“nunca senti que estivesse a dialogar com o universo rap, mas através dele tive ferramentas essenciais para me definir na escrita”
Falar da produção literária, ou poética (para ser mais específico), em
Moçambique, a partir da primeira década do século XXI até esta parte e não
mencionar o nome de Álvaro Taruma é como intentar dançar balé por cima de uma
bola de pilates.
É, sem sombra de dúvidas, uma voz que se evidencia nestes tempos em que a
produção literária moçambicana conhece uma azáfama editorial que não me parece
que tenha sido registada noutros momentos. Mas esse não é o motivo desta nossa
conversa: não precisamos de proclamar a tigresa do tigre senão deixá-lo na
selva e assistir.
Estamos nesta conversa por causa de uma suspeita. Daquelas que precisam de uma sentada para que se deixe tudo em pratos limpos. Fizemos a nossa sentada do mesmo modo com que, agora, você nos lê: à distância. Afinal, já se disse e muito bem: as tecnologias não formam murros mas pontes.
Há algum tempo que venho ruminando uma suspeita sobre a sua escrita. Via
nela um quê de Regula (rapper português) ou de Evidence (rapper norte
americano). Mas isso nem chegou a ser mencionado na nossa conversa. Nem
precisava. Não foi daquelas conversas em que um dos interactantes coloca
palavras na boca do outro. As perguntas foram secas. E, ao caírem em terreno
fértil, deviam emergir. Assim foi.
Ainda sobre as suspeitas, nunca inventariei tal hipótese. Mas antes que a
pudesse criar, ele foi peremptório: “nunca
escrevi rap”! Além de textos dispersos em antologias e revistas, publicou “Para uma Cartografia da Noite” (2016), “Matéria
para um Grito” (2018), “Animais do
Ocaso (2021) e, mais recentemente, “Recolher
Obrigatório do Coração” (2022).
Q1.
Elísio Miambo: Quando e como começou a escutar RAP?
Álvaro Taruma: Não saberia dizer quando, mas posso fazer uma
contextualização. A primeira vez que oiço falar de rap, deve ter sido nos
finais de 1996 senão nos princípios de 1997 quando tomo conhecimento da morte
de 2 Pac. Foi assim que ouvi, pela primeira vez, a expressão rap. Antes disso,
nunca tinha ouvido falar desta expressão em si, mas já tinha escutado o género musical,
embora não soubesse o que era. Recordo-me, agora, da música de Eduardo Carimo,
que se assemelha ao rap e de que as pessoas gostavam. Tinha a seguinte frase no
refrão: “quem não vai à escola é
marginal”. Também já tinha ouvido aquelas músicas meio Funk, que era mais
ou menos coisa dos Da Brat. Isto porque os meus tios, com quem vivia,
concertavam aparelhos de rádio, então, normalmente as pessoas deixavam os
aparelhos com as suas cassetes e algumas que tinham hiphop/rap, e, durante as
suas actividades, eles tocavam-nas. Foi assim que conheci muitos géneros
músicas como o reggae, o funk, o zouk das antilhas e algumas músicas
brasileiras. E, para além disso, eles já conseguiam captar frequências de
rádios que tocavam rap. Foi assim que fiquei a saber que 2 Pac era uma lenda do
rap. Ademais, alguns amigos meus já procuravam cantar musicas como “dear mama” e “only God can judge me”. Nessa altura eu tinha nove ou dez anos.
