Fazer arte é sem dúvidas um exercício incomparável. Recorrendo a um exagero que se tem usado muito na escrita, fazer arte é brincar de ser Deus ainda que isso dure um sopro. A despeito do gosto da realização, tenho notado um gozo peculiar na apresentação que o artista faz do seu próprio labor. Talvez seja este último gosto que veda a leitura da instrumentalização que se evidencia no horizonte do “agora vamos a um momento cultural com…”.
O que se tem notado é que os artistas (sobretudo músicos, poetas, bailarinos, acrobatas, humoristas, etc), quais bobos da corte, são chamados em eventos de estado e/ou particulares para distrair os presentes da tensão que lhes é causada pela actividade principal da ocasião ou para servir de energizer que intercala tal agenda de actividades.
Pelo gosto de apresentar o seu trabalho, nutrido pela esperança de
construir um público, muitas são as vezes em que vemos a desvalorização do
artista e do seu labor nada insignificante em prol de um lugar-comum de se ter
sempre “um momento cultural”.
Desconheço a origem de tal prática mas suponho que tenha surgido com o
intuito de dar aos artistas a tão desejada oportunidade de apresentar o seu
trabalho e buscar horizontes de consumo do seu produto. Ora, o que se tem
observado é a prática de se ter um sujeito dotado de algum potencial para a
arte a quem se reserva o papel de fazer sorrir o rei: o bobo da corte. É
verdade, porém, que não é mais ao rei que se pretende divertir, nos dias de
hoje, mas a toda uma plateia de “gente séria” que precisa de um energizer de um
bobo para não tornar o seu exercício (também sério) entediante.
Do artista espera-se só o famigerado momento cultural e depois disso que
ele vá a Deus-dará. Como sujeito pensante, bastam as “bobagens” que divertem. Mas,
nisto há méritos por reconhecer: Esopo foi exímio na sua fábula “a cigarra e a
formiga”. Eis-nos hoje noutro milénio e ainda assim a sua leitura (que é,
afinal, do seu tempo) ainda norteia os nossos olhares sobre a arte e os seus
cultores.
Profundos. Os pontos nos ais.
ResponderEliminar…é um debate aberto.
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