"de alguma forma, acabo fazendo uso das ferramentas que encontramos no rap na minha própria produção literária"
Já tinha lido o nome em 2014 quando co-organizava uma antologia que
publicou poesia feita em Gaza e Niassa. Só em 2021 associei o nome ao rosto.
Foi numa feira do livro, em Inharrime. Disse que me queria ler em livro,
passei-lhe um dos últimos exemplares que levava comigo. Ainda irei procurar
outro fórum para saber da impressão que terá tido daquelas coisas que lá andam.
Hoje o papo é outro.
Ando, há já algum tempo, com esta ideia de seguir as pegadas da
interdiscursividade que se inscreve entre o rap e a literatura feita nestes
dias. Incluí-lo neste experimento era inevitável. Primeiro, pela vivência em
Niassa, onde se deu parte da sua amizade com as letras e, segundo, pelo seu
afecto com o rap. Não foi difícil perceber isso durante a viagem que fizemos de
Inharrime a Quissico. Estávamos ali com Celso Muianga, Almeida Cumbane e Emílio
Cossa. Com este último deu para dialogar sobre rap que passava pelo rádio do
carro. Com os dois primeiros, só a natureza à beira do asfalto virava tema de
conversa e outras tantas coisas. Mas nada de rap.
Demorei perceber, mas não precisava de tanto. Dois minutos de conversa
seriam necessários. Mas, cá entre nós, ter mais do que isso é um labor. O homem
é de poucas palavras. Deve ser pelo facto de haver, na sua escrita, sinais
claros de uma genica para haicais. Se nunca o considerou, devia pensar
seriamente nisso.
Nunca o disse a ele. Talvez o pudesse dizer se esta conversa tivesse ocorrido nas imediações do rio Inharrime com um aroma de lúpulo à mistura. Esse era o plano. Mas não deu. Fiz outras viagens sentado numa esteira em Xai-Xai e com um telemóvel à mão. Não foi desta, mas em breve iremos conversar sobre os seus escritos dispersos em antologias e periódicos pelo mundo afora e, sobretudo, reunidos em “Sonhar é Ressuscitar” (2016); “Sombras Cálidas” (2017), “O Desassossego por Dentro” (2021) e “O Ardina de Sapatos Gastos” (2022).
Q1.
Elísio Miambo: Quando e como começou a escutar rap?
Alerto Bia: Digamos que eu comece a ouvir rap em 2009, sobretudo
quando vivia em Lichinga. Desenvolvo este gosto por influência de um primo meu:
o T Key. Ele tinha, dentro do quintal, um cubico que servia de estúdio. Quando
não fosse para fazer as suas composições, sempre tocava a música rap. Foi nesta
senda que eu acabo me envolvendo com este estilo musical que tem um fazer
poético muito interessante. Talvez destaque-se o facto de que neste período
havia uma proliferação da música rap, pelo menos na mídia moçambicana. Houve,
na mesma altura, o surgimento de muitas labels/agrupamentos musicais ligados ao
rap. Por isso, ficávamos em casa a escutar estas músicas. Penso que é neste
contexto que acabo desenvolvendo o gosto pelo rap e, consequentemente, pela
poesia. Repare que as minhas tentativas de entrar no mundo literário cingiam-se
na prosa, mas a partir do momento em que passo a lidar com rap, desvio as atenções
para a poesia.
Q2.
EM: Que rappers tem escutado?
AB: Em princípio, escuto todos os rappers, mas tenho uma
preferência por NGA, Drake, Sam The Kid, Azagaia, Hernani, Slim Nigga, Duas
Caras, sobretudo quando fazia o duo com Sem Paus, Nicki Minaj, enfim…vou oscilando
por aí.
Q3.
EM: Faça um top 5 de rappers da sua preferência e justifique
as suas escolhas.
AB: Para evitar que eu caia no precipício, prefiro fazer um
top 5 de rappers moçambicanos. Começo logo com Azagaia, Flash, Hernani da
Silva, Slim Nigga e Dama do Bling.
Q4.
EM: Já escreveu/gravou algum material neste género?
AB: Pois é. Escrevi e cheguei mesmo a gravar no intervalo de
2009 a 2011, mas depois percebi que aquilo não ia comigo. Foi daí que comecei a
me dedicar à escrita.
Q5.
EM: Quando e como começou a escrever textos literários?
AB: Eu começo a escrever, precisamente em 2012. É quando se
dá o meu encontro com as letras. É claro que eu já vinha rabiscando um e outro
texto nos anos em que estava no ensino secundário, mas era tudo uma espécie de
decalque. Havia, por exemplo, um manual de português, 9ª classe, cheio de
textos literários. Então, o que eu escrevia era uma espécie de decalque
daqueles textos. Já em 2012, além de escrever músicas de rap, começo a escrever
textos de natureza estritamente literária. Lembro-me que lia muito a bíblia
naquela altura e o meu primeiro texto surgiu na igreja depois de ter ficado
tanto tempo a ler textos esparsos de Provérbios e Salmos. Daí fui exercitando e
aperfeiçoando a minha escrita.
Q6.
EM: A escrita é, por excelência, um exercício de memória. Muitas
vezes o escritor dialoga com as suas vivências. Tal pode ocorrer de forma
consciente ou inconsciente. Já sentiu que, em algum momento, estivesse a
dialogar com o universo rap na sua produção literária?
AB: Penso que sim, embora, talvez, o faça de maneira
inconsciente. Isto ocorre devido à força expressiva que o rap tem na forma como
trabalha o ritmo e, também, o valor estético da linguagem. De alguma forma,
acabo fazendo uso destas ferramentas que encontramos no rap na minha própria
produção literária.
Q7.
EM: Acha que o facto de escutar rap contribua para a sua
produção literária? Se sim, de que forma?
AB: Tal como referi há bocado, de tantas vezes que escuto
rap, acabo ficando com estes elementos que dão mais vida a minha produção
literária.
Q8.
EM: Que paralelos pode traçar acerca do rap e da literatura
produzida actualmente em Moçambique?
AB: Esta pergunta é a mais difícil. Mas para traçar este
paralelo, eu diria que a literatura assim como o rap estão em alta no sentido
em que as duas artes tendem a dar voz ao povo, trazendo estas vivências do
nosso dia-a-dia como forma de despertar as massas para pensarem de maneira
diferente. Olhamos, também, para a literatura considerando esta produção e
publicação massiva: a cada dia saem novos livros. Embora seja difícil fazer o
devido acompanhamento de tudo que é produzido, julgo que seja algo positivo.
Agora, o rap, em si, talvez esteja numa espécie de decadência porque há
abordagens temáticas não muito ricas: há pouca reflexão. Mas isto talvez esteja
ligado à nossa educação que está de pernas para o ar: é isto que se reflecte na
música. O que acontece na música é que nós podemos acompanhar todos os
lançamentos, o que não acontece com os livros. Então, facilmente notamos que
apesar de o rap ter conhecido um progresso, há, agora, este bloqueio de
repetição temática. Portanto, de uma forma genérica, tanto a literatura como o
rap estão firmes, no sentido em que as duas manifestações artísticas estão
empenhadas em dar voz ao povo e, para mim, este é o papel das artes.
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