quinta-feira, 3 de março de 2022

apontamentos sobre tripulantes de uma embarcação que ainda não existe

...dou por mim, nestes últimos dias, dividido entre revisões, ensaios e rabiscos de versos ou prosas. É nos primeiros dois exercícios que mais me detenho. Claro, quando a leccionação deixa-me algum tempo sobrando. Talvez pudesse dedicar o meu tempo a outras coisas mas há uma devoção por nutrir. Prazer por satisfazer. Ombros por ceder aos que se queiram encostar.

Se uma vez alguém disse que não há melhor forma de empobrecer do que editar livros, digo, também, que melhor forma de despender tempo não há do que revisar ou ensaiar livros. Entretanto, nenhum experimentado nestas lides dirá que se trata de um exercício ingrato.

Há aprendizagens e anotações que surgem em forma de pareceres editoriais que talvez sirvam mais ao próprio revisor que ao autor do manuscrito. Só para não mencionar as doações que pagam a factura de dados móveis para me ater às redes sociais e ver o que se diz sobre as eleições na Associação de Escritores Moçambicanos. A guerra na Ucrânia. O julgamento das dívidas ocultas. As exonerações no governo. A COVID-19. E afins. Enfim, são ossos de um ofício que me fazem perceber que a leitura é um exercício cada vez mais necessário para quem escreve.

O acto de ler a que me refiro não se esgota no lazer da primeira impressão mas na apreensão da macroestrutura daquilo que nos deleita para daí buscar os elementos que garantem o porquê de um texto ser considerado texto em detrimento dos demais rascunhos.

Não saberei dizer se é pelo ego inflado ou outra volúpia qualquer que os retira o lítio na interacção mas é praticamente histórica a crispação entre autores, revisores e críticos literários. Os primeiros têm na liberdade de criação uma espécie de escudo que não lhes permite descortinar outros horizontes de criatividade e, quiçá, de brio. Sobre os segundos, há todo um purismo gramatical que, por vezes, se afigura mais como uma lixiviação a contragosto do autor do texto que vê o seu labor minguar nas malhas de um tecnicismo de gabinete. Quanto aos últimos (os críticos) reina uma argúcia que soa a uma superioridade moral e estética que os isola na concha da regulação e não os permite vislumbrar a funcionalidade textual que é também o exercício de criatividade.

Talvez seja por isso que nesta embarcação viram-se as costas. Inibe-se os contactos. Empinam-se os narizes. E perde-se grandes génios tanto de um como de outros tripulantes.

Haveria algum tipo de medição, talvez, se os editores pudessem ter uma bóia que os sustentasse sempre que tentações extraliterárias os espreitassem no seu exercício. Mas quem dará? Os livreiros? Quais, se um é outro?

Numa embarcação repleta de aspirantes como a nossa, associada ao facto de os autores, na sua maioria, estarem a financiar as suas próprias edições, talvez seja o tempo de se contar com agentes literários que se dediquem afincadamente a esse exercício. Dir-se-á, sob sugestão da escuridão da noite, que poucos têm tal perfil mas ao contornar a avenida poder-se-á tropeçar com uma infinidade de gente que já prestou serviços de gema nas áreas de edição, leccionação, jornalismo ou outras actividades que tenham a ver com estas coisas de escrever livros. Talvez, esses, possam trazer algum tipo de lítio nesta embarcação.


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