Entretanto, o meu primeiro contacto com o Rap de forma mais familiarizada
ocorre através de um dos meus tios que tinha uma cassete do Gabriel o Pensador,
na qual havia a música “sei lá” e
tantas outras. Foi daí que comecei a perceber que se tratava de um género
diferente. Passo a ter uma maior paixão por este género através dos Black Company
quando lançaram músicas que foram hits. Recordo-me agora do “não sabe nadar”, “abreu” e tantos outros que foram músicas que me deram um
entusiasmo muito forte pelo rap, ao ponto de, também, querer baixar um
bocadinho as calças e achar graça naquilo, porque o Gabriel o Pensador não o
tinha absorvido tão bem. Ouvia as músicas mas estas não eram dançantes e eu não
conseguia me meter dentro de um movimento. Os Black Company foram os que me
conseguiram transmitir esta ideia de que talvez eu podia ser um rapper, um dia:
era apelativo. Depois disso, comecei a escutar o álbum de Boss Ac, depois o
segundo…enfim, as vindas de Boss Ac a Moçambique também foram motivadoras e
nesse momento eu já era um pouco mais crescido. Depois começo a expandir um
pouco o horizonte: ouvia músicas de Wu-Tang Clan, via pessoas com camisetes de
Wu-Tang Clan, via, também, o símbolo deles e ia a casa de amigos que assistiam
videoclipes da RTK que passavam vídeos de Wu-Tang Clan. Recordo-me, agora, da
música “triunph” que sempre passava
naquela estação televisiva. Nessa altura, começo a ouvir o próprio 2 Pac, Nas,
Notorius BIG e é por aí que também se dá a coisa do rap e começo a conhecer o
rap de uma forma diferente. Do nada, e não sei por que motivo, começo a
detestar o rap muito apelativo, muito mainstream…ia
mais para um rap muito alternativo. Então, o meu contacto com o rap dá-se por
essas figuras e consolida-se depois com amigos, mais tarde, que me passam a
compilação da candonga e começo a ouvi-la. Começo a ouvir outras compilações
que foram feitas em prol do HIV/Sida, começo, também, a ouvir o SSP, Mr. Arsen
e Mc Roger, passo também a conhecer os Puff Daddy. Mas em termos de consciência
mesmo, isso dá-se com a compilação do Dj Kronic, de Portugal, com o projecto “Inoxidavel” e, depois, com a compilação
que tinha a música do Valete “fim da
ditadura” e tinha lá outros rappers. Nessa altura já estávamos nos anos
2004/2005. Eu já andava aos 17 anos e cá em Moçambique já ouvia os 360 graus, a
GPro Fam, o Danny OG a solo, Auto Squad (um pouco antes disso). Mas o meu
contacto, de facto, voltando para a pergunta só para não me perder, dá-se em
1997 e vai se consolidando com o tempo até hoje. Repare que parte destas
vivências tiveram lugar na Ilha de Inhaca, onde nasci e cresci até aos meus
15/16 anos. Portanto, este primeiro contacto com o rap aconteceu lá. Em 2004
mudei-me para a cidade de Maputo e através dos meus primos tive mais contacto
com o rap porque alguns deles pertenciam a grupos de rap nos bairros. E, na
escola secundária, conheci amigos/colegas que me passavam as compilações de que
falei há bocado, onde tive contacto com o rap de Valete, Sam The Kid, Regula,
Xeg, NBC, Dj Kronic e Chullage. Esses são, de facto, os que me influenciaram.
Eu escutava o álbum de Chullage e dizia “uau,
esta é alguma coisa que eu gostaria de fazer”, visto que nessa altura eu já
escrevia poesia e isso ajudou-me a desenvolver, sobretudo o terceiro álbum de
Sam The Kid. As músicas “sofia”, “de repente”, a forma como ele escrevia
as aliterações…era aquilo que eu parava para dizer “não, eu acho que posso fazer este jogo de palavras”. Aquilo
ajudou-me a abrir a consciência. Por exemplo, o Valete, no segundo álbum, que
tinha aquela rebeldia toda e o foco do pensamento ligado à esquerda
revolucionária, ajudou-me a ter maior consciência. A diferença entre estas
vivências na Ilha de Inhaca e na cidade de Maputo, é que com os meus tios, em
Inhaca, eu apenas escutava o que eles tocavam mas, em Maputo, com os meus
primos, não só tocávamos como discutíamos sobre tais músicas. Por outro lado,
já comecei a frequentar espectáculos de rap no África Bar, no Gil Vicente, já
ia ver o festival Punhos no Ar e já tinha amigos rappers. Por exemplo, estudei
com Dingzwayu e tantos outros, o que me fez ter esta convivência, não só com o
rap mas com as pessoas que cultivavam este género musical, incluindo alguns
amigos meus que fazem poesia, por exemplo: o Japone Arijuane e o Nelson Lineu
que também faziam rap. Mas, também, foi neste período que passo a escutar mais
o hiphop português: o Dilema (de quem me esquecia), o Fuse, o Mundo Segundo, os
Mind da Gap, Da Weasel (que já tocava mas passo a conhecer um pouco mais
tarde).
