Perante
este cenário, percebe-se que o português está a se interiorizar no contexto
sócio-cultural de Moçambique, podendo afirmar-se que está a sofrer um processo
de nativização. Facto que pode ser justificado numa perspectiva
linguístico-cultural defendida por GOMES & CAVACAS (2004: 115) ao afirmar
que, a língua permite a construção de uma
visão do mundo, mas não fica presa a ela. Se descobre novas culturas, aceita e
por vezes absorve novas visões do mundo.
Portanto,
este facto (nativização de uma língua europeia) é recorrente em diversos, se
não todos, países africanos. E, como uma ilustração desta influência das
culturas africanas sobre as línguas europeias, pode-se destacar o facto de não
ser adequado o adágio português segundo o qual “mãe há só uma”, pois, a estrutura familiar que permite a
poligamia, faz com que a criança cresça muitas vezes com duas ou mais mulheres
que assumem papeis maternos e que ela trata como mães.
Portanto,
analisando esta nativização do ponto vista lexical, diríamos que, tal como
afirmam GOMES & CAVACAS (2004: 24), as
palavras entram na língua por adopção, pelos falantes, não por imposição.
Os mesmos autores acrescentam que, a língua e, logo o léxico não tem realmente
um dono, e sim construtores e utentes que através dos tempos, tem descoberto
maneiras de encontrar expressão, palavras, para as suas necessidades e de
transformar o uso que faz dessas palavras no seu significado.
Há que ressaltar ainda que, por vezes, este
processo de adopção de alterações lexicais é longo. No caso de Moçambique, o
mesmo data de até antes da independência do pais (em 1975), tal como afirma
Gregório Firmino numa dissertação em que aborda “ a situação do português no
contexto multilingue de Moçambique”
Mesmo antes da independência,
o português falado em Moçambique incluía traços típicos largamente propagados,
ou seja, os chamados moçambicanismos, usados até pelos colonos portugueses.
Tais moçambicanismos podem ser exemplificados com elementos lexicais, como machimbombo (o equivalente na forma europeia
a autocarro, também usada em
Moçambique), maningue (equivalente
a muito), quinhenta (cinquenta centavos, na forma europeia, também usada em
Moçambique). (p. 14)
Neste
contexto, após a independência, assistiu-se ao recurso cada vez mais frequente
a inovações lexicais em Moçambique, sobretudo no que tange à empréstimos à
línguas autóctones (para designar, por exemplo, realidades sócio-culturais
inerentes a Moçambique), neologismos morfológicos e outras formas de inovações
lexicais.
Este
facto intensificou-se devido, essencialmente, à saída massiva de colonos, que
reduziu significativamente a possibilidade de exposição dos aprendentes da
língua portuguesa à norma europeia, considerando que estes constituíam um
mecanismo de aprendizagem e reforço do padrão linguístico.
No
momento actual, há sinais que induzem à conclusão de se ter vindo a desenvolver
uma variante moçambicana do português com algumas características específicas,
como por exemplo, um léxico próprio de, pelo menos, 1700 palavras. (SOUSA: 2009).
Mas,
sendo a língua oficial do país o português de norma europeia, este português
moçambicanizado vive essencialmente no domínio da oralidade. (ibidem)
Assim,
surge-nos a questão:
De que
maneira ocorrem as alterações lexicais em Moçambique?
Pode-se
dizer que, as alterações lexicais no português em Moçambique realizam-se por
meio de procedimentos morfológicos da língua portuguesa (derivação __ por
prefixação e sufixação __ e composição) com morfemas gramaticais ou lexicais
tanto do português assim como das línguas autóctones.
Onde, na
derivação por prefixação, dentre vários prefixos registáveis podemos ter o
prefixo des-, que pode combinar-se a verbos, substantivos,
adjectivos, advérbios (entretanto > desentretanto) e pronome
indefinido(ninguém> desningueizado). PETTER
(2008: 109)
Há que referir, porém, que estas alterações resultam da criação literária.
