Os movimentos Político-culturais do
princípio do século XX, caso concreto da Negritude que tinha como grande ideia
a busca e revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares,
tiveram uma grande importância para o desenvolvimento das Literaturas Africanas
de Expressão Portuguesa. Foi através destes movimentos que os poetas conseguiram
delinear as formas de afirmação da sua produção artístico-cultural, e até
literária.
A literatura
são-tomense tem as suas raízes no século XIX – princípios do séc. XX, com a
tradição do jornalismo praticado pela elite dos filhos-da-terra, na imprensa
(revistas, jornais e boletins de associações), de que era proprietária e de que
se destacam O Africano, A Voz d’África, O Negro, A Verdade, O Correio
d’África, entre outros.
Esta
literatura, à semelhança de outras africanas de expressão portuguesa, surge
como resultado das investidas da empresa colonial, com as suas políticas de
imposição da língua e cultura europeias, mas distancia-se das ditas
continentais (Moçambicana e Angolana), e junta-se à cabo-verdiana num conjunto
de literaturas insulares, que se caracterizam por serem de países nunca antes
existentes, aparecendo com a colonização, passando a aglomerar escravos de
diferentes cantos da àfrica oriental, o que criou a miscigenação
rácico-cultural. Pelo que, os povos deste país não são meramente negros, mas
mulatos, na pele, língua e cultura, entretanto, e curiosamente, é a partir
desta literatura que se ouvem os primeiros sussuros sobre o que mais tarde
viria constituir a bandeira da revolução negro-africana, a Negritude. Na voz
de um poeta em língua portuguesa, chamou a si a expressão da negritude. Trata-se de Francisco José Tenreiro (1921-1966), desalienado, liberto dos
mitos da inferioridade social, identifica-se com a dor do homem negro e
repõe-no no quadro que lhe cabe da sabedoria universal.
Literaturas Africanas de expressão portuguesa
Literaturas Africanas de expressão portuguesa
As
literaturas africanas de expressão portuguesa estão inteiramente ligadas ao
processo de colonização europeia.
A literatura pré-colonial é
caracterizada pela oralidade, pois tratava-se de uma comunidade ágrafa (não
tinha escrita ocidental). As manifestações eram feitas através de contos,
mitos, provérbios, tabus, adivinhas e, a tradução era feita de geração em
geração, LARANJEIRA (1995).
A Literatura Colonial, exalando os interesses da metrópole, caracterizou-se pela coisificação e estereotipazação do Homem negro, bem como a ridicularização do seu espaço geo-cultural como um lugar abandonado e exótico. O branco vangloriava-se como civilizador da África como enviado de Deus para governar o mundo. Estas atitudes são prova óbvia da falta de alteridade dos brancos perante o negro que é visto como detentor de instintos de fera.
A Literatura Colonial, exalando os interesses da metrópole, caracterizou-se pela coisificação e estereotipazação do Homem negro, bem como a ridicularização do seu espaço geo-cultural como um lugar abandonado e exótico. O branco vangloriava-se como civilizador da África como enviado de Deus para governar o mundo. Estas atitudes são prova óbvia da falta de alteridade dos brancos perante o negro que é visto como detentor de instintos de fera.
As tradições culturais dos africanos
foram rejeitadas e impuseram-se-lhes os modelos ocidentais. Foi com o advento
desta agressividade e até exagerada rejeição da cultura e identidade negras,
agravadas pela colonização e consequente imposição da língua e cultura
europeias que surgem alguns movimentos culturais e políticos, que tentam
resgatar os valores sócio-culturais africanos que, durante séculos foram
estigmatizados, sendo a Negritude um dos movimentos político-culturais,
filosóficos e até literários que mais espaço ganhou na década de 40,
revitalizando a autoestima e a rebusca da identidade perdida há seculos devido
à máquina opressora.
A Negritude lançou as suas sementes
nos movimentos culturais que difundiam o renascimento negro e de acordo com
LARANJEIRA (1995), este movimento contribuiu sobremaneira para a tomada de
consciência sobre a subalternização dos negros.
