“A verdadeira educação consiste em pôr a
descoberto ou fazer actualizar o melhor de uma pessoa. Que livro melhor há que
o livro da humanidade?”
Mahatma Gandhi
Do latim educatio*, a educação entende-se como transmissão e aprendizado de técnicas culturais para a formação e amadurecimento do homem. Era suposto que este fosse um fim imprescindível de qualquer escola – a busca do aperfeiçoamento das faculdades humanas. Ou seja, antes de a escola focar-se em formar os indivíduos para o trabalho com o fim de desenvolver a economia do país, era míster que se focasse na formação dos indivíduos para o seu desenvolvimento intrapessoal e interpessoal. Não se trata de uma preferência subjectiva do autor, mas de uma necessidade de subordinação entre os dois objectivos.
Suponhamos uma sociedade formada só para o
trabalho, mas desprovia de um conhecimento que a ajude a manter uma convivência
intrapessoal e interpessoal sã e pacífica. Por quanto tempo se pode esperar que
esta mesma sociedade se sustente, antes de cair em crises de relacionamento?
Poder-se-ia dar o caso de uma nação ser rica em infra-estruturas, tecnologia e
recursos minerais, mas, ao mesmo tempo, miserável e fragmentada na sua forma de
conviver e cooperar. É muito mais provável que esta nação seja infestada de
desigualdade, corrupção, crime, exploração, ódio e conflitos, pois não há
nenhuma sociedade que prevaleça sã e tranquila, quando os valores humanos são
preteridos pelos ganhos materiais.
Tarde ou cedo, a falta de uma educação para o
bem-viver transforma-se num buraco negro que vai devorando todo o
desenvolvimento económico proporcionado pela educação para o trabalho.
Ao contrário, o mesmo não se verifica. Ou seja,
a ausência de uma educação para o trabalho não se traduz na degeneração dos
frutos duma educação para vida. Se um adulto assimilou ao longo da vida o
conhecimento que o permite discernir o bem e o mal, ainda que se veja
desprovido de condições materiais, jamais o seu bom carácter vai aconselha-lo a
cometer crime para suprir a necessidade. Se o fizer, não será por outra razão
senão pela fraqueza do carácter, pois quando se é bem-educado, o mal não faz
parte das nossas escolhas. A educação para valores humanos configura-se como um
compromisso com o bem, independentemente das desfavoráveis circunstâncias em
que o indivíduo se encontra. Se bem que é nas desfavoráveis circunstâncias que
mais se destaca o brilho de um carácter inabalável. O dito popular “a ocasião
faz ladrão” é deveras verosímil, pois o homem é que é o princípio das suas acções,
sendo por isso responsabilizado por elas. Se ele se permite que a ocasião que
lhe é algo externo transforme-o num outro ser diferente do que é, não é mais
por outra coisa senão pela fraqueza do espírito ou falta do compromisso com o
bem. Não basta aprender o que é o bem, é preciso assumir a virtude. Caso
contrário, toda a aprendizagem mostrar-se-á vã.
Nesta ordem de ideias, o pensamento socrático de
que a ignorância é a fonte do mal mostra-se um despacho exacerbado sobre a
ética, por não dar explicitamente a entender que não basta conhecer o bem, é
preciso assumi-lo. Há gente iluminada sobre o bem e o mal, mas decide praticar
o mal sempre que lhe ocorre vantagem pessoal, simplesmente por não ter feito
nenhum compromisso com o bem durante a aprendizagem.
Todavia, a conjugação dos dois tipos de educação
favorece para um pleno desenvolvimento humano. Tanto o trabalho como os bons
modos de viver são imprescindíveis para evolução do homem no mundo, ainda que
em medidas desiguais. Entretanto, o maior problema da educação contemporânea
que se verifica em vários países do mundo, incluindo Moçambique, é o facto de
não estar focada nem para o trabalho nem para valores humanos, pelo menos no I
e II ciclos de ensino.
Ora vejamos. De primeira à 12a classe, os alunos
aprendem Matemática em seus diversos cálculos, porém terminam o II ciclo sem
habilidades que lhes permitam uma boa gestão das suas próprias finanças. Sabem
contar e calcular, mas, mesmo assim, lhes falta a educação financeira. Na
Língua Portuguesa, é-lhes ensinada a gramática, leitura e escrita, porém, não
adquirem o essencial da língua que é o poder de comunicação. A Biologia que é
uma ciência sobre funcionamento do organismo dos seres vivos, da forma como é
dada, pouco fala do que bom e do que é mal para conservação da própria vida.