Q2.
EM: Que rappers tem escutado?
AT: Eu ouvi muito Wu-Tang Clan. Tenho os seguido desde a
tenra idade e, praticamente, vou escutando quase as mesmas coisas. Escuto-os
como um conjunto assim como individualmente, mas tenho uma preferência pelo Ghostface
Killah e GZA, Nas
(sempre gostei dele), escuto Hocus Pocus, que é um grupo de rap francês, escuto Little Brother,
Phonte, Rapper Big pooh, Tribe Called Quest, Native,
Common, um pouco também daquela afiliação neo soul feita por Erykah Badu,
escutei Big L, Fugees e Lauren Hill. Escutei, também, Gabriel o Pensador por
algum tempo para o perceber, mas fiquei mais apaixonado pelo álbum dos
Racionais MC’s: “sobrevivendo no inferno”
é uma escola. O álbum a seguir deles “nada
como um dia após outro dia” é também uma escola. Gosto também do rap
português: escutei bastante o Valete. Não é um rapper que eu goste, mas é um
rapper que me influenciou bastante numa certa altura da minha vida. Gosto e
admiro o Sam The Kid, tanto como rapper quanto como produtor. Fiquei fascinado
por Allen Holloween, sobretudo a partir do segundo álbum ao último: escutei
bastante. Escutei Sabotage, actualmente escuto Kendrick Lamar, J. Cole, Isaiah
Rashad e Joe Bada$$. Mas nos últimos anos, os
rappers que fazem algo que me chama atenção do ponto de vista estético são:
Rincon Sapiência (achei estupendo o primeiro álbum dele), Baco Exu Do Blues (o
segundo álbum), Djonga (o primeiro álbum e, se calhar, o último)…esses são
rappers brasileiros da actualidade. Escuto também o Beká,
que é também brasileiro, são as pessoas que tenho estado a escutar nestes
últimos 3/4 anos e que tenho estado a aprender alguma coisa como hiphop, porque
escutei muito o hiphop feito em Moçambique e fui um ouvinte assíduo do programa
HipHop time, e não só, e consegui compreender várias formas de fazer hiphop no
nosso país, mas depois disso, os últimos grupos a que prestei atenção foram os
Kappacetes Azuis ainda no seu primeiro álbum, senão o segundo. Desde então,
deixei de prestar atenção ao rap que se fazia em Moçambique. Por isso,
dificilmente eu te falaria de nomes de rappers moçambicanos da actualidade,
mas, na altura, escutava o Duas Caras, o Azagaia, o Flash, o A Small, Sick
Brain, Dingzwayu (Xitiku Ni Mbaula) escutava bastante o duo e gostava, Trio fam
e a Track Records toda embora fosse um pouco mainstream porque a minha preferência foi sempre pela música
alternativa. Ouvia também o Rage, o Izlo H, 360 graus embora eu não gostasse mas há
músicas que eu julgo que sejam clássicos do nosso rap, sobretudo as produções
do Ellputo.
Q3.
EM: Faça um top 5 de rappers da
sua preferência e justifique as suas escolhas.