Segundo LABAN (1999: 87) apud PETTER (2008: 109), os de uso popular são os seguintes: desacontecer, desarascador, desarrascar, desconseguido, desconseguir, desimportar, desimportar-se, desimpossado, etc.
Há que referir, porém, que estas alterações resultam da criação literária.
Segundo LABAN (1999: 87) apud PETTER (2008: 109), os de uso popular são os seguintes: desacontecer, desarascador, desarrascar, desconseguido, desconseguir, desimportar, desimportar-se, desimpossado, etc.
Na
derivação por sufixação, o sufixo que de nós merece especial destaque é o –ar, que na
língua popular produz formas verbais derivadas de termos conhecidos do
português padrão, como: candongar (vender a preços acima dos do
mercado); confusionar; teimosar; televisionar; depressar;
intervencionar; pacientar; sonecar; etc.
No caso de termos como: confusionar,
televisionar, intervencionar, FIRMINO (p.17) diz haver uma sobre-generalização de um padrão que
pode ser reconhecido na língua, tal como no par «adição/adicionar». Os nomes
que terminam em «-ão» podem ser
verbalizados através da substituição desta terminação por «-ionar».
No entanto, há ainda que ressaltar o facto de,
o mesmo sufixo -ar poder, também, formar derivados de termos de diversa origem:
a) Africana:
Ø
belecar
__ conduzir crianças às
costas;
Ø
djecar
__ ir a uma festa sem ser
convidado;
Ø
gwevar
(‘adquirir para revenda’),
etc.
b) Inglesa:
Ø
djobar
__ trabalhar do inglês job, “emprego,
trabalho”;
Ø kilar __ matar, do
ingles kill/ to kill ‘matar”
Ø
djimar, gimar __ fazer ginástica; fazer exercício (do inglês gym,
abreviatura de gymnastics, “ginástica”;
No
referente à composição, podemos ter expressões
sintácticas lexicalizadas que, segundo VILLALVA (2008) “trata-se de um processo de perda de composicionalidade” e, na
língua portuguesa (norma europeia) afecta
expressões sintácticas como: brincos de princesa, pés de galinha ou velho
mundo. No contexto moçambicano este processo pode ser notável em: beijo-de-mulata (planta medicinal usada
no tratamento de várias enfermidades), colchão-de-noiva
(tipo de bolo rectangular sempre presente nos casamentos). Temos também
palavras que surgem através do processo de reanálise que, na óptica de MATEUS
et al: 2005, é um processo de formação de palavras que consiste na reintegração
de uma estrutura sintáctica como uma palavra. Como pode-se observar, por
exemplo, em espera-pouco (espécie de
arma de manejo manual), mata-bicho (pequeno almoço), mata-peixe (planta da família das leguminosas), etc. E, este tipo de composto é constituído
obrigatoriamente por uma forma verbal flexionada na terceira pessoa o singular
do presente do indicativo e seguida de uma forma nominal ou, muito raramente,
adjectival.
Por
outro lado, tal como afirma Gonçalves (2003), observa-se que estas alterações
lexicais subjazem numa “sistematicidade
na introdução dos empréstimos, que correspondem a lacunas lexicais do português
europeu (PE), devidas à falta de referência a realidades específicas de
Moçambique (relativas à cultura, fauna e flora, principalmente).”
De entre vários exemplos da
introdução destes empréstimos, podemos destacar:
a) Dumba-nengue, que
literalmente significa ‘confie nas suas pernas’, uma expressão usada em
referência a um tipo de mercado informal. A palavra é uma combinação de
«ku-dumba», ‘confiar’ e «nengue», ‘pé/perna’. Indica o facto de que os mercados
informais são ilegais e, por isso, os vendedores têm que fugir constantemente
da Polícia, confiando nas suas pernas.
b) Tchova-xitaduma, que
literalmente significa ‘vá empurrando, que vai pegar’, usada em referência a um
tipo de carroça que é empurrada por um homem. A palavra é uma combinação de
«ku-tchova», ‘empurrar’, e «ku-duma», ‘o pegar de um motor’.