A Física e Química também se juntam ao
conhecimento sem proveito urgente para a auto-ajuda diária. Afigura-se-me que
não haja habilidades que se possam adquirir dessas disciplinas para resolução
de coisas práticas do dia-a-dia. O conhecimento das leis dessas ciências só se
torna mais valioso para os alunos que queiram ser investigadores.
Não vejo em que circunstâncias do seu dia-a-dia,
o aluno comum pode aplicar o conhecimento da formação das células ou
funcionamento da genética. De que modo, o aluno pode tornar práticos para sua
vida quotidiana os cálculos de algébrica, dos limites, dos logaritmos e da
trigonometria? Para que momento da sua vida, o aluno precisa saber das reacções
químicas e acerto das equações, se tampouco quer ser um químico? Quando é que
um adolescente precisou de usar a fórmula de resistência, gravidade e tensão
para livrar-se de um problema diário? Longe de eu soar a um imediatista,
procuro compreender a urgência e a imprescindibilidade do conhecimento que nos
têm passado ao longo dos 12 anos de ensino. Se calhar fosse primordial que os
professores indicassem o fim prático de cada tema das suas aulas, antes de
discorrer em teorias fantasmagóricas.
O que se ensina nas nossas escolas primárias e
secundárias não é uma educação para o trabalho, muito menos uma educação para
vida, mas sim uma educação (defeituosa) para ser um cientista. É uma educação
defeituosa, na medida em que as aulas são expositivo-explicativas e há falta de
instrumentos laboratoriais para que o conhecimento ensinado seja transformado
num poder prático. Não se pode esperar que um aluno consiga acertar uma equação
química na prática, quando só aprendeu a fazê-lo em papel.
A apologia que faço é que se deveria remover
estas disciplinas desprovidas de urgência prática das salas de aulas para
estantes da biblioteca. E aquele que lhe vier a curiosidade sobre reacções
químicas, funcionamento da genética, ondas magnéticas, gráficos exponenciais ou
classificação das palavras, ao menos, terá um espaço de esclarecimento na
biblioteca.
Findo o segundo ciclo de ensino, estas
disciplinas podem ser resgatadas no ensino superior – nível em que se espera
que os estudantes, para além de aprimorar competências da vida e do trabalho,
adquiram competências de investigação e produção do conhecimento.
As disciplinas que se me afiguram urgentes e
imprescindíveis para uma sociedade que se queira construir dia-pós-dia por meio
do conhecimento – mas que permanecem ignoradas – são a educação financeira, a
educação alimentar ou nutrição, a inteligência emocional, os primeiros
socorros, a informática, a educação ambiental ou reciclagem, a retórica, a
aritmética, a gramática e as artes (música, dança, teatro, poesia, literatura,
pintura, desenho, escultura, etc). Nas artes, julgo que cada modalidade deveria
ser ensinada em função da vocação de cada aprendiz. A estas disciplinas
supracitadas, dever-se-iam juntar as já existentes, como a Filosofia, pela
construção de uma consciência crítica; a Ginástica pelo bem-estar físico; as
línguas por uma melhor interacção com o mundo; a História em busca das lições
do passado comum; a Geografia pela nossa própria localização no mundo e o
Empreendedorismo que nos estimule a criar ideias e planos de negócio. Seria uma
tarefa tautológica se quisesse explicar a importância de cada disciplina que
sugiro a sua introdução para resolução de problemas do nosso dia-a-dia. São
disciplinas educativas por excelência e que, quando bem aprendidas, geram
riqueza espírito-material e preparam as pessoas para viver o presente de
maneira segura e responsável.
Ao invés de despender-se o tempo em aprendizagem
de fórmulas matemáticas, físicas, químicas ou estudo minucioso da formação dos
léxicos, da composição dos seres vertebrados e invertebrados – conhecimento
importante, mas não urgente para múltiplas exigências diárias dos alunos –
dever-se-ia apostar, primeiro, em conhecimento para o bem-estar físico,
psicológico e social bem como em habilidades para o trabalho. Dever-se-ia
sempre dar primazia ao conhecimento que proporcione saúde biopsicossocial dos
indivíduos, pois, repito, a sua falta configura-se um buraco negro que ameaça
devorar tudo quanto foi conquistado pela obra de ensino-aprendizagem.
*ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 1a
ed. Martins Fontes. São Paulo, 1998.
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