AT: Torna-se muito difícil. Mas te irei dizer o seguinte:
O primeiro é Nas. Quando ouvi o primeiro álbum dele, não entendia nada do
que dizia, mas eu percebia uma cena de juventude nele. Quando fui aprendendo o
inglês e fui percebendo o esquema rimático, a forma como ele brincava com o
calão e como ele falava da própria realidade…músicas como “one love”, “New York state
of mind”… aquilo era maravilhoso. Mas, também, hoje tu vês pela longevidade
e importância que ele tem dentro do movimento.
Ora, para te ser sincero, eu gosto de rap em português. (risos) É a coisa
que me fez crescer como homem porque era uma realidade aproximada e entendia
tudo que se dizia.
O segundo é Sam The Kid. Para mim é um clássico. Os álbuns dele sempre
foram uma escola, uma indicação; e a forma como ele se entregou para ajudar
outros rappers através da produção é igualmente admirável.
O terceiro é Duas Caras. Não tenho como falar de rap em Moçambique sem
falar de Duas Caras, tanto através da GPro assim como pelo percurso depois da
desvinculação. Admiro o esforço que ele faz para não ser igual. Por exemplo, eu
poder-te-ia dizer assim: Azagaia é uma pessoa que tirou dois álbuns fora do
comum, mas acaba não conseguindo se reinventar. E eu acho que o Duas Caras
consegue se reinventar. Então, nos meus gostos, Duas Caras vai sempre estar
acima de Azagaia, embora este último tenha tido uma projecção devido às
temáticas polémicas que aborda, mas mesmo em termos de delivery, de flow…está
muito atrás daquilo que Duas Caras pode dar.
Portanto, já mencionei 3…deste-me 5. Então, vou voltar a dois rappers
brasileiros. Antes de ir para aquele que deveria estar em primeiro lugar, vou
falar do Baco Exu do Blues. Ele não é um rapper
que tenha um delivey interessante, tenha um flow interessante, mas é um rapper
que sabe transmitir exactamente as coisas que eu sinto. É um rapper que eu
gostaria de estudar bastante porque ele tem um conhecimento profundo das
matérias que aborda. Quando ele trata de assuntos que tenham a ver com sentimentos,
com contradições, de problemas depressivos, de ansiedade, do ciúme, da dúvida,
da insegurança…ele consegue fazer álbuns conceptuais: o segundo álbum dele é
uma coisa totalmente de outro mundo, o terceiro é uma coisa que estou aqui a
ouvir, mas oiço aquilo e admiro a inteligência e a sensibilidade, acima de
tudo.
Por fim, posso fazer menção ao Djonga. Acho que ele conseguiu ir para um
lugar onde eu acho que o Mano Brown poderia querer ter chegado. Um bocado antes
disso, esteve o Emicida que também tem um produto artístico sempre bem
desenhado, mas sempre senti a coisa muito elaborada e menos natural e,
comparativamente ao Djonga, ele perde porque Djonga tem uma coisa muito
natural. Sente-se nele um flow natural, uma pessoa que parece que está ali…está
na rua. E, pronto, também não poderia deixar de falar de Halloween que eu acho
que é aquela coisa que devia ser estudada. Já ultrapassei os 5, mas vais me
desculpar (risos). Ele jogou o campeonato dele, enquanto os outros estavam numa
liga, ele estava noutra liga em que só ele estava.
Q4.
EM: Quando e como começou a escrever textos literários?
AT: Não te posso dizer ao certo. Provavelmente possa dizer
que estava na escola primária, depois da 5ª classe, em 1999. Suponho que tenha
começado a “decalcar” textos entre a 7ª e a 8ª classes. Se calhar tenha
desenvolvido mais o gosto a partir da 8ª classe porque já tínhamos os manuais
escolares com textos de diversa tipologia provindos de vários quadrantes do
mundo. Isso motivou-me bastante. Procurava escrever textos que tivessem o mesmo
esquema rimático dos textos que nos eram apresentados nos manuais, como o caso
dos de Camões. Tínhamos, também, acesso aos textos de Luís Bernardo Honwana e,
por via disso, procurávamos escrever algumas crónicas. Então, é nesse período
que começo a escrever os meus textos. Não sabia o que era literatura; aquela
era uma forma natural que eu tinha encontrado para me expressar sem ter
consciência do que, de facto, estava a fazer.