Negritude (Négritude em francês) foi o nome dado a uma corrente literária que agregou escritores negros francófonos e também uma ideologia de valorização da cultura negra em países africanos ou com populações afro-descendentes expressivas que foram vítimas da opressão colonialista.
Negritude (Négritude em francês) foi o nome dado a uma corrente literária que agregou escritores negros francófonos e também uma ideologia de valorização da cultura negra em países africanos ou com populações afro-descendentes expressivas que foram vítimas da opressão colonialista.
A Negritude lançou as suas raízes até aos movimentos culturais
protagonizados por negros, brancos e mestiços que, desde as décadas de 1910, 20
e 30, vinham pugnando por um Renascimento
Negro[1].
O termo Negritude aparece ao
longo poema «Cahier d’un retour au pays natal», de Aimé Césaire, poeta da
Martinica, que foi publicado na revista Volontés, 10 (1939). A palavra
passou a nomear o movimento que se desenrolava por toda a década de 1930,
nomeadamente em Paris, cadinho de estudantes, intelectuais e políticos que
marcaram profundamente a vida política e cultural do mundo negro.
Social e Ideologicamente
Social e Ideologicamente
A Negritude constituiu-se como o processo de busca de identidade,
de conduta desalienatória e da defesa do património e do humanismo dos povos
negros. Recusou a assimilação a modelos externos à história negra - africana,
embora consciente dos contributos aculturativos, sobretudo nas cidades. A Negritude pretendia a criação de um
estilo próprio, no desejo de se demarcar dos modelos e motivos históricos das
literaturas ocidentais.
Na
Literatura
A poesia da Negritude
distingue-se da restante literatura africana de língua portuguesa pelo obsessivo tratamento da raça e da cor
negras, qualificando-as com valores reais e simbólicos, reagindo, desse
modo, ao racismo branco.
A África, o negro e a Mãe-Negra
(Mãe-África ou Mãe-Terra) ocupam nos textos um lugar de destaque, como
referências, alusões ou temas, numa declaração humanística de povos até aí
apresentados e representados (na literatura colonial) como destituídos de
história, cultura e mesmo de sentimentos. Segundo a análise de Sartre, no
prefácio à Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache (1948), de
Senghor, dá-se a revalorização (e a sobrevalorização) das culturas e modos de
vida ancestrais (tribais, clânicos), com o culto dos antepassados, o animismo e
a respectiva animização retórica da natureza, o pan-sexualismo vitalista, a
visão eufórica e ufanista das relações sociais e familiares nas tribos e no
mundo rural e natural. Ou seja, opõe-se ao mundo tecnológico e racionalista dos
europeus o mundo natural e sensitivo dos africanos, num posicionamento que
receberia críticas devastadoras dos homens empenhados na abertura de África ao
mundo moderno, através de revoluções socialistas.
Como é de se perceber na Negritude Nega-se, dessa forma, não o valor das culturas europeias (ou quaisquer outras), mas a sua dominação sobre as culturas africanas, pelo poder imperial e colonial.
Como é de se perceber na Negritude Nega-se, dessa forma, não o valor das culturas europeias (ou quaisquer outras), mas a sua dominação sobre as culturas africanas, pelo poder imperial e colonial.
É desta forma que pretendemos
perceber até que ponto Francisco José Tenreiro entende e demonstra este
fenómeno da Negritude, visto que ele figura como um dos grandes poetas
negritudista da poesia africana de expressão Portuguesa.
Identidade cultural
O significado que hoje se dá, e
sobretudo que as ciências sociais dão à questão das identidades culturais
difere no passado. A abordagem que se fazia da identidade cultural, era muitas
vezes de caris “etnocêntrico”. Segundo alguns estudiosos, a este propósito, que
“identificar culturalmente era, no passado, situar uma cultura numa hierarquia
classificativa que geralmente decorria da valorização da noção de civilização
sobre a da cultura.[2]
Actualmente
alguns estudiosos defendem que as ciências sociais descobriram as identidades e
especializaram mesmo uma generosa colecção de objectos como estruturas
identitários, sistemas identitários, porém, eles chamam ainda a atenção de que
em muitos casos continua a utilizar-se a noção de identidade verdadeiramente
para continuar a identificar.
