segunda-feira, 18 de março de 2024

“através da literatura, tornei-me em alguém que outras pessoas desejam ser”

Quis o destino que a Amélia Margarida Matavele passasse a ser Pré-Destinada. Porque ninguém pode contra o destino, assim ficou: Pré-Destinada. Tem com a escrita uma relação de altruísmo. Não é sobre si, mas sobre agregar valor nos outros.

Despertara esta componente entre os anos 2012/2013. “Comecei a notar que o que escrevia não me pertencia: era propriedade dos outros. Entendi, desta forma, que ao publicar os textos que escrevia, incentivava outras pessoas a lerem ou a se interessarem pelo mesmo ofício.”

Pronto. Foi assim que surgiu em si a vontade de publicar. Mas, espere aí: ela já andava envolvida com a escrita desde 2010. Nessa altura, fazia parte do Movimento Literário Kuphaluxa. “A missão que nós tínhamos era fazer com que as pessoas amassem a literatura. Portanto, desde cedo, este espírito de sensibilizar o outro é que me fez ter responsabilidade de escrever para os outros.”

Esta confissão que exterioriza traz flashbacks de uma militância literária desses tempos em que a Associação Cultural Xitende e o Movimento Literário Kuphaluxa “rasgavam versos” na Casa Provincial de Cultura, em Xai-Xai. Eram tempos bons. Com gajos bons. Gajas boas. Muitos deles, nos dias que correm, relegaram a escrita para o segundo ou terceiro plano. Vês? Escrever é um exercício de resistência. Nesse quesito, não restam dúvidas: a Pré-Destinada está pré-destinada a resistir. Sempre. Hoje, só para constar, resiste nas terras montanhosas entre Cuamba e Lichinga, onde reside. São outros voos, mas sempre com a escrita nas asas.

“Sempre gostei de incentivar o género feminino. Em algum momento, comecei a ganhar esta responsabilidade, exactamente quando fui a um fórum em Lisboa, em 2013, no âmbito do programa “Encontro de Escritores Moçambicanos na Diáspora.” Revela. Neste contexto, segundo nos segreda, levava um tema sobre as mulheres escritoras em Moçambique. Depois da apresentação do mesmo, “caiu-me a ficha sobre a responsabilidade que eu trazia. Não só de alguém que escreve, mas que o faz para incentivar os outros.”

Pronto. Era mesmo um warm up. Passemos, então, para o x da questão deste diálogo intitulado “ganhos do percurso”.

Cientes de que há uma queixa comum entre os que trabalham directamente com a literatura, segundo a qual este exercício não se traduz em dinheiro, decidimos, então, questionar: o que terá ganho na sua vida pessoal, social e profissional através desta militância pela literatura e pelo livro?

Sem rodeios; sem fintas; sem corantes, nem conservantes…disse: “não escrevemos para render dinheiro. Há rendimentos, mas levam o seu tempo. No meio disto, ganhei amigos, conheci lugares, países, escritores, pessoas que eu admiro muito e fiz laços com essas pessoas. Através da literatura, tornei-me em alguém que outras pessoas desejam ser: tornei-me num incentivo, numa educadora no mais alto nível, que eu nem imaginava que me poderia tornar.”

Desta declaração surge a pergunta que devia ter sido feita, mas, infelizmente, não a fiz: há, neste universo, outro ganho além desse?

No quadro das minhas intermitentes imaginações, oiço-a dizendo, em tom claro e alto, que acabou percebendo que há pessoas que olham para si como um espelho. “São pessoas que admiram a minha maneira de escrever. Através da escrita, pelos investimentos que fiz, consigo ter uma vida estabilizada. Consigo ter uma visão social melhorada e criar laços.”

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