Q5.
EM: A escrita é, por excelência, um exercício de memória.
Muitas vezes o escritor dialoga com as suas vivências. Tal pode ocorrer de
forma consciente ou inconsciente. Já sentiu que, em algum momento, estivesse a
dialogar com o universo RAP na sua produção literária?
AT: Nunca senti que estivesse a dialogar com o universo rap,
mas através dele tive ferramentas essenciais para me definir na escrita. Não sei
se me entendes. Por exemplo, a forma como a GPro se apresentou tematicamente, é
algo que eu gosto. Eu faço a minha escrita com a ilusão de que a minha voz
serve para fazer despertar algumas mentes. Isto claramente aprendi do rap. É
óbvio que a conversa que eu tive com outras pessoas ajudou-me a desenvolver
este sentido. Por exemplo, Eduardo White já me dizia que “um escritor não pode escrever só por escrever em vão”. Tens de ter
uma voz, tens de desenvolver uma ideia muito clara do que queres dizer. Mas o
rap ajudou-me a ter isso. A GPro Fam ajudou-me a ter essa clarividência. O
Valete, também, ajudou-me a ter essa clarividência. O Sam The Kid ajudou-me a
ser suave. Eu acho ele suave. Diz coisas, mas duma forma suave e inteligente,
sem esforço. O Chullage ajudou-me a ter esta forma rebelde, de alguma forma. E
isto busco também em Azagaia e tantos que eu escutava e eu dizia “uau! Isto é coisa de outro mundo”. O
Allen Halloween, também, através da forma como ele se comunica em parábolas. O
Baco tem coisas que se calhar escrevi em “Matéria
para um Grito” que se o fiz foi porque o Baco me deu atmosfera necessária
para pensar nesse tipo de coisas. Há músicas da Tribe Called Quest, também,
aquela coisa meio jazz, dá-nos inspiração necessária. Eu acho que o rap entra
por aí. Eu nunca tive a ilusão de que podia repar. Houve uma altura em que
pensava “se calhar podia ser um Boss Ac”…era
muito mais novo, mas mesmo assim eu conhecia as minhas limitações técnicas e
muito rapidamente percebi que o rap não é só saber escrever. O rap tem alguma
coisa de genialidade, de rua…é por isso que quando falava dos rappers
brasileiros não incluí o Mc Dalí porque eu oiço as músicas dele e sinto que há
alguma coisa demasiadamente arrumada que acaba não tendo aquela força
expressiva de um Mano Brown, por exemplo, que é poesia de rua e percebe-se que
se trata de uma pessoa muito inteligente para aquilo que é a realidade dele que
é de uma pessoa que não teve a mesma oportunidade de escolaridade como os
outros. Por outro lado, há um espírito competitivo que os rappers têm e que eu
também bebi um pouco disso. Há, porém, a questão dos esquemas rimáticos que
para o rap faz todo sentido, mas na minha poesia não chega a se observar porque
a minha poesia é livre. Mas, se calhar eu esteja a pensar assim e haja alguém
que já tenha visto alguma similaridade nesse sentido.
Q6.
EM: A questão a seguir poderá parecer redundante em função da
resposta a esta última. Em todo caso, vou deixar ficar (risos). Acha que o
facto de escutar RAP contribua para a sua produção literária? Se sim, de que
forma?
