Cá entre nós, ninguém pensa nestas coisas. É muita
trigonometria, morfemas, pontos de fuga e tantas equações quadráticas desta
vida que na prática não nos servem objectivamente.
“Se eu soubesse. Se eu soubesse”. Repetira pela noite
adentro como se tal se tratasse de um terço.
Sancho Winani fora sempre um estudante dedicado. É na escola que o farol acendia para que a vida fizesse sentido debaixo dos olhos do Senhor. Estudar, trabalhar, casar e constituir família. Não é essa a sina? De todas, a que mais foi amaldiçoada fora a escola. Com o trabalho já se tinha resolvido. Com o casamento e a família já havia sinais de um rumo: afinal, ia apresentar-se na família da namorada.
“De que me valeram tantos anos de escola se não
conheço as propriedades dos cabides?! Cabides, mesmo? Cabides? Ahmn, thla!”
Passou a noite a resmungar. Nem jantou sequer. Pela manhã, as olheiras à
espreita. O casaco engomado e perfumado. Os sapatos polidos e brilhantes. “São
sapatos italianos, à moda MC Roger” repetia para o gaudio da família, em meio à
preocupação do dia. Digo, da noite e do dia, porque o infortúnio ocorrera no
início da noite. Calma, caro leitor, em breve falamos sobre isso.
A gravata, cor-de-rosa em tom claro, só mais tarde
percebi que a ideia era de combinar com o vestido da noiva: a Mazé. Não é para
menos, é comum nestes dias. Há casais que até combinam o vestido da noiva com
as peúgas do noivo. Ficou, por isso, fácil de identificar os pares adjacentes
em eventos sociais. É muita farda de cores e peças de capulana.
A camisa era branca. “Branco não tem azar, combina com
tudo”. Dizia.
O casaco era azul, em tom escuro, tanto quanto as
calças que andavam em parte incerta. “Tudo por causa do maldito cabide”.
Este era metálico, com cobertura plástica de um tom azul-escuro.
É o mais escorregadio que existe. Pendurara as calças no espaço que lhes é
reservado no mesmo.
Já lá passavam dias em que o sono vinha a conta-gotas.
Afinal, deixar de ser namorado e passar a ser noivo não é coisa que se tome em
tom leve. Há muita coisa em jogo: as contas, as farras regradas, a partilha de
mundos, objectos e objectivos, até o pin do telemóvel. Sim, o pin. O pin,
companheiros. O PIN.
Tomado pela ansiedade e pelo cansaço, pusera-se em
cavaqueiras telefónicas logo que desceu do autocarro que o deixou na paragem
mais próxima da residência dos pais. Pertences na pasta de costas e o fato no
cabide, dentro do plástico da loja, no último requinte. Afinal, tinha de estar
decente na manhã do dia seguinte.
Tal como a pasta, o cabide fora também pendurado às
costas, segurado pela mão esquerda. A direita, essa, estava reservada a segurar
o telemóvel no auge das cavaqueiras.
Chegado à casa, tinha tudo, menos as calças. “Porra,
cabide do raio!” Pensou.
Acções de busca e captura durante a noite resultaram
em fracasso. Logo pela manhã, havia 60 quilómetros por fazer até chegar à casa
da noiva. Seguiu-se, então, numa viatura e, ao longo do percurso, todas
submersas na poeira vermelha do troço Chongoene-Conjoene-Manjacaze, lá estavam
as calças do noivo. Estavam mais acastanhadas que azuladas. “Pronto. Vamos
lavar e ainda vai dar para secar e vestires” “Já não vamos a tempo: é melhor
comprarmos outras calças”.
Havia cepticismo entre os companheiros de viagem. Se
não se pode ignorar a raiva de uma mulher magoada, não se pode, igualmente,
medir a fé de um homem desesperado.
No caso, eram 6 homens desesperados e envolvidos na
missão de lavar, secar e engomar as calças do noivo. Era preciso dar um
empurrão na vontade de Deus. É típico cá da terra, mesmo que você não queira,
‘nós vamos querer para você querer’. Tal não seria diferente com as calças.
Depois da água com detergente, do secador de cabelo, do ferro e, claro, do
sol…Voilá: em 15 minutos as calças voltaram a ser azuis, em tom escuro.
Na casa da noiva, só não ofereceram outra menina ao
Sancho Winani porque a Mazé era a mais nova das meninas.
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