Olho para a brancura do display com
os mesmos olhos com que Campos de Oliveira olhava para a brancura do papel.
Nasce-me aquele ímpeto de pensar no share
nas redes sociais ou em qualquer destas tantas antologias que se criam à velocidade
do vento e se tornam e-books, magazines, fanzines ou qualquer coisa a que se
tem acesso através de um link para download. Ele e os seus tinham de
esperar pelo prelo. Possas! Mudam-se os tempos, desfazem-se as práticas.
Vou pensando nesta vida de letras que é tão grata quanto ingrata quando assim o acaso decide. Por vezes nem é o acaso que determina. Os egos e o ethos assim o impõem. Talvez Noronha, Craveirinha e Knopfli (todos juntos) possam dissertar melhor sobre este capítulo da conversa. A mim basta este ar do quase, do pode ser que…É um pós-modernismo necessário que tive de experimentar. Coisas da vida, já o disse Milton Nascimento.
Penso nesta entrega. Nesta militância. Nesta volúpia. E vislumbro
uma imagem de mim mesmo depois de dezenas de invernos nestas lides: sentado debaixo
da sombra de mafurreira, no pátio enorme, em Matemule, lendo “erros meus, má fortuna, amor ardente”
de Camões. Com o mesmo sentimento nostálgico que povoara o poeta para tecer
este drama.
Apavorado, desfaço-me desta imagem. Na memória a prazo curto, rebusco um
desses dias de copos de cerveja neste frio de Junho. Falando em Junho: há uma
aresta por limar naquele “o sol de Junho
para sempre brilhará”. Nem um nem outro brilha! São apenas brumas. E o
frio? E o frio, camaradas?
Falava, há bocado, do tal dia de copos de cerveja neste frio de Junho. Com uma
música ao fundo. Conversas sobre isto e aquilo. Sentado com o poeta da pele do
silêncio, digo, silêncio da pele, à direita, e o dos pores-do-sol, à esquerda,
enunciei uma frase para os boémios que me circundam nesta cidade que é também
de acácias mas de outro tipo: dá para ver que há um poeta na autarquia.
Ambientalistas não teriam aquele engenho feito com a vegetação que coabita com
a praça da moeda. Aquilo é coisa de poetas. Salve aos poetas!
Voltando à frase. Ela dizia: há dias para se ser poeta! Com esta
proclamação devo ter tido uns tantos mimos típicos de um bar ou lounge…sabe-se lá o
que era aquilo.
Talvez não tenha pensado nesta frase naquele instante. Não sou de
improvisos. Talvez tenha tirado esta conclusão depois da imagem de mim mesmo
tal como te falei há pouco: ali sentado, debaixo da mafurreira, de calças de
ganga, presas à cintura com um cinto de couro, velhas e aos arrastos. Um casaco
que já fora azul e tendia mais para o cinzento. A barba desfeita e grisalha. A
sola do sapato aos clamores com os dedos à espreita. Os óculos sorvendo o fumo
do cigarro. Estão cada vez mais escuros. Um vocabulário polido. Melancólico e
cheio de ares saudosistas, maldizendo os que determinam a taxa de juro e outras
coisas que alteram o preço da cerveja. Os livreiros sem mais royalities para me pagar. Os festivais
sedentos de novos tons. Novas vozes. E eu ali, como defensor do cânone que a
cada dia se dilui, aguardando um prémio carreira que, a meu ver e quando
dedicado aos outros, é uma fantochada. E penso: talvez pudesse ter vergado um
fato qualquer (com um vinco nas calças e o sapato brilhando) e pousado numa
dessas salas corporativas, com o meu nome brilhando no crachá e um subtítulo em
que estivesse grafado: corporate copywriter.
Tomando descafeinados de segunda a quinta-feira. Deixando a sexta e o sábado
para ser poeta. E o domingo para a família e as demais ovelhas do pastor. E, no
fim, uma aposentadoria para administrar um pomar em Matemule.
"Há dias para se ser poeta" , abraço, Elísio Miambo.
ResponderEliminarUm abraço fraterno. ✊🏿
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