É daqueles brôs que a literatura me deu. Há um par de anos, eu passava a vida fazendo graça com a sua rotina profissional e pessoal. Dizia-lhe: “é o gajo que vive em Chókwè, e dorme em Guijá”. Fazia esta graça partindo do pressuposto de que a gente vive onde trabalha. Hoje passo exactamente pela mesma situação, entre Chongoene e Xai-Xai. A vida é assim; prega-nos algumas partidas. Lembro-me, até, de um provérbio tsonga que se refere a isto: “não te rias do rastejar da cobra, porque as outras que estão nos ninhos te estão a ver.”
Mas, prontos, não foi por isso que eu parei de fazer graça com a circunstância profissional e pessoal do homem. Fi-lo quando percebi que tem uma relação intrínseca com o distrito de Guijá, que, se calhar, não se encontre em alguns nativos daquela topografia gazense.
Por onde
ele vai, carrega a bandeira de Guijá consigo: é uma espécie de embaixador. Já
testemunhei tal facto no périplo sul a norte de Moçambique, entre ambientes
formais e outros que não cabem no papel. Já agora, se em um de nós surgir
aquela vontade que acometeu Jorge de Oliveira e não foi do agrado de Ba Ka Khosa,
haverá muito pano para manga. Enfim, batamos na madeira.
Foi por
causa desta aura de embaixador de Guijá que em 2021 foi agraciado com um
reconhecimento, nesse sentido, pelo distrito. Com ele, passei também a ter uma
relação curiosa com aquele distrito. Só me falta o Duat. (Risos).
Mete-se
nestas coisas de escrever de uma forma despojada. Na desportiva. Conta que
pensou em escrever um livro, mas apenas como um sonho, sem um plano concreto e
nem esforço para o efeito. “O turning point sucede quando uma pessoa próxima a
mim ganha um prémio literário. Então ganhei entusiasmo e conclui: oh, afinal é
possível.”
Depois
deste “turning point”, procurou pelo caderno no qual tinha registado alguns
textos. “Na verdade, havia molhado com as cheias de 2013 e o tinha abandonado. Diante
disso, readaptei-os e submeti-os ao prémio literário TDM-2016. Nascia assim o
romance Ilusão à Primeira Vista.”
Foi assim
que, igualmente, à primeira vista tornou-se escritor, com direito a uma cadeira
à volta da fogueira desta formação sociodiscursiva. Nesta convivência, ouve e
confirma que a maioria esmagadora dos escritores não tem nenhum dividendo
financeiro decorrente da sua militância, “pelo menos no sentido de poderem
pagar contas fixas, ou digamos, sustentarem-se como qualquer profissional.”
Mesmo
assim, não ignora o facto de existirem ganhos associados, ainda que não se
traduzam em dinheiro. “Aliás, antes de falar de outros ganhos, seria ingratidão
se não dissesse que tive algum ganho financeiro quando, por exemplo, ganhei 150
mil meticais das TDM e mais 300 livros para venda, totalmente a favor do autor.”
Recebera
este valor em 2017 e revela ter melhorado alguma coisa na sua residência. “Mas
não se ganha prémios todos os dias e nem todos os ganham. Por isso, grosso
modo, não tenho ganho dinheiro com a literatura se tivermos em conta que, o
pouco dinheiro que ganho, gasto novamente na própria literatura, sobretudo com
viagens para participar de eventos relacionados com esta actividade.”
Em todo
caso, percebe-se que são fintas. Não há tako, mas há ganhos no percurso: “a
começar pela minha própria alma, que encontra na escrita uma paz. Na escrita
lavo-me de tudo. Como não ter ganho por fazer o que gosto? Aliado a isto é
claro que surgem sim ganhos sociais. Há sempre um respeito a mais que se pode
ganhar com a prática de uma actividade e a escrita não é excepção.”
Sobre isto,
tenho alguns testemunhos. Referi-me, acima, a um reconhecimento por entidades
governamentais do seu casulo. Conforme destaca, “há gestos que nos fazem
acreditar que estamos no bom caminho, como quando recebi um reconhecimento
público do Governo do Distrito de Guijá devido a minha produção. Há também
ganhos profissionais que não os vou especificar por razões profissionais
mesmo.”
Como podem
ver, vínhamos bem no nosso papo. Chegados ao x da questão, começou a meter
água. Pronto, respeitemos. De uma forma ou de outra, as suas declarações
ractificam a existência de um e outro ganho, ainda que seja a retalho. “Com a
escrita vou conhecendo muitas pessoas; estabeleço amizades que me alimentam o
espírito. Os meus pés não tinham pisado para além das 3 províncias do sul do
país, mas graças à literatura conheci Lichinga, Lago Niassa, Nampula,
Quelimane, Beira, entre outros locais.”
Sem comentários:
Enviar um comentário