sábado, 16 de março de 2024

“Teria enveredado para o mundo da prostituição ou das drogas. Mas encontrei, na escrita, um porto seguro”

Noutra latitude. Noutra galáxia. Noutra era, a Hera era a representação da poesia feita por mulheres neste pedaço do Índico. Hera de Jesus é o seu nome. Tem um verso suave e puro, que só se consegue nos primeiros anos de escrita, antes das leituras de teoremas e manuais. Estas coisas dão, ao verso, um ar tecnicista que talvez interesse aos críticos. Talvez a escrita não seja feita dessas coisas. Sim, talvez.

Seja como for, não se encontra esse “talvez” nos seus textos dispersos em antologias e vários de canais de mídia. Encontra-se a certeza de que precisamos de ter uma postura editorial de “caça-talentos”. É curioso que, até então, não tenhamos um volume impresso de circulação nacional que reúna alguns dos seus textos, desde os já publicados aos inéditos.

Em tempos que já não lhe ocorrem, inscrevera-se no Prémio Mundial de Poesia Nósside. “Fi-lo sem pretensão alguma. Fui como alguém que apenas estava a explorar algo novo. Quando tomei conhecimento de ter sido uma das mencionadas, percebi a necessidade de ler mais para aprimorar os meus escritos.” Admite, destacando que sempre fora reticente quanto à qualidade do que escrevia, tanto que há cinco ou dez anos não lhe ocorria o desejo de publicar os seus escritos. Para si “o exercício da escrita exige certa maturidade e primor, pelo que não deve ser feito para a satisfação do ego.”

Dedicando a atenção para o x da questão desta conversa cingida num ciclo dialogal intitulado “ganhos do percurso”, em que pedimos que os escritores partilhem experiências de ganhos materiais e imateriais decorrentes da escrita, não se meteu em fintas e foi peremptória: “engana-se quem escreve com a intenção de ganhar dinheiro, ou até viver disso em Moçambique. Provavelmente, quando a arte for considerada um trabalho remunerável, o cenário mude de figura.”

Com esta sentença, ficaram goradas as tentativas de buscar revelações escondidas nas quais pudéssemos augurar a presença de dólares, euros ou randes. Havendo algo provindo da escrita, a resposta já nos assegura que se deve tratar de uns pouquíssimos kwanzas que não ganham vida diante do metical. Não há nada, no que à escrita diz respeito.

Mas nem todos espinhos são maléficos. Alguns ladeiam rosas. É neste último caso que se encaixa o facto da escrita ter mudado a sua vida. “Por questões pessoais, teria enveredado para o mundo da prostituição ou das drogas. Mas encontrei, na escrita, um porto seguro, e agarrei-me nela de tal forma que faz parte de mim até aos dias de hoje.” Faz esta revelação com o ar suave que a caracteriza e, no momento, recorda-se que a escrita possibilitou a interação com diversos escritores renomados. A partir dessa interação, teve o privilégio de ver o seu trabalho a ser difundido em Moçambique, no Brasil e em Portugal, graças a revistas literárias. “É também satisfatório, para mim, saber que parte do meu trabalho está a ser usado em livros escolares, na educação das crianças.” Sublinha.

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