sábado, 27 de janeiro de 2024

As Calças do Noivo

…há vários tipos de cabide: metálicos, plásticos, madeirados e outros feitos de metal, mas com cobertura plástica. Uns, no fundo, são os outros, salvo a consistência e o facto dos de plástico serem mais escorregadios.

Cá entre nós, ninguém pensa nestas coisas. É muita trigonometria, morfemas, pontos de fuga e tantas equações quadráticas desta vida que na prática não nos servem objectivamente.

“Se eu soubesse. Se eu soubesse”. Repetira pela noite adentro como se tal se tratasse de um terço.

Sancho Winani fora sempre um estudante dedicado. É na escola que o farol acendia para que a vida fizesse sentido debaixo dos olhos do Senhor. Estudar, trabalhar, casar e constituir família. Não é essa a sina? De todas, a que mais foi amaldiçoada fora a escola. Com o trabalho já se tinha resolvido. Com o casamento e a família já havia sinais de um rumo: afinal, ia apresentar-se na família da namorada.

“De que me valeram tantos anos de escola se não conheço as propriedades dos cabides?! Cabides, mesmo? Cabides? Ahmn, thla!” Passou a noite a resmungar. Nem jantou sequer. Pela manhã, as olheiras à espreita. O casaco engomado e perfumado. Os sapatos polidos e brilhantes. “São sapatos italianos, à moda MC Roger” repetia para o gaudio da família, em meio à preocupação do dia. Digo, da noite e do dia, porque o infortúnio ocorrera no início da noite. Calma, caro leitor, em breve falamos sobre isso.

A gravata, cor-de-rosa em tom claro, só mais tarde percebi que a ideia era de combinar com o vestido da noiva: a Mazé. Não é para menos, é comum nestes dias. Há casais que até combinam o vestido da noiva com as peúgas do noivo. Ficou, por isso, fácil de identificar os pares adjacentes em eventos sociais. É muita farda de cores e peças de capulana.

A camisa era branca. “Branco não tem azar, combina com tudo”. Dizia.

O casaco era azul, em tom escuro, tanto quanto as calças que andavam em parte incerta. “Tudo por causa do maldito cabide”.

Este era metálico, com cobertura plástica de um tom azul-escuro. É o mais escorregadio que existe. Pendurara as calças no espaço que lhes é reservado no mesmo.

Já lá passavam dias em que o sono vinha a conta-gotas. Afinal, deixar de ser namorado e passar a ser noivo não é coisa que se tome em tom leve. Há muita coisa em jogo: as contas, as farras regradas, a partilha de mundos, objectos e objectivos, até o pin do telemóvel. Sim, o pin. O pin, companheiros. O PIN.

Tomado pela ansiedade e pelo cansaço, pusera-se em cavaqueiras telefónicas logo que desceu do autocarro que o deixou na paragem mais próxima da residência dos pais. Pertences na pasta de costas e o fato no cabide, dentro do plástico da loja, no último requinte. Afinal, tinha de estar decente na manhã do dia seguinte.

Tal como a pasta, o cabide fora também pendurado às costas, segurado pela mão esquerda. A direita, essa, estava reservada a segurar o telemóvel no auge das cavaqueiras.

Chegado à casa, tinha tudo, menos as calças. “Porra, cabide do raio!” Pensou.

Acções de busca e captura durante a noite resultaram em fracasso. Logo pela manhã, havia 60 quilómetros por fazer até chegar à casa da noiva. Seguiu-se, então, numa viatura e, ao longo do percurso, todas submersas na poeira vermelha do troço Chongoene-Conjoene-Manjacaze, lá estavam as calças do noivo. Estavam mais acastanhadas que azuladas. “Pronto. Vamos lavar e ainda vai dar para secar e vestires” “Já não vamos a tempo: é melhor comprarmos outras calças”.

Havia cepticismo entre os companheiros de viagem. Se não se pode ignorar a raiva de uma mulher magoada, não se pode, igualmente, medir a fé de um homem desesperado.

No caso, eram 6 homens desesperados e envolvidos na missão de lavar, secar e engomar as calças do noivo. Era preciso dar um empurrão na vontade de Deus. É típico cá da terra, mesmo que você não queira, ‘nós vamos querer para você querer’. Tal não seria diferente com as calças. Depois da água com detergente, do secador de cabelo, do ferro e, claro, do sol…Voilá: em 15 minutos as calças voltaram a ser azuis, em tom escuro.

Na casa da noiva, só não ofereceram outra menina ao Sancho Winani porque a Mazé era a mais nova das meninas.

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