“Olhando para o Azagaia, consigo encontrar a voz inacabada de José Craveirinha.”
Livros. O que me dão além de rostos, mentes, visões, experiências, mundos e
viagens cada vez que interajo com pessoas com quem partilho o amor pela arte de
escrever?
É daquelas perguntas que os jornalistas/apresentadores de televisão não
fazem nos seus talkshows. É curioso.
Quem sabe, a partir daqui, se abra um expediente para uma interpelação nesse
sentido.
“Sabes, a Matilde Chabana acaba de sair. Estávamos aqui
num papo e achamos que se pudessem encontrar, mas ela teve de sair às pressas
porque está para orientar um evento”. Disse-me um amigo, num desses sábados em sua casa. É sempre assim neste
universo, este conhece aquele que conhece o outro e aos poucos constitui-se uma
família de viajantes no mundo do verbo.
Não passou muito tempo, lá vinha outro: “estamos
a pensar a fazer uma apresentação do livro da Matilde em Xai-Xai, e tu terás a
dupla função de representar a Editora Kulera e apresentar o livro ao público
leitor”. Não respondi, porque resposta melhor não haveria senão arregaçar
as mangas. Sim, estive em vantagem: antes do “bom dia, como está” eu já tinha mais informação sobre a minha
interlocutora através do seu livro. “O Perfume
do Pecado” é o título e saiu pela Kulera em 2021. Fiz considerações sobre
ele que em nada roçam o rap. A despeito do seu labor profissional e militância
pela palavra dita e escrita que será tema de conversa noutro dia, ocorreu-me
interagir com ela sobre esta matéria para melhor conviver com uma pulga que, na
altura, se instalou por detrás da orelha.
É isto e mais alguma coisa que norteiam estas conversas: pulgas e outras coisas por detrás da orelha, que me fazem querer perceber mais e descortinar o “será” que nos sitia cada vez que lemos um livro ou intentamos uma conversa num desses corredores da palavra.
Q1.
Elísio Miambo: Quando e como começou a escutar rap?
Matilde Chabana: Não consigo voltar ao tempo e espaço concretos. Mas me
lembro que era criança. Cresci escutando rap porque vivia cercada de homens:
meus irmãos e primos com quem cresci. Lembro-me que escutavam frequentemente
Wu-Tang-Clan, M.O.P, Pharoahe Monch, Busta Rhymes. Algumas vezes 50 Cent e
Eminem.
Q2.
EM: Que rappers tem escutado?
MC: Dificilmente mudo de cor preferida. Eu ainda sou grande
fã dos M.O.P. Ouvir “what the future
holds” faz-me pensar nos meus irmãos que se perdem pelas ruas. Em
simultâneo, creio que um dia sobrar-lhes-á um lustro para incendiar a
consciência. “The Next Shit” de
Pharoahe Monch e Busta Rhymes faz-me sentir a adrenalina que preciso para me
animar (risos).
Meus irmãos influenciaram-me muito bem. A nível nacional fui muito bem
corrompida pelos Magnésia (Já chegamos
boy, meu bolso, vatabiwa) estes deviam ser um clã do rap até hoje. Aprecio
muito o Azagaia, 3H, 2 Hustlers, Xitiku Ni Mbaula e tantos outros.
Q3.
EM: Faça um top 5 de rappers da sua preferência e justifique
as suas escolhas.
MC: Fazer um top 5 é o mesmo que escolher as minhas músicas
favoritas dentre as favoritas que mencionei acima, o que me é desafiador. Todos
são bons ao estilo individual.
Q4.
EM: Já escreveu/gravou algum material neste género?
MC: Já escrevi, sim. Antes de escrever poemas, brincava de
escrever letras com o meu irmão Martins, meu primo Vasco e amigos da Escola Secundária
Eduardo Mondlane. Escrevíamos letras e desenhávamos num ambiente competitivo.
Eu dizia que queria ser fornecedora de letras (risos).
Q5.
EM: Quando e como começou a escrever textos literários?
MC: Na adolescência, num contexto religioso. Como monitora
de adolescentes e crianças, tinha a responsabilidade de organizar os conteúdos
para os festivais infantis. Um deles eram os poemas temáticos. Ainda me recordo
do meu primeiro texto intitulado “Juntos
pela erradicação dos males contra a criança”: juntos unidos por um amanhecer da escuridão/juntos erguidos em prol da
santidade/erguidos, apressados, estamos a caminho da felicidade/munidos e
despedidos de rancor em busca da dignidade/.
É por aí…
Mas é de se notar que o gosto pela leitura veio pela voz do meu pai. Ele é
um bom coleccionador de livros. Eu já destruí muitos livros dele, à revelia,
fazendo fogo. (risos)
Q6.
EM: A escrita é, por excelência, um exercício de memória.
Muitas vezes o escritor dialoga com as suas vivências. Tal pode ocorrer de
forma consciente ou inconsciente. Já sentiu que, em algum momento, estivesse a
dialogar com o universo rap na sua produção literária?
MC: Gostava imenso de ter este encontro com o rap em meus
textos actuais. Mas ainda não o tive. Poucos textos meus, nada lapidados, já
tiveram esta tendência.
Q7.
EM: Acha que o facto de escutar rap contribua para a sua
produção literária? Se sim, de que forma?
MC: O rap é um estilo musical que me agrada bastante. Mas
não o transporto em meus delírios textuais. Espero um dia fazê-lo.
Q8.
EM: Que paralelos pode traçar acerca do rap e da literatura
produzida actualmente em Moçambique?
MC: O rap tem, honestamente, traços originais que
dificilmente podem ser obstruídos: resistência e revolta. Dizem que há estilos
de rap, mas, para mim, aquele que cresci ouvindo (o underground) continua sendo
o melhor. Obviamente que nos vamos reinventando e adaptando às novas
realidades. Olhando para o Azagaia, consigo encontrar a voz inacabada de José
Craveirinha. Para dizer que temos legados vivos ou vivemos legados, embora não
sinta este cruzamento com os escritores actuais. Mas é uma matéria por se
investigar a fundo: ainda não tenho subsídios suficientes.
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