Ler o decurso de uma longa noite de Maio, nas páginas de Neighbours de Lília Momplé e perceber, nas entrelinhas, o momento, o facto, o detalhe ténue que se traduz num aparentemente mesquinho móbil duma guinada na vida de um ser, é um renovado prazer.
Numa linguagem pouco rebuscada, acessível a um maior número de leitores, aliada ao jeito materno de conduzir o enredo, Lília Momplé escreve Neighbours como quem apanha os retalhos da história não para recontá-la mas para reconstituir um universo que está além do que ela (a história), enquanto ciência, se compromete a trazer.
O
universo doméstico e psicológico descrito em Neighbours é o pano de fundo no
qual desenrolam as acções e do qual se pode extrair ilações quiçá
existencialistas. A autora, qual nata contadora de histórias, deve estar ciente
das manifestações extratextuais que a sua narrativa possa ter embora, em abono
da verdade e da boa análise textual, devamos admitir que não é disso
que Neighbours precisa para ser compreendido. Tal como qualquer
narrativa, o universo de Neighbours vive, mesmo sem a realidade extratextual.
Mas é deste leque de informações que perfazem a nossa visão do mundo que
precisamos para inscrever as acções, personagens, espaços, tempos, verdades e
“inverdades” de Neighbours na nossa sintagmática de compreensão e análise.
Em
Neighbours desenrolam enredos totalmente desconexos, salvo o tempo e o espaço
que são bastante contíguos. O que escancara esta aparente desconexão é a
ocorrência de um crime cujas vítimas (vizinhas ou neighbours, conforme o título
da obra) são descritas de forma isolada ao longo do enredo, sem nenhum motivo
para serem alvejadas pelos meliantes senão o facto de serem vizinhas de um
grupo de membros do ANC.
Se
as vítimas não tinham um motivo de realce para serem alvejadas naquela noite,
os meliantes, esses, tinham (no enredo) a função de unir estas vidas dispersas
para fazerem de Neighbours um texto único e, no crime, um móbil (quiçá
existencialista) que podemos compreender com a leitura deste livro.
Segundo o título e pela estória dentro,é inegável o vazio concernente ao que diriamos "tampa ni xicandarinha" ou seja uma justificação razoável entre o começo, meio e o fim da estória. Morreram na estória, os inocentes e os verdadeiros vizinhos do ANC não aparecem. Quanto aos miliantes, tanto os nacionais vingativos como perseguidores sul africanos, não têm um desfecho cabal. Dentre eles, um morreu na cena... E os outros? E a mulher que foi depor? E a criança que ficou órfã? O adúltero do Abdul? A Muntaz e as irmãs desocupadas a espera de maridos? A prima?
ResponderEliminarPortanto,o Neighbors suscita uma continuação.
São aspectos por considerar. Ora, quanto à relação que se estabelece entre o título e o enredo, suponho que haja, sim, uma intercessão. Neighbours (vizinhos) reflecte, quanto a mim, um período bastante específico da história de Moçambique que não tem sido muito abordado mas que tem/teve consequências na relação de vizinhança que se estabelece entre dois países.
EliminarOs personagens a que se refere, têm o seu papel concluso do ponto de vista de acção da personagem sem com isso dizer que as suas colocações não sejam válidas.
PS:
Há um horizonte além da estrutura interna do texto que foi bem conseguido neste romance e que é preciso ter em conta, afinal, é assim que se faz uma leitura interactiva.
do ponto de vista de função*(vide função de personagem na óptica de Vladimir Propp)
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