o
importante é que o crítico dedique algum tempo a munir-se dos instrumentos de
análise necessários, isto porque, a análise que se faz de uma obra literária
contribui para a formação da cidadania dos seus leitores e para a melhoria da
qualidade do trabalho do autor dessa mesma obra. (p. 174)
É, em síntese, um exercício elementar,
nobre e equilibrado que o crítico literário (ou aspirante ao ofício) deve fazer
antes de se propor a ilações valorativas sobre qualquer que seja a obra ou o
autor, ainda que o faça sob o prisma de uma opinião pessoal.
Portanto, num meio como o nosso em que se
regista um vazio da crítica literária, o melhor que se pode fazer é acarinhar
as vozes que demonstram algum interesse e fôlego para o efeito. Ora, tal
empatia não pode submeter-nos ao deslize do consentimento de tudo quanto é dito
(por vezes com alguns vícios) e, pior, conduzir-nos ao abismo do patrocínio
gratuito de desvios, sobretudo nestes tempos em que a volúpia do share nas redes sociais faz escola mesmo
que não se tenha lido o conteúdo na íntegra.
Abro o texto com este intróito algo
genérico para me desfazer de um incómodo que me acometeu ao ler um texto
intitulado "o excedente estético: readymadezação
da Nova Arte" cujo conteúdo pode ser lido aqui.
Movido, quiçá, por boas intenções, o seu
autor descore sobre as nuances da
escrita de autores que começam a publicar um pouco depois do ano 2000 e tece
comentários a respeito do que julga serem ou não as valias dessa escrita. O que
deve ter saltado à vista do articulista é que nos dias que correm não é fecundo
fazer leituras dedutivas sobre um autor através de uma obra sua tanto sobre uma
"geração" de autores através de uma amostra insignificante.
Ademais, ao fazer uma leitura de um fenómeno
através das teorias surgidas e desenvolvidas num meio e tempo alheio ao objecto
de análise, é preciso observar que esse exercício não é um fim em si mesmo mas
um trampolim para contextualizar o essencial sob o risco de a abordagem
resultar no que Schopenhauer no seu “a
arte de escrever”[2]
classificou como sendo o problema dos eruditos, nos seguintes termos:
quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos
passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por
si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar. (p. 60)
E, já agora, talvez este
vício explique o porquê de volvidos tantos anos de formação em cursos de
filosofia, literatura, linguística, ensino de línguas, jornalismo e outras
áreas afins ainda se registe um deserto de crítica literária onde pouquíssimos
cactos dão ares de sua graça. Ora, que despautério foi para mim ver a desqualificação
de um cacto tão bem nutrido e florido neste texto. A busca pelos likes tornou-se tão antiética ou o
articulista equivocou-se no nome que, cá entre nós, deve ter escrito parte dos
manuais de que ele mesmo se serve no seu processo de formação?
Ainda no mesmo parágrafo, o autor do
artigo com que dialogo vem reduzir o labor de um jovem escritor que, a despeito
de ter sido agraciado com o Eugênio Lisboa 2017 é, inegavelmente, um dos nomes incontornáveis
desta geração que começa a publicar um pouco depois de 2000 e que tem
demostrado evidências do seu ecletismo literário que, ultimamente, espreita a
edição de outros autores. Se, na sua opinião, há uma componente em falta numa
das suas facetas (poeta, contista, romancista, etc), tal lacuna deve ser
apontada com rectas letras e fundamentada ao longo do texto: essa sim seria uma
crítica e não a polemização gratuita com recurso ao bom nome alheio.
Mais, já há muito que na leitura do fenómeno
literário evita-se o rótulo da dedução porque se entende que a escrita é um
exercício singular, embora haja vista, em alguns casos, aos alcances e
necessidades de uma literatura comparada. Por isso, surpreendeu-me bastante a
generalização de uma característica própria que, quanto a mim, não foi uma
categorização acertada para a autora mencionada neste aspecto. E, ainda que
fosse, deverá valer o argumento da diversidade de elementos que constroem a
beleza textual. Só este deslize epistemológico, já nos é revelador de um perfil
ainda por robustecer.
Salvo estes vícios por limar, o apelo à
simbiose entre a forma e a matéria é muito oportuno e é uma perspectiva com a
qual concordo. Ainda que o debate sobre este aspecto remonte as “clivagens”
entre formalistas e estruturalistas, trata-se, igualmente, de uma colocação
actual e actuante. Como já o disse repetidas vezes:
Mesmo que a literatura
Valha menos pelo dito
E mais pela forma como o
dito é dito
É imperativo dar algo
além do prazer
Aos que lêem os nossos
ditos[3] (p. 60)
[1] JONA, Sara. Entre o Índico e o Atlântico: ensaios sobre literatura e outros textos.
Maputo: Ndjira, 2013
[2] SCHOPENHAUER, A. A arte de escrever. Tradução de Pedro Sussekind. 2ª
edição. Porto Alegre-RS: L&PM Pocket, 2013.
[3]MIAMBO, E. Retroalimentações do Ego. Maputo: Editora Kulera, 2020
Isto esta' pegando fogo, meu caro. Avante, a nossa literatura sai a ganhar.
ResponderEliminarCom meus melhores abraços.
…enfim, é um exercício de cidadania. Um abraço!
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ResponderEliminarDescredibilizar quem descredibizou a produção literária é o caminho certeiro para re-credibilizar a nossa arte!
Podia simplesmente ter defendido a poesia, sem precisar aniquilar o homem!
Parabéns aos dois e obrigado por nos brindarem com este diálogo.
…um abraço fraterno.
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