O discurso social da literatura é normalmente encontrado
na militância/engajamento do texto em relação a um movimento social de
vanguarda, que transpareça em si um manifesto social que inspire a mudança de
um determinado facto para o que se pressupõe que seja melhor, tanto pelo autor
textual assim como pela conjuntura social. Neste sentido, em “Deixa passar o meu povo” de Noémia de
Sousa, nota-se que existe um sonho expresso como reação ao que era visto e
vivido socialmente que era a ausência de liberdade e, além de ser um mandamento
em relação ao colono, como forma de contestação à condição de subjugação a que o
negro estava exposto, neste caso, na sua própria terra, este texto afigura-se também um convite ao repúdio de tudo que
foi o ensinamento do branco/europeu/colonizador como modelo de civilização e assunção
de algo que é tido como tipicamente africano, tal como ilustram as seguintes
palavras:
“E enquanto me vierem do Harlem/ vozes de lamentação /não
poderei deixar-me embalar pela música fútil das
valsas de Strauss.”
Portanto, pelo facto de este discurso socialmente
engajado ser mimese/imitação, na asserção platónica e aristotélica do termo, de
determinado momento imprescindível do ponto de vista histórico, “Deixa passar o meu povo”, tal como
outros objectos artísticos, ou mais especialmente, outros textos literários
política e socialmente engajados, constitui um documento revestido de
considerável valor histórico no sentido em que responde claramente à pergunta:
o que terá sido feito em momentos que precederam a independência de Moçambique?
Ao que se pode, através deste texto, inferir que o que
era feito pelos movimentos revolucionários fora de África serviu de inspiração
para os africanos/moçambicanos em África, no sentido em que se diz: “se eles são negros na mesma condição que a
nossa e fazem/fizeram aquilo, nós também podemos”, pois a referência a
diferentes movimentos ou representantes de tais movimentos negritudinistas visa
essencialmente a exaltação do seu “heroicíssimo” para que os africanos em
África possam tê-los como exemplo e sair do conformismo que os assolava.
Esta mesma referência aos movimentos negritudinistas
circunscreve-se na perspectiva estética de “Deixa
passar o meu povo” no sentido em que a sua textualidade é,
maioritariamente, assegurada pela intertextualidade que do ponto de vista
tipológico afigura-se exoliterária (por ocorrer entre um texto literário e outros
objectos semióticos) e do ponto de vista de forma, manifesta-se através da
alusão a personalidades e movimentos negros que empreenderam algum tipo de revolução
no contexto musical.
Este aspecto é observável
a partir do título, em que “deixa passar
o meu povo”, com o verbo “deixar” expresso num sentido imperativo em
relação ao branco. Ainda em relação ao título, importa acrescentar que é um
“empréstimo” da música de Louis Armstrong do movimento negro “hot five” cuja
postura na música originou o blues e
o jazz que foram movimentos musicais
de raiz negra e revolucionaram o contexto musical dos Estados Unidos.
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