quarta-feira, 10 de julho de 2013

Em jeito de reflexão sobre a cidadania


I
Sou melomaníaco assumido. É exactamente esta a razão que me fez dar ouvidos a uma música linda (no mais preciso sentido do termo) intitulada “if you are out there” cuja autoria é atribuída a John Legend. Repeti a música por não sei quantas vezes porque há lá dizeres de extrema significância, entre os quais teríamos:

“We've been looking for a song to sing

Searched for a melody
Searched for someone to lead”
Traduzindo:
" Nós temos procurado uma canção para cantar 
Procuramos uma melodia 
Procuramos alguém para conduzir "
Sabe, é até estranha a forma como sinto-me agora ao traduzir este texto, considerando o facto de eu ter já consumido tudo e mais alguma coisa da deixa deixada por Schopenhauer em relação ao exercício da tradução: "Escreva seus próprios livros dignos de serem traduzidos e deixe outras obras como elas são", mas desta vez tive que abrir excepções por este ter sido o único modo que pareceu-me viável para fazer chegar o meu pensamentozinho.
Neste sentido, a humilde noção da gramática inglesa que abrigo em mim, mostra-me que o acto de procurar uma canção (We've been looking [present perfect progressive] for a song to sing) começou num determinado momento pretérito e ainda não cessou, em contrapartida o acto de procurar uma melodia (we’ve [grifo meu] Searched [present perfect] for a melody) começou no pretérito e cessou. O que significa que a melodia é o que já temos em mão e a canção é o que ainda estamos procurando.
Transformando isto em dizeres mais claros diríamos “if you’re looking for a song to sing, start from the melody” dito de outro modo “se quiseres cantar uma música, comece pela melodia”…
Uff! Espero não ter sido prolixo na tentativa de dizer o que me vem à alma. Se tiver sido, as minhas desculpas já estão em suas mãos. É que vezes há em que entre ser prolixo e ser obscuro, prefiro pautar pela primeira alternativa, sobretudo quando tiver muito que dizer e não estiver disposto a ser mal conotado: coisas de possível futuro leccionador…

II
Como nota-se, são palavras duma simplicidade tal que não abre brecha para maledicência, todavia, são deveras edificadoras do ponto de vista estratégico sobretudo num contexto social como o nosso que clama por qualquer coisa a que chamaríamos de PRATICIDADE. E, por falar em praticidade, deixe-me ser um pouco prático dizendo por A + B que contributo esta frase de John Legend traz no seio da nossa sociedade.
Assumamos a música/song como sendo “UMA FORMA DE SER” e a “melodia/melody” como uma “IDEOLOGIA”. Ah! Aí vem a pergunta da ansiedade: até que ponto isso enquadra-se no contexto moçambicano?
Olha, o facto é que vários pensadores moçambicanos têm, actualmente, se debruçado sobre a questão da CIDADANIA. Dizem haver por aí cidadãos sem cidadania. É um facto! Ora, baseando-me nas palavras de John Legend supracitadas e que foram sendo reconstruídas à luz de um sistema de equivalências, diria que “se quiseres ter uma forma de ser (cidadania) comece pela ideologia (moçambicanidade/nacionalismo moçambicano) ”. O que quer dizer que a ideologia (moçambicanidade) tem de vir antes da forma de ser (cidadania). [‘_’]
Este é o xis da questão! Até ouvi dizer que todo Faraó sabia disto. Fazer o contrário, seria pôr a carroça em frente do burro.

III
E, porque já sou dado a cabeças inquietas e questionadoras de tudo, sempre antecipo as questões:
Já sabemos que a ideologia precede a “forma de ser”, tudo bem! Agora, entre a crença e a ideologia, o que vem primeiro?
Pois bem, eu não responderia se a pergunta não fosse tão boa. Assim, diria que é a crença que antecede a ideologia, pois, só assumimos uma determinada linha de pensamento/ideologia se tivermos fé em alguma coisa e é esta fé (UM MOÇAMBIQUE MELHOR, por exemplo) que nos move a pensar dum determinado modo (NACIONALISMO MOÇAMBICANO, por exemplo) e, é esta forma de pensar que nos faz ser e estar, também, dum determinado modo (CIDADANIA) – é tudo um efeito dominó!

IV
E, considerando que estas crenças, estas formas de pensar, ser, estar e fazer são “cruzes” canonicamente instiladas nas costas da ESCOLA, cabe a esta o dever de tê-las em conta…claro! Cada um carrega a sua cruz, nem!?...excepto Jesus que teve lá o suposto Simão de Cirene que o ajudasse!
No entanto, porque a sociedade já tem a contextura que tem e todo pai que é mesmo pai queixa-se de falta de tempo para com os seus, exactamente para pregar as noções do certo versus errado, a cruz da escola tornou-se pesadíssima – não me surpreendem as empenas que ela vai gerando no seu andar.
Ipso facto, já temos técnicos que têm o saber fazer mas carecem do saber ser e estar (cidadania). Um grande exemplo disso foi-nos trazido por uma novela brasileira (Os Mutantes) em que temos uma tal Dra. Júlia Zaccarias que, com o recurso à ciência apreendida na escola, o saber fazer, cria seres geneticamente modificados e que alguns, na sua maioria, são nocivos à sociedade e à humanidade em geral – o que significa que este técnico, este cientista que a escola formou carece do saber estar (cidadania) e ser (nacionalismo ou humanismo). Atenção: a conjunção alternativa “ou” enquadra-se pelo menos neste caso porque nem sempre ter nacionalismo implica ter humanismo, partindo do pressuposto que “Todo pobre-diabo que não tem nada no mundo do que possa se orgulhar escolhe a nação a que pertence como último recurso para sentir orgulho: desse modo, ele se restabelece, sente-se grato e pronto para defender com unhas e dentes todos os erros e absurdos próprios dessa nação.” SCHOPENHAUER
Assim sendo, diríamos que há uma necessidade de ROBUSTECER A ESCOLA no sentido de permitir que por si só consiga suportar a sua própria cruz. E para que a escola seja robusta, tudo depende do envolvimento de toda a gente envolvida no processo de ensino-aprendizagem e, por sua vez, esse envolvimento começa agora. Claro, bem disse John Legend:

“We're the generation

We can't afford to wait
The future started yesterday
And we're already late” 

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