domingo, 26 de abril de 2020

O et cetera do artigo "da originalidade à (im)possibilidade de criação de textos inteiramente novos após séculos de produção artística”


Das reações que este debate catapultou pelo Messenger e WhatsApp consta-me que há reticências naquele texto que precisam de ser transformadas em palavras para que o ponto depois do et cetera seja realmente uma pausa conclusa.

A discussão sobre a intertextualidade traz consigo a questão da originalidade e do plágio, se calhar, pela suposta proximidade com o conceito de intertextualidade ou pela incipiente capacidade de separar o trigo do joio.
Talvez a última possibilidade esteja na ordem das acusações feitas aquando do momento em que a cantora Matilde Conjo, bem conhecida na nossa praça, estreou a sua música intitulada “Não estou a te enganar” que, diga-se, tem uma vizinhança promíscua com o tema “Não me arranje problemas” de Mr. Bow que acaba roçando a irmandade, pelo menos do ponto de vista rítmico ou estrutural se assumirmos que o meu artigo foi explícito em tratar todas as produções artísticas como textos no seu sentido lato.
Disto sucede que os apresentadores de programas de entretenimento dos diversos canais televisivos foram se deliciando em acusações de plágio durante um ou dois dias e, a própria cantora não se saiu muito bem na fotografia por ter tratado o assunto com unhas e dentes em protesto frenético pela magna originalidade negando qualquer diálogo intertextual entre a sua música e a do conceituado Bowito: o que, cá entre nós, é muita audácia.
Portanto, do manjacaziano proprietário da Bowito Music não se ouviu nem um sussurro, pelo menos para a opinião pública. Ora, sucede ainda que dois dias depois um dos autores da acusação feita contra a Matilde Conjo reaparece dizendo que há atenuantes que absolvem a cantora porque o suposto lesado na acusação de plágio também, em certa medida, plagiara a estrutura textual de Big Mukada (autor dos famosos temas “teka-teka” e “Muyengueti”).
E, assim, pôs-se um ponto final no assunto que para mim ainda prometia gerar mais conversas-fiadas porque se formos atentos veremos que antes de Mukada já havia estruturas rítmicas mukadistas.
Se há alguma discussão que se possa ter em relação a aqueles textos é, por um lado, o seu grau de proximidade estrutural que os tornam afins e, por outro, uma humildade por parte dos fazedores de arte em perceber que a assunção da presença de outras vozes em seus textos não é uma renúncia à originalidade nem um sintoma de crise cultural ou criativa.
É, portanto, esta situação toda que a mim permite argumentar, conforme já o fiz no supramencionado artigo, que há aqui uma relação intertextual entre este e tantos outros textos produzidos na nossa música que retomam canções populares e fazem delas músicas próprias sob o argumento de se estar a revitalizar a nossa cultura.

Sem comentários:

Enviar um comentário