AT: Acho que, de alguma forma, contribuiu. Mais ou menos da
forma como falei e, não só o rap…a música, em geral, influencia bastante na
minha produção literária, as artes plásticas, também. Mas, em geral, eu tinha
dito e, com razão, apontas isso. E uma coisa muito importante é que, por
exemplo, não escutava Gabriel o Pensador desde 2014. Mas neste mês de Janeiro,
senão nos finais de Dezembro, voltei a ouvir a música “sei lá”. Ocorre-me, no entanto, que não só a batida mas parece que
a música, no seu todo, parece ter uma coisa nova. Então, há sempre alguma coisa
que vamos aprendendo porque eu levo muito tempo a adaptar-me a coisas novas,
sobretudo no que tem a ver com o rap. Por isso, nem escuto muito o mainstream ou música pop porque em todo
ano tem de haver alguma coisa que bate e quando já não consegue bater tem de
ser substituído por outro que bate e a fazer exactamente a mesma coisa. Então,
vou escutando praticamente os mesmos álbuns, mas há sempre alguma coisa nova
que aprendo deles. Relativamente aos novos trabalhos, até escuto um e outro
para ter dicas novas porque há também coisas interessantes por aproveitar em
termos de construção frásica, por exemplo.
Então, sim. De alguma forma, o facto de escutar rap, raggae, jazz, soul,
etc. influencia, sim, na forma como eu escrevo.
Q7:
EM: Que paralelos pode traçar acerca do rap e da literatura
produzida actualmente em Moçambique?
AT: Esta pergunta parece-me difícil, tendo em conta que há
bom tempo não escuto muito o rap produzido em Moçambique. Para te ser sincero,
das poucas coisas que me calham devo ter ouvido alguma coisa do Hernani. São
poucas músicas mas uma delas está na compilação actual do Sam The Kid. Ouvi
alguma música do 16 Cenas. Idem, também, para a própria literatura. Poderia,
talvez, falar de poesia que, se calhar, é a coisa que mais consumo. Parece
chato assumir isso, mas não consigo ler tudo que se produz em Moçambique. Então
seria maningue difícil para mim responder a esta questão de forma muito clara,
muito específica. Mas, como todo um conjunto de produção, acervo artístico, há
coisas muito boas e coisas também más. Acredito que tanto no rap assim como na
literatura haja essas situações. Mas, para mim, o rap em Moçambique não
conseguiu acompanhar o passo. Já notava, por exemplo, que os rappers não
conseguiam fazer shows. Podias gostar da música mas chegavas lá e notavas que
os rappers não conseguiam criar um conceito para um show. Isto é algo que já
via, por exemplo, no Brasil. Via, também, a dificuldade de os rappers
conseguirem fazer um álbum com conceito. Eu sempre escutei e gosto de escutar
um álbum, da primeira música à ultima seguindo o conceito definido no álbum. E
cá só encontrei em poucos, como Azagaia nos seus primeiro e segundo álbuns. A
Gpro, também, tinha esse cuidado: os álbuns deles tinham também conceitos. Mas
depois não vi outros. Apareceram os Kappacetes Azuis, mas de repente parei de
escutá-los porque pareciam cópia de outros rappers. Depois disso não acompanhei
muita coisa. Por exemplo, hoje tu notas uma tendência de beats mais ou menos
trap e o tipo de construção de versos, de esquemas rimáticos…enfim, tudo mudou.
Então, para mim, o rap feito em Moçambique está num sentido decrescente. Quanto
à literatura, eu acho que é o contrário. Parece-me estar numa fase em que o rap
também esteve lá para os anos 2005/2006 em que havia uma avalanche de rappers.
Hoje na literatura também há isso. Há um boom de publicações boas ou más, mas
está a se publicar e ninguém agora depende de padrinhos para publicar. Todo
mundo que consegue publica sem depender de outros. Eu acho que isso é bom,
porque depois de algum tempo, as pessoas que forem estudar literatura poderão
dizer este período foi bom. Por vezes as pessoas não dão crédito no momento,
mas um dia alguém vai ter de reconhecer mas não sinto a mesma força no rap. O
que é estranho porque há muito material: as pessoas andam revoltadas, mas sinto
falta de rappers que abordem isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário