quarta-feira, 13 de março de 2024

“Escrever permite drenar, no papel, as frustrações do indivíduo e transformá-las em objecto de arte”

É Orlando Jorge Mussaengana. Locutor, Jornalista, Advogado e Escritor. Para conversar com ele, é preciso situar muito bem o norte: se é em busca do Jornalista/Locutor, do Advogado ou do Escritor. Há outro alter-ego que a carreira profissional inseriu em si. O do gestor público.

Desta vez, a conversa foi ao encontro do Escritor. Nesta qualidade, adopta o pseudónimo de Rey Mataka VII. Para si, a escrita deixou de ser um hobby para se tornar numa actividade mais consciente, a ponto de pensar em publicar um livro, a partir da altura em que começou a interagir directamente com outros escritores. Cá entre nós, é uma consciência tardia, se considerarmos que escreve poesia e prosa desde 1992. Vês, já lá vão 32 anos. Sim, isso mesmo: 32. Durante muito tempo escrevia de si para si. Não partilhava. De alguns anos para cá, passou a participar de lançamentos de livros, saraus culturais em Maputo e em Gaza.

A vontade de publicar surgiu em 2000, mas a materialização deste sonho teve lugar em 2023, com o lançamento da obra “Encontros Negros: antologia intrínseca”, publicada em co-autoria com o escritor e editor Meleco, pseudónimo de Ângelo João Matavele.

Com a experiência do lançamento de “Encontros Negros: antologia intrínseca”, surgiu a vontade de ver lançados outros livros de assinatura sua, e, por isso, tem em vista o lançamento da obra “Muthepo: no poço das almas” ainda no primeiro semestre do ano em curso. “É um livro que já está no prelo e conta com o prefácio do escritor e académico Hélder Muteia”, sublinhou. Há, adicionalmente, a possibilidade de publicar uma obra de contos, ainda por decidir se se vai tratar de um infantojuvenil ou de outra natureza. Mas uma coisa é certa. Em breve teremos novidades suas nas prateleiras.

No âmbito do ciclo de conversas “ganhos do percurso”, em que pedimos que os escritores partilhem experiências de ganhos materiais ou imateriais decorrentes da escrita, convidamo-lo a tecer considerações sobre eventuais ganhos em seu percurso de vida entregue à escrita e aos livros; rematou: “com a venda do livro “Encontros Negros: antologia intrínseca”, pude pagar várias despesas da minha família”.

Antes deste remate, foi nos dando algumas fintas: “não posso falar de outros palcos, senão o moçambicano, sobre o qual tenho algum domínio. Eu penso que quando os escritores dizem que não se ganha nada com os livros, é uma reclamação justa.”

“Em geral,” continuou, “os autores em Moçambique não têm capacidade financeira para custear a publicação de um livro. As cotações fornecidas pelas editoras não são de valores pequenos. Ademais, nem sempre é possível encontrar patrocinadores que abracem a causa de um livro. No universo da arte e cultura em Moçambique é muito mais fácil encontrar patrocinadores para espectáculos musicais.”

No seu entender, o desafio do escritor não se esgota neste aspecto. Quando o livro sai da gráfica, surge um outro problema: há poucos leitores. “Vou dar exemplo dos vários lançamentos a que assisti na província de Gaza, entre os anos 2022 e 2023: mais de 50% das pessoas que estiveram nas salas para comprar livros eram sempre as mesmas. Eram escritores, académicos, gestores públicos ou pessoas próximas aos autores dos livros que estavam a ser lançados, mas eram sempre as mesmas”, lamenta.

Diante destas fintas sensibilizadoras sobre um de tantos problemas que vivemos nos tempos actuais, abriu o verbo para um apelo: “é preciso que o escritor se reinvente. É preciso que tenha o apoio da comunicação social formal e, também, fazer o uso das redes sociais para divulgar o seu trabalho. Deve, também, contar com o apoio dos seus amigos, dos seus fãs, dos confrades escritores membros dos grupos culturais de que faz parte, etc.”

Resumidamente, assumiu que os escritores escrevem por amor à arte. Os dividendos, esses, sempre demoram. Mesmo assim, a tinta não acaba. O engenho e a arte lá estão, sempre, ao serviço do escritor. “Não passo uma semana sem produção literária”. Rematou, novamente.

Ainda no quadro dos apelos, instigou-nos, como sociedade, a ensinarmos as pessoas a comprar e consumir livros.

E sobre o preço? Que preço…que nada…“dizer que o livro custa caro, pode ser verdade, mas pode não ser. Para quem entende o valor de um livro, este nunca é caro. Para quem não tem uma relação de proximidade com o livro, este sempre será caro. Isto é que faz com que a vida do escritor não seja facilitada. De sociedade em sociedade, vamos encontrar pessoas ávidas pelo livro, e outras...nem por isso. O nosso caso em Moçambique é de pouca gente ávida pelos livros. Ainda assim, o escritor não desiste.

Depois de tantas voltas, fintas, hesitações, eis que nos chegou a revelação: “não vou trazer detalhes, mas posso garantir que com o dinheiro advindo dos livros sempre conseguimos suprir algumas necessidades sociais. Com a venda do livro “Encontros Negros: antologia intrínseca”, eu pude pagar várias despesas da minha família. Pude, inclusive, levar alguma coisa para casa que pudesse servir de modo directo à família. Houve satisfação emocional e material. Outros ganhos tem a ver com um certo prestígio socioprofissional. O livro publicado apresenta o autor ao mundo e lhe abre as portas. Além disso, escrever é um exercício de auto-ajuda. Uma válvula de escape para os dilemas sociais. Escrever permite drenar, no papel, as frustrações do indivíduo e transformá-las em objecto de arte.”


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