Se
percebermos os conceitos acima são importantes para a nossa análise se
atendermos ao facto de estes afirmarem que as identidades culturais não são
imutáveis; são sempre processos de identificação; no tempo e num espaço
próprio, constituindo uma sucessão de configurações e representações que, de
época para época dão corpo e vida a tais identidades como auto-criação constante.
A Expressão pungente das realidades do mundo negro-africano;
O estudo de desenvolvimento da literatura num país (neste caso São-Tomé) levanta duas questões fundamentais:
Ø As
origens de uma literatura, ou seja, o processo em que a escrita numa área
geográfica passa a ser encarada como sua literatura;
Ø O
papel que a literatura pode ter muitas vezes na identidade cultural e política
num moderno estado/ nação, CHABAL (1994:14).
Indo a aquilo que nos ocupa nesta fase inicial da
nossa análise que é sem dúvida o enquadramento histórico da obra Ilha de Nome Santo, podemos dizer que
ela foi escrita, como é por todos sabidos, pelo célebre poeta negritudista
Francisco José Tenreiro no ano de 1942.
Como todos sabemos nesta época era sem dúvida a
época do opressor (o branco) e do oprimido (o negro). Em grandes linhas
diríamos que era a época do sofrimento do negro em quase todas as esferas da
sua vida.
É neste contexto que surge a Negritude. Motivados
pela vida sôfrega que estavam sujeitos os negros no planeta os intelectuais
africanos que estavam na diáspora fundam esse movimento com a finalidade de
revalorizar as culturas africanas a fim de os colocar a pé de igualdade com as
culturas ocidentais.
Os textos analisados apresentados apresentam marcas
que nos remetem à Negritude, se prestarmos atenção aos seguintes versos:
Mãos que na cera perdida encontram o orgulho do Benin
Mãos que do negro
madeiro extraíram a chama das estatuetas
[olhos de vidro]
E pintaram na porta
das palhotas ritmos sinuosos de vida plena
Podemos observar e perceber a descrição de realidades
negro-africanas, “palhota”, que é o modelo de casas que nos identificam, a casa
do verdadeiro africano antes da chegada dos europeus, “Mãos que do negro madeiro”, esta força que é
atribída às mãos caracteriza a bravura do negro quando pretende alcançar algo.
Mãos
Zimbábue ao largo do Índico
Mãos Mali do sono dos historiadores da
civilização
Mãos Songhai episódio bolorento dos Tombos (...)
Mãos de África, minha bela adormecida,
agora acordada pelo relógio das baías.
A partir destes versos podemos comprovar a expressão
de realidades africanas, concretamente a menção aos países africanos, e
caracterizando como belos, a África em geral é bela, refere-se que durante
muito tempo andara adormecida, porém, já acordada. Faz-se ainda menção aos
historiadores da civilização, e como refere Correiro (2008: 3),
“o mundo africano, em termos culturais, traduz, pois,
uma realidade resultante
do encontro do mundo negro com mundos culturais e civilizacionais diferentes
que interferiram e alteraram substancialmente a cosmogonia e a ontogonia do
homem negro tradicional”.
Ademais, podemos ainda encontrar algumas marcas da
obsessão pela beleza e sapiência dos africanos:
Mãos
pretas e sábias que nem inventaram a escrita nem a rosa-dos-ventos
Mas que da terra, da
árvore, da água e da música das nuvens
Beberam as palavras dos
corás, dos quissanges e das timbila que o mesmo é
Dizer palavras
telegrafadas e recebidas de coração em coração.
(...)
Mãos,
(...) do coração do tam-tam criásteis religião e arte, religião e amor.
A obsessão pelas realidades, pelos instrumentos
musicais tradicionalmente usados em África, caso do Tam-tam, que nos remete ao
tambor, que é tocado para mostrar alegria e mesmo em momentos de trabalho. O
quissange é outro instrumento musical tradicionalmente africano que surge como
marca do resgate da identidade cultural africana, e na perspectiva de Du Bois
(1903).