De acordo com FIRMINO (em “a situação do português no
contexto multilingue de Moçambique.” P, 21), a língua portuguesa é usada em Moçambique com a
manipulação de estratégias retóricas distintivas, por meio dos quais os actores
sociais concebem e interpretam os significados referenciais e sociais.
Destas estratégias retóricas podemos destacar:
a) O uso da palavra cabrito, que invoca o conceito de corrupção, já que, como no adágio
popular se assume que «o cabrito come onde está amarrado», isto é, come
o capim que se encontra à sua volta, também o corrupto tira partido das
oportunidades que se lhe oferecem onde estiver, como, por exemplo, no seu posto
de trabalho. Assim a palavra cabrito acaba por ter o significado de
corrupto, de onde se poderá formar o verbo cabritar e o substantivo cabritagem.
b) O uso da epíteto xiconhoca, introduzido
em Moçambique como nome de uma personagem construída numa série de caricaturas
muito divulgadas, representando os comportamentos depreciados na sociedade
moçambicana. O «Xiconhoca» era suposto ser «o inimigo do povo», cujos valores
morais e políticos o colocavam à margem do resto da sociedade.
Assim, o «xiconhoca» é alguém visto como sendo
prejudicial à sociedade, que, por meio de manobras perniciosas, tenta
satisfazer as suas ambições egoístas.
Portanto,
em linhas gerais diríamos que, o português em Moçambique tem, seguramente, um
vasto leque de léxico que é único deste país, o que o torna cada vez mais
distinto do português adoptado como padrão em Moçambique (Português europeu).
Estas alterações são devidas, sobretudo, a um fenómeno que terá ocorrido
aquando da “chegada” desta língua, que, embora servindo como instrumento de
aculturação, a mesma não penetrou no íntimo do povo moçambicano __ a cultura__
porém, há que assumir que esta goza, socialmente, de algum prestígio. E,
considerando a relação de influência existente entre a língua e a cultura de um
indivíduo/povo, pode-se cogitar a hipótese de, a cultura (de cariz múltiplo)
que caracteriza o povo moçambicano tenha se feito mais presente na realização que
os falantes fazem da língua portuguesa em Moçambique. Querendo, no entanto,
comungar da mesma ideia defendida por Mia Couto apud GOMES & CAVACAS (2004:
116) segundo
a qual:
“enquanto nos países
anglófonos e francófonos existe mais este estatuto de língua europeia como
grande dama intocável, a qual tem de ser respeitada, em Moçambique (…) isso não
acontece tanto assim: as pessoas namoram de uma maneira promíscua com a língua
(…) e trouxeram para o português as contribuições várias destas várias
culturas. Isto é, o português naturaliza-se, suja a gramática toda com cor das
novas terras, tem outros falares e outros pensares”
Além
desta perspectiva, pode-se, também, considerar o facto de esta língua
constituir uma L2 na grande maioria de falantes em Moçambique e, tendo em conta
que esta é, normalmente, aprendida num contexto escolar com suas limitações no
que se refere ao domínio da “norma
padrão”, é predizível que haja, alguma sobregeneralização de regras
morfológicas existentes na língua portuguesa, o que, obviamente, culmina na
criação de um conjunto de vocábulos que não estando previstos na “norma padrão”, tornam-se, por um lado
estranhos a ela e, por outro, ao serem difundidos (de diversas formas, como os
media, por exemplo), tornam-se usuais e característicos de um português
moçambicano que, gradualmente, vai emergindo.
Fora
da influência recíproca entre a LP e a cultura moçambicana, do contacto entre
línguas e da sobregeneralização das regras de formação de palavras na língua
portuguesa, o outro fenómeno que contribui para a emergência deste português
falado à maneira moçambicana, é a postura dos fazedores da literatura que, tal
como afirma SOUSA (2009:129), “procedem à subversão da língua
portuguesa, no seu esforço de construírem uma identidade literária moçambicana,
sem, no entanto, prejudicarem a percepção dos enunciados.”
Sem comentários:
Enviar um comentário