos, quem consegue "combater o sistema, é quem está dentro desse
sistema ou tem domínio sobre o seu funcionamento".
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