Nós, criadores da nova geração negra, queremos
exprimir nossa personalidade sem vergonha nem medo. Se isso agrada aos brancos,
ficamos felizes. Se não, pouco importa. Sabemos que somos bonitos. E feios
também. O tantã chora, o tantã ri. Se isso agrada à gente de cor, ficamos muito
felizes. Se não, tanto faz. É para o amanhã que construímos nossos sólidos
templos, pois sabemos edificá-los, e estamos erguidos no topo da montanha,
livres dentro de nós.
Encontramos uma sapiência que é atribuída às mãos,
que apesar de não terem inventado a escrita, tocaram timbilas, quissagens,
sendo isto equiparável à leitura de palavras telegrafadas.
Já em “Coração de África”, encontramos a declaração
do amor telúrico, a confissão de, apesar de andar nas terras longincuas,
existem saudades deste espaço que se chama África, senão vejamos os seguintes
versos:
Caminhos trilhados na Europa
De coração em África.
Saudades longas de palmeiras vermelhas
verdes amarelas
Que o sol sensual pintou na paisagem;
Saudade sentia de coração em África.
Estamos perante uma expressão de amor pela terra
africana, terra esta que já acolhia a negros, brancos e mestiços.
Os teus olhos tornaram-se vermelhos
Quando brancos, negros e mestiços
instigados
Pelo álcool
Pelo chicote
Pelo ódio
Se empenharam em lutas fraticidas
E se danaram pelo mundo
Esclarece-se
aqui que cada uma das raças acolhidas pela bela África, tem o seu problema, o
branco tem a posse de álcool, que nos remete à felicidade, ociosidade, podendo
beber e festejar de alegria. Para o negro a marca indelével é o chicote, que
tão bem discordava da alegria dos negros, mas os mulatos tinham era ódio por
não pertencerem a nenhuma raça. Na estrofe seguinte, Tenreiro traz-nos a
história da humanidade, revelando que a África é mãe dos pretos e mestíços, avó
de brancos, e segundo a História Universal, a África é o berço da humanidade, e,
como refere Larangeira (1995: 29): A
África, o negro e a mãe-Negra ocupam nos textos um lugar d edestaque, como
referências, alusões ou temas, numa declaração humanística de povos até aí apresentados
e representados como destituídos da história, cultura e mesmo de sentimentos.
O autor ainda chama à atenção:
Mas os teus filhos não morreram, negra
velha,
Que eu oiço um rio de almas reluzentes
Cantando: nós não nascemos num dia sem
sol!
Isto mostra que, para além do resgate dos valores
negro-africanos, a Negritude insta o africano a despertar, e mobiliza a todos
de modo que se faça algo pela terra.
A expressão de realidades africanas volta à ribalta
quando se faz menção aos rios africanos reconhecidos universalmente, e à
condição africana de escravisados:
Que um rio vem do Mississipi
Ao som dos quissanges numa noite
africana
Às noites longas dos cargueiros em
Port-Said
(...)
Onde haja um peito negro tatuado e
ferido;
Para finalizar, o autor reconhece a situação do
africano, /conheço sim, o cansaço do
nosso corpo/
E se um dia não
poderes mais/ fecha os olhos e encosta o ouvido à terra/ ui! Ouvirás no ressoar
de um tambor ao longe/ o canto altivo e sereno dos teus filhos/.
Portanto, rebusca-se o valor simbólico do tambor e
do canto, que representa a dor e/ ou a alegria.
Ademais, os últimos versos referem: nós, minha mãe/ não nascemos num dia sem
sol/. O que prova que o africano estava na condição de escravo não por
destino, pois nascera também num dia de sol, e que tinha direito a tudo, se
também é humano, mas a máquina colonial retirara esta liberdade ao africano.
o texto e excelente, foi muito util para mim, pois precisava mesmo deste conteudo para assuntos academicos. Gostei!
ResponderEliminarObrigado pela leitura. Volte sempre.
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