“temos bons poetas e muitos sabem escrever, mas há um excessivo labor da palavra, excessiva
metaforização, e cada vez que isto acontece há uma fuga na comunicação que se busca estabelecer com o leitor”
Marcelo Panguana
De algum modo, venho reflectindo sobre este assunto. Vagueio entre a vontade, a dúvida e a dívida que devo saldar há quase uma década. Escrevi sobre a poesia moçambicana de hoje sob o olhar que tinha naquele "hoje". Um olhar que se fitou ao conteúdo a desfavor da forma que é também preponderante na arquitetura textual. Era outro momento, outra desenvoltura e outro fôlego. Mas nada disto me impele a vergonha do tempo nem a força do click no delete: são ossos de um percurso que devem ficar registados nesta plataforma.
A vontade com que
interpelo este assunto é a mesma que invade o adulto ante um baloiço no jardim:
sempre actual. Inundo-me, porém e ainda, de dúvidas que me habitaram naquele
longínquo ano em que escrevi o texto que pode ser lido aqui.
Quando se diz que
somos uma nação de poetas, há uma satisfação inegável que nos invade e reaviva
a necessidade de (re)pensar a nossa escrita sobre este gênero. Longe do
compromisso de manter o "trono" e mais perto de uma preocupação
geracional sobre quem somos e o que fazemos.
Li, no jornal “Ponto
por Ponto” desta última quinta-feira (27 de Janeiro de 2022), uma entrevista a
Marcelo Panguana conduzida por Pedro Pereira Lopes e não pude conter os afinais
ao descortinar o pensamento de Panguana com o qual epigrafo estas breves
linhas.
Venho, também,
notando e abordando esta postura na poesia que actualmente se escreve em Moçambique
e não há conversa de café que a esgote. Esta nova preocupação com a
metaforização algo surreal até à exaustão está muito perto do que
(parafraseando Fernando Paixão no seu “poema
em prosa: poética da pequena reflexão”) Max Jacob referira relativamente à
escrita do seu tempo e meio afirmando que tal padecia de exagerada exuberância
de imagens e que o mais proeminente cultor da mesma chegava a ser comparado a
um joalheiro desejoso de chamar a atenção para o brilho da sua loja em vez de
zelar pela autenticidade das joias.
Cá entre nós, é
evidente a simpatia pelo “self-generating
text” por parte dos novos players
neste tabuleiro e isso é de louvar porque desfazem-se das amaras de um mote que
ora aprisiona ora empobrece o texto. O trabalho com a imagem sabiamente
construída através de intertextos é a maior conquista que se observa. Mas há
exageros.
Entre associações
imagéticas embebidas por um abstracionismo extremo e uma metaforização surreal
que por vezes cabe apenas nos próprios poetas, preenche-se a página com
construções cuja linha lógico-semântica inexiste. A poesia não diz porque tudo já foi dito, não é? E por que escreveu?
Para exorcizar os meus fantasmas _ é a resposta. O que os leitores têm a ver com isso? Desinteressa-me o leitor. Por
que publicou? Enfim, é desta forma que a procissão vai ao adro nestas
conversas a ponto de se dizer, com alguma soberba à mistura, que os leitores
que manifestam tal desconcerto não estão preparados para a interação
leitor-texto. Cá para mim, o problema pode ser outro: não seria falta de lítio?
Esta ausência que
questiono provavelmente exista em vários sentidos. O primeiro é a manifestação
contrária a esta postura que se traduz num mimetismo “sagrado” que tende mais
para um manifesto de repúdio, de vanglória ou de intimismo, deixando-se assim o
trabalho com forma ao deus-dará. Acrescido a isso, há um arrastar da
frase/verso que sugere a imagem de uma parede rebocada às pressas sem que ao
pedreiro tenha havido tempo para limar as arestas.
Ainda sobre a
ausência de lítio, virando a câmera para outro horizonte pode-se suspeitar,
além da bruma, uma relação insipiente entre o autor e o editor. Das duas uma,
ou o segundo não tem capacidade para fazer o que lhe cabe (o que eu duvido) ou
sobre este pesaram os argumentos financeiros e a vaidade do primeiro. É comum.
Há, entretanto, um
monólogo que se inscreve nas minhas madrugadas e me remete a um ensaísmo ou
crítica literária que mesmo na sua insipiência tem-se dado mais a uma espécie
de sociologia/antropologia (ou qualquer coisa que valha) da literatura e passa
de soslaio ao que se prende a questões atinentes à fruição da construção. Parecendo
que não, posso (eu próprio) estar a ser vítima desta virose na qualidade de aspirante
a escritor e ensaísta, de tal forma que seria muita audácia assumir como
categóricas as ilações que aqui trago. Contudo, resguardo-me neste
pensamento-imagem de mim mesmo e vejo-me a contribuir com o que disse, desdisse
e insinuei, na perspectiva de encontrar, numa possível contrariedade, o
benefício da síntese.
Abstracionismo e metaforização surreal na poesia juro que é um exercício necessário para o leitor desenvolver certas habilidades ou conhecimentos. Mas a questão é: será que o leitor está preparado?
ResponderEliminar...eis a eterna questão. Mas, de uma forma ou de outra, o exagero irá sempre impactar negativamente na relação entre o leitor e